A invasão russa na Ucrânia no ano de 2022 gerou uma onda de solidariedade internacional, mas também evidenciou a complexidade das relações geopolíticas e os jogos de interesses neste “Xadrez 4D” – a quarta dimensão se refere às jogadas políticas complexas e estratégicas de longo prazo que parecem antecipar os movimentos dos oponentes –. Entretanto, apesar da condenação generalizada da agressão russa e do apoio humanitário à Ucrânia, desde o início da guerra, alguns países mudaram esta postura humanitária. Dessa maneira, este artigo busca explorar o fenômeno por trás dessa crescente falta de apoio à Ucrânia, analisando fatores como interdependência globalizada, alinhamentos políticos e receios de escalada do conflito. Ao compreender as motivações por trás dessas diferentes posições, podemos ter um panorama mais completo do cenário geopolítico global e dos impasses para a construção de uma resposta internacional unificada a crises como a da Ucrânia.
Em 24 de fevereiro de 2022, inicia-se a invasão da Ucrânia, quando tropas russas lançaram um ataque em larga escala sobre o território, aumentando drasticamente as tensões pré-existentes entre os dois países. A ofensiva envolveu ataques por terra, ar e mar, atingindo alvos militares e civis em diversas regiões, com sucessivos avanços até a capital, Kiev. O presidente Vladimir Putin justificou a ação militar com alegações de ameaça à segurança russa – especialmente devido ao aumento da presença ocidental representada pela OTAN nas proximidades de suas fronteiras –, afirmações amplamente rejeitadas pela comunidade internacional. A invasão provocou uma resposta global de condenação, sanções econômicas ao governo russo, além de apoio militar e humanitário aos ucranianos, resultando em milhares de mortes, milhões de deslocados e refugiados, e danos graves à infraestrutura e economia do país.
Nessa perspectiva, com o estopim da guerra, as potências ocidentais se prontificaram em oferecer auxílios bélicos à Ucrânia. Desse modo, em um momento inicial pós-invasão até o dia 7 de março de 2022, temos a Comissão Europeia, que concordou em conceder 450 milhões de euros para financiar o fornecimento de armas à Ucrânia, e outros 50 milhões de euros para equipamento não letal, como combustível e itens de proteção. Esse apoio europeu reflete também o reconhecimento da Ucrânia como candidata à adesão à União Europeia, o que permite a liberação de recursos e programas para ajudar o país a atender aos critérios de Copenhagen, reforçando sua capacidade institucional e econômica em meio ao conflito. O Departamento de Estado dos EUA, por sua vez, enviou uma quantia de US$350 milhões em armas e outros equipamentos; A França, se encarregou de 300 milhões de euros em equipamentos militares e combustíveis para o exército ucraniano, além de outros países que também auxiliaram com quantias consideráveis.
Entretanto, essa conduta não permaneceu e temos uma queda exponencial no auxílio à Ucrânia. Tal fenômeno não necessariamente advém de algum tipo de “politicalwashing” – Em que os Estados utilizam de ações aparentemente altruístas como máscaras democráticas –, com o intuito de promover uma imagem democrática diante do sistema internacional, antes disso, em um mundo globalizado as consequências de uma guerra afetam não só o Leste Europeu, mas tem a capacidade de afetar outros continentes. Com isso, em uma perspectiva realista, os Estados buscam primordialmente alcançar seus interesses, de modo que em um contexto de interdependência, os Estados buscam evitar eventos que podem afetá-los negativamente. Nesse sentido, para ilustrar a situação, temos o exemplo da Polônia, que, ao dividir fronteiras terrestres com a Ucrânia, esteve entre os Estados que mais auxiliaram o país invadido. Entretanto, os esforços não foram suficientes para frear as consequências, e o país se encontra em uma situação de 1,6 milhões de refugiados ucraniano, além do governo polonês estar sendo cobrado pelos altos custos bélicos.
Nesse contexto, o abandono da Ucrânia tem sido muito debatido nos âmbitos nacionais e internacionais, como a fala do presidente Luís Inácio Lula da Silva ao presidente turco Recep Tayyip Erdogan “não pode fixar as discussões apenas na guerra entre Rússia e Ucrânia, porque há outras crises no mundo, como a fome, a pobreza extrema e os desafios climáticos, que demandam atenção imediata”, referindo-se às ações do G-20 (Lula se reúne com o presidente da Turquia durante Cúpula do G20). Além disso, durante um evento bilateral entre Brasil e Rússia, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, reuniu-se com o chanceler russo, Sergei Lavrov, para discutir diversos temas relacionados ao BRICS. No entanto, o conflito na Ucrânia não foi destaque nas conversas.
Outrossim, as resoluções políticas das potências mundiais também possuem a capacidade de mudar o curso da guerra, como as eleições americanas em que o Partido Democrata permanece insistindo no apoio à Ucrânia ao passo de que Donald Trump, candidato pelos Republicanos, não defende explicitamente uma posição favorável aos ucranianos. Durante o primeiro debate entre Trump e Harris, quando perguntado sobre a Guerra na Ucrânia, ele responde “Eu quero que a guerra pare. Eu quero salvar vidas que estão sendo desperdiçadas. Pessoas sendo mortas aos milhões. São milhões. É muito pior do que os números que você está recebendo, que são números falsos”. A fala preocupou seus próprios aliados políticos – aliás uma vitória russa, antes de qualquer coisa significa um país autoritário invadindo e tomando um território democrático, provocando um avanço do autoritarismo na Europa – e, principalmente, o governo ucraniano, que passa a interpretar uma vitória de Trump como a perda de um de seus principais apoiadores: os Estados Unidos.
Em suma, a guerra na Ucrânia expôs as fragilidades do altruísmo internacional e a prevalência dos interesses nacionais em um cenário geopolítico cada vez mais complexo. Dessarte, a diminuição do apoio à Ucrânia, promovida por fatores como a interdependência globalizada e os receios de escalada do conflito, evidencia a dificuldade de se construir uma resposta internacional unificada a crises humanitárias e conflitos armados. Com isso, a guerra na Ucrânia serve como um lembrete sombrio de que, mesmo diante de violações flagrantes do direito internacional e de um sofrimento humano imenso, a geopolítica e os cálculos de poder continuam a moldar as ações dos Estados. Muitas vezes, isso ocorre em detrimento da solidariedade e da busca por soluções justas e duradouras. Além disso, é importante ressaltar que os principais pontos decisórios da geopolítica não estão em organizações como a ONU, mas permanecem nos centros político-administrativos de cada Estado, seja em Washington, Moscou ou Beijing.
Referências Bibliográficas:
BBC. Ocidente começa a dar sinais de que pode abandonar a Ucrânia. BBC News Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60627039. Acesso em: 25 set. 2024.
CNN BRASIL. Ocidente começa a dar sinais de que pode abandonar a Ucrânia. CNN Brasil. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/ocidente-comeca-a-dar-sinais-de-que-pode-abandonar-a-ucrania/. Acesso em: 27 set. 2024.
CNN BRASIL. Em bilateral entre Brasil e Rússia, guerra na Ucrânia fica de fora. CNN Brasil. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/em-bilateral-entre-brasil-e-russia-guerra-na-ucrania-fica-de-fora/. Acesso em: 28 set. 2024.
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Artigo elaborado por Álvaro Germano Oliviera Silva Pires e Nicolas Silva Gomes