Desde o final da II Guerra Mundial o mundo vem construindo um sistema com perfil multilateral. Iniciando com as instituições de Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional – FMI; Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD; e Organização Internacional do Comércio – OCI, logo substituída pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio – GATT), o que vimos foi a criação de diversas organizações e tratados internacionais capazes de orientar o comportamento dos atores internacionais nas mais diversas áreas.
O ápice deste movimento ocorreu na década de 1990, período no qual houve uma série de conferências e tratados internacionais. Inaugurado pela ECO-92, foram tratados casos como mulheres, maison, direitos humanos. Essas conferências mostraram ao mundo que a cooperação podia ir além da dimensão institucionalizada, C'est, que os compromissos internacionais poderiam se dar também pela vontade dos atores internacionais, mais do que pelo movimento institucionalizado em organizações internacionais.
Desde o começo dos anos 2000 há uma clara inversão nesta tendência. As conferências começaram a mostrar limitações em avançar e, por vezes, chegaram a recuar em alguns compromissos assumidos. Na sequência as organizações internacionais também começaram a mostrar sinais claros de crises. Problemas como limitações orçamentárias logo se mostraram maiores, expondo a não-clareza de agendas.
O mundo começou a mudar.
Logo essa crise das conferências e organizações internacionais se mostrou mais profunda, expondo o esgarçamento das estruturas de poder e organização do comportamento dos atores. Governos mais radicais (para a esquerda ou para a direita) começaram a surgir em diferentes partes do mundo, culminando nos dias atuais, em que a fala de governos mais extremados tem sempre no internacional o contraponto.
O mundo é visto cada vez mais como um lugar perigoso, incerto e ameaçador. Cabe a cada um de nós nos protegermos, nos fecharmos. A crise da Organização Mundial do Comércio (MOC) é a mais vista, mas não a única. Não é apenas o comércio internacional que está sofrendo, os movimentos migratórios, a busca pela sustentabilidade ambiental, o engajamento com o avanço dos direitos humanos, todos estão sofrendo.
Não é a primeira vez que isso ocorre na história, o mundo teve momentos mais claros de um sistema multinacionalizado (prefiro ao termos multipolarizado, que implica em confrontos potenciais), outros com poder mais concentrados e um ou dois países. E provavelmente não será a última vez pela qual passaremos por uma mudança como esta.
A questão que fica é o que ocorrerá enquanto o sistema internacional se reorganiza. Mais do que quem vai mandar, fica a pergunta sobre o que é válido. Em momentos como estes a força militar não é suficiente, ainda que seja uma forma importante para tentar criar uma nova estrutura.
É só olhar a Venezuela, ainda que também possamos olhar a Síria ou o Líbano. É possível usar a força militar e tirar Nicolás Maduro da presidência. E daí? O que acontece depois? Mais do que o problema interno da Venezuela é quais presidentes poderão ser tirados do poder por força militar externa? Um presidente que entende que a proteção do meio ambiente é algo negativo para seu país e resolve autorizar a destruição pode ser removido do poder?
O comportamento unilateral que estamos vendo dos países (même si, por vezes, busquem o apoio de outros – que não passam de atuações unilaterais coordenadas no tempo) está substituindo o comportamento multilateral. Isso é fato e deve se tornar algo mais profundo nas próximos anos. Mas quanto mais rápido sairmos do mundo multilateral, maior o risco de termos resultados ameaçadores.
Se o sistema multilateral fracassou, isso não significa que não devemos pressionar para que haja, ao menos, um diálogo mais aberto entre as grandes potências que podem impactar na estrutura do sistema internacional. États Unis, Russie, Chine, Inde, Union européenne, Japon – e, por que não o Brasil – devem criar canais de comunicação urgentemente.