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O Tribunal Penal Internacional julga inimigos e ignora aliados

Desde a sua criação, o Tribunal Penal Internacional (TPI) simbolizou uma esperança de justiça global permanente para crimes de guerra, genocídio e contra a humanidade. Ao mesmo tempo, porém, o seu funcionamento tem sido marcado por uma seletividade evidente, que mina a credibilidade do tribunal como fórum imparcial. A disparidade entre o tratamento dado a diferentes regiões e atores coloca‑se como um entrave à missão universal que o TPI proclama.

Um dos argumentos mais contundentes contra o TPI refere‑se à concentração quase exclusiva de casos contra países africanos. Apesar das constantes promessas de uma justiça global, cerca de 47 dos 54 indiciados pelo TPI são africanos. Essa estatística alimenta críticas segundo as quais o tribunal estaria a funcionar como instrumento punitivo voltado para o Sul global, enquanto permanece quase inerte em relação a Estados e atores poderosos do Norte ou aliados ocidentais

Essa disparidade tem alimentado o discurso de que o tribunal pratica “dois pesos, duas medidas”.

O padrão africano torna‑se mais evidente quando se examina a origem das situações investigadas. Vários casos africanos foram instaurados a partir de autorreferências dos países africanos ao tribunal ou via pedidos do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Contudo, não se encontram — ou encontram‑se de modo muito mais limitado — investigações paralelas contra crimes graves em países ocidentais ou seus aliados estratégicos. Por exemplo, não foram sequer iniciadas investigações robustas pelo TPI em relação a crimes alegadamente cometidos por militares dos Estados Unidos ou Reino Unido na guerra do Iraque

O contraste revela como a alçada prática do tribunal diverge da promessa de universalismo.

Outro efeito visível dessa seletividade é o impacto nas relações entre o TPI e os países africanos. Em diversas ocasiões, Estados‑partes ameaçaram retirar‑se do estatuto que instituiu o tribunal ou se negaram a cooperar plenamente, citando viés e injustiça. Países como a África do Sul ou o Burundi expressaram desapontamento com o funcionamento da instituição, considerando‑a mais uma ferramenta de controle externo do que mecanismo de justiça equitativa

Essