
Artigo elabordo por Georgia Bohn Schmaedecke e Luana Moreira Nonato
Introdução:
Este artigo visa analisar o declínio da democracia na Hungria e a ascensão da autocracia, com poder concentrado nas mãos do primeiro-ministro Viktor Orbán e seu partido de extrema-direita, Fidesz, há mais de 10 anos. Com isso, algumas reformas questionáveis estão sendo realizadas pelo governo, as quais possuem caráter arbitrário e infringem os direitos dos cidadãos húngaros. O enfraquecimento de instituições democráticas, como a autonomia do poder judiciário e as restrições impostas às mídias, reforçando o processo contínuo de declínio das liberdades no país. Ademais, a livre concorrência política também se encontra desgastada, uma vez que partidos de oposição são limitados pelo controle interno das mídias pelo partido no poder, Fidesz, e mudanças legislativas que prejudicam suas ascensões. Como objetivo geral, o artigo busca entender como a autocracia está se consolidando na Hungria, a partir de políticas rigorosas e da concentração do poder nas mãos de apenas um líder, Orbán. No que diz a respeito das instituições europeias, como a União Europeia, de que maneira esta está reagindo ao abandono da doutrina democrática por um de seus membros, visto que um dos requisitos para sua participação é ser um país que possua instituições estáveis que garantam o Estado de direito. (Critérios de Copenhagen, 1993).
2. Objetivo e Justificativa
O presente artigo tem como objetivo analisar o processo de erosão democrática na Hungria, evidenciado pela consolidação de um regime autocrático sob o comando de Viktor Orbán e seu partido, Fidesz. Justifica-se tal investigação pela necessidade de compreender como um Estado-membro da União Europeia, supostamente comprometido com os valores democráticos, vem promovendo reformas autoritárias que ameaçam direitos fundamentais, restringem liberdades civis e fragilizam as instituições. Ao abordar esse cenário, busca-se não apenas compreender o caso húngaro, mas também refletir sobre os desafios contemporâneos enfrentados pela democracia em escala global.
3. O retrocesso democrático sob o governo de Viktor Orbán
Para compreender a trajetória histórico-política da Hungria, é essencial analisar seu processo de transformação ao longo dos séculos. Inicialmente, o país destacou-se como um poderoso reino medieval. Posteriormente, integrou o Império Otomano e, a partir do século XVI, passou a fazer parte do Império Habsburgo. A Hungria só emergiu como nação independente após a Grande Guerra (1914-1918). Posteriormente, foi integrada ao bloco comunista do Leste Europeu (SCHOENFELD, 1948), após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). No ano de 1956, um movimento a favor da democracia húngara foi violentamente reprimido por tropas soviéticas. Esse episódio foi seguido pela invasão do país, ordenada pelo Kremlin, e pela substituição do governo húngaro por um grupo pró-Moscou. A Hungria permaneceu sob influência soviética até 1989, quando ocorreram a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, momento em que o país se tornou uma república parlamentarista. Durante as décadas de 1990 e 2000, a Hungria passou por diversas reformas políticas para se alinhar aos padrões da União Europeia, culminando na adesão ao bloco em 2004. Finalmente, em 2010, Viktor Orbán assumiu o cargo de primeiro-ministro do país, ameaçando o modelo de democracia liberal da Hungria (Ágh, Attila, 2015). Sua gestão foi seguida pela eleição de János Áder como presidente em 2012, conhecido por seu histórico de proximidade com o premiê Orbán.
Devido à crise financeira global de 2008, o país foi o primeiro a receber ajuda financeira da Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional). Nesse processo, a instabilidade econômica no país abriu espaço para a ascensão da extrema-direita húngara (Győrffy, D. 2020), culminando em 2011, na implementação de uma nova constituição, gerida por Orbán e seu partido, que centralizou o poder e enfraqueceu os contrapesos democráticos. Portanto, a Hungria entrou em declínio no que diz respeito às liberdades e à proteção dos direitos humanos (Carta da ONU, 1948).
Sendo assim, as eleições livres e justas na Hungria estão sendo questionadas, pois as análises demonstram que questões como a manipulação midiática por agências do Estado e a sua utilização de poder para realizar ações populistas na pré-eleição de 2022 – como o caso das obras do metrô de Budapeste (Daily News Hungary, 2024), onde Orbán promete representar os interesses das massas contra instituições tradicionais na realização dessas construções civis, o que impossibilita a estrutura eleitoral livre e justa, visto que não possuem poder equitativo ao partido dele, Fidesz.
Nesse caminho, a implementação de políticas conservadoras e nacionalistas, como a aprovação, pelo parlamento húngaro, em abril de 2025, da lei que proíbe a Marcha do Orgulho LGBTQ+ (A votação foi ratificada com 140 votos a favor e 21 contra), medida que integra de uma emenda constitucional que também reconhece apenas dois gêneros – masculino e feminino – e restringe os direitos da comunidade LGBTQ+ (Viktor Orbán prometeu, em março, que uma “limpeza de Páscoa” de seus críticos estava chegando), sob a justificativa de que seria prejudicial para as crianças. A decisão gerou críticas de organizações internacionais e da Comissão Europeia, que está analisando possíveis medidas contra o governo da Hungria. Outrossim, a emenda também permite que o governo suspenda temporariamente a cidadania de qualquer indivíduo húngaro que possua dupla cidadania e seja visto como um risco para a estabilidade ou integridade nacional do país (Segundo o Fidesz, a medida é destinada àqueles que financiam “ONGs falsas, políticos comprados e a chamada mídia independente” do exterior, de acordo com a BBC News).
