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Israel e os novos acordos com países árabes

A assinatura dos Acordos de Abraão em 2020 marcou uma virada histórica nas relações entre Israel e o mundo árabe. Pela primeira vez desde os tratados com Egito (1979) e Jordânia (1994), países árabes — como Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão — reconheceram formalmente o Estado de Israel e estabeleceram relações diplomáticas plenas. Esses acordos, mediados pelos Estados Unidos, quebraram um tabu: a normalização com Israel sem a exigência prévia da criação de um Estado palestino. O que está por trás dessa mudança? Quais são os interesses em jogo e o que ela revela sobre a nova geopolítica do Oriente Médio?

A primeira razão para os acordos é estratégica. Em um cenário de crescente ameaça iraniana, muitos governos árabes sunitas passaram a ver Israel não como inimigo, mas como aliado potencial. O Irã, com sua política de expansão regional e apoio a milícias xiitas (como o Hezbollah no Líbano e os houthis no Iêmen), tornou-se o principal adversário geopolítico de países como Arábia Saudita e Emirados Árabes. Israel, com sua capacidade militar e inteligência de ponta, tornou-se um parceiro útil para conter essa influência.

A segunda razão é econômica. Os países do Golfo, em especial os Emirados, buscam diversificar suas economias, reduzir a dependência do petróleo e integrar-se aos fluxos globais de tecnologia, inovação e turismo. Israel, com seu ecossistema de startups, expertise em cibersegurança, dessalinização e energia limpa, é um parceiro estratégico para esse novo ciclo de desenvolvimento. Os acordos abriram caminho para voos diretos, investimentos cruzados, cooperação científica e turismo religioso.

A terceira motivação é diplomática. Para os países árabes signatários, aproximar-se de Israel representa também um fortalecimento da aliança com os Estados Unidos. Durante o governo Trump, os Acordos de Abraão foram promovidos como vitórias diplomáticas da política americana no Oriente Médio, com promessas de vendas de armamentos, reconhecimento de reivindicações territoriais (como a soberania marroquina sobre o Saara Ocidental) e apoio econômico.

Do lado israelense, os acordos são vistos como confirmação de uma mudança de paradigma: é possível fazer paz com o mundo árabe sem resolver o conflito com os palestinos. Essa percepção enfraquece a centralidade da causa palestina na política regional e reforça a ideia de que o tempo está do lado de Israel. No entanto, essa normalização também gera tensões: os palestinos denunciam os acordos como traição, e parte da opinião pública árabe ainda rejeita abertamente o reconhecimento de Israel.

Além disso, os Acordos de Abraão sinalizam uma nova lógica no Oriente Médio: menos ideologia pan-árabe e mais pragmatismo estatal. Os interesses nacionais, a economia e a estabilidade passaram a guiar as decisões diplomáticas, substituindo as antigas narrativas de solidariedade incondicional com a Palestina.

Mas os acordos também enfrentam limites. A Arábia Saudita, o país árabe mais influente, ainda não normalizou relações com Israel, embora mantenha canais informais abertos. A continuidade da ocupação da Cisjordânia, as tensões em Jerusalém e os episódios de violência em Gaza continuam sendo obstáculos. A recente escalada entre Israel e o Hamas, bem como a crise humanitária em territórios palestinos, colocam em xeque a viabilidade e a legitimidade desses acordos perante as sociedades árabes.

Os Acordos de Abraão não encerram o conflito israelense-palestino, mas indicam uma mudança de prioridades na região. Eles revelam uma nova diplomacia árabe, mais pragmática, menos refém de slogans ideológicos, e mais preocupada com segurança, tecnologia e projeção econômica. Ao mesmo tempo, mostram que a causa palestina está longe de ser resolvida — e que ignorá-la pode gerar efeitos colaterais imprevisíveis.

Israel, ao romper o isolamento diplomático com parte do mundo árabe, ganha margem de manobra. Mas essa nova arquitetura regional é frágil. Sua sustentação depende de estabilidade interna, equilíbrio regional e, inevitavelmente, de algum tipo de solução política para a questão palestina.