Em 2020, o país deixou de reconhecer legalmente pessoas transgênero e, no ano seguinte, políticos aprovaram uma lei que proíbe a representação da homossexualidade para menores de 18 anos. Como consequência, qualquer pessoa que violar essas leis poderá enfrentar uma multa de até 500 euros, incluindo aqueles que participarem e organizarem as marchas. Do mesmo modo que, a polícia poderá utilizar tecnologia de reconhecimento facial para identificar possíveis infratores. Em contrapartida, a postura da Hungria em relação às minorias demonstra um desacerto e uma violação das cláusulas da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), tratado internacional assinado em 1950 com o objetivo de proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais na Europa, da qual o país faz parte. Esse tratado prevê a equiparação dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Por outro lado, o controle da mídia por Viktor Orbán é um dos elementos mais criticados de seu poder. Seu partido, Fidesz, assumiu o controle de fato de 80% da mídia do país, ocupando a 85ª posição no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, elaborado pela Repórteres sem Fronteiras (RSF). Além disso, o governo tem utilizado a mídia estatal como ferramenta para promover sua agenda política e marginalizar vozes dissidentes, dificultando o acesso da população a informações imparciais. Essa concentração de poder midiático não apenas enfraquece a democracia, mas também limita a concorrência política, favorecendo o partido no poder. O país está desafiando a União Europeia no tribunal, pedindo aos principais juízes que derrubem o novo conjunto de regras destinado a preservar a liberdade de imprensa. A Comissão Europeia, por sua vez, têm expressado preocupações sobre o impacto dessas ações na integridade democrática do bloco. Esse cenário reflete uma estratégia deliberada de Orbán para consolidar seu domínio político e reduzir a influência de opositores e organizações independentes.
No quesito das nomeações no judiciário húngaro, estas têm sido um ponto crítico no enfraquecimento da democracia e na concorrência política do país. O governo central implementou medidas que centralizam o controle sobre o sistema judiciário. Para tratar de questões administrativas, foi criado um sistema judicial paralelo; todavia, ele é controlado pelo Executivo, já que o ministro da Justiça, aliado de Orbán, é responsável pela contratação e promoção dos juízes que o integram. Outra questão foi a aposentadoria compulsória de juízes entre 62 e 70 anos, o que resultou na substituição de magistrados experientes por profissionais mais jovens e alinhados ao governo. Apesar de ter sido plenamente revertida por pressão da União Europeia, muitos juízes ainda não retornaram aos seus cargos, consolidando a influência do governo sobre o Judiciário e minando a independência necessária para garantir eleições justas e a proteção de direitos fundamentais.
Gráfico 1 – Top 10 Autocracias Autônomas, 2024

Fonte: V-Dem Institute
4. Considerações finais
Diante de todos os pontos abordados, torna-se evidente que a Hungria enfrenta um processo de erosão democrática que vai muito além de reformas pontuais ou decisões políticas isoladas. Trata-se de uma transformação profunda e sistemática das estruturas do Estado, guiada por um projeto de poder que concentra decisões em torno de uma liderança autoritária, limita liberdades fundamentais e enfraquece os pilares que sustentam qualquer regime democrático: o pluralismo político, a liberdade de expressão e a independência das instituições.
Ao se manter como integrante da União Europeia, mesmo contrariando princípios basilares como os direitos humanos, a igualdade e a democracia, a Hungria expõe as fragilidades do bloco diante de crises internas. A permanência do país, sem consequências mais severas, questiona até que ponto a UE está disposta ou preparada para agir de forma firme contra governos que violam os próprios critérios que os legitimam como membros. Isso revela um dilema ético e político que coloca em xeque não apenas o futuro democrático da Hungria, mas também a credibilidade e a coesão da União Europeia como um todo. Mais do que isso, o caso húngaro é um alerta para todas as sociedades contemporâneas. O uso estratégico da lei para concentrar poder, o ataque às minorias, o controle da narrativa e o desmonte da oposição são sinais que, muitas vezes, passam despercebidos até que já seja tarde demais.
Portanto, cabe à sociedade civil, aos órgãos internacionais e, especialmente, às novas gerações, a responsabilidade de reconhecer esses sinais e se posicionar. A democracia é uma construção coletiva, e sua preservação exige vigilância constante, coragem para resistir a retrocessos e compromisso com a justiça social. A experiência da Hungria deve ser lembrada não como uma exceção, mas como um exemplo do que pode acontecer quando os valores democráticos deixam de ser prioridade.
Por fim, a pergunta que permanece é: o mundo está pronto para defender a democracia com a mesma força com que alguns a tentam desmontar?
Referências Bibliográficas:
CRITÉRIOS DE COPENHAGA. Critérios de adesão à UE. 1993. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/PT/legal-content/glossary/accession-criteria-copenhagen-criteria.html. Acesso em: 15 abr. 2025.
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Győrffy, D. (2020). Gestão da Crise Financeira e a Ascensão do Populismo Autoritário: O Que Difere a Hungria da Letônia e da Romênia? Estudos Europa-Ásia, 72 (5), 792–814. Disponível em: https://doi.org/10.1080/09668136.2020.1752624. Acesso em: 18 abr. 2025.
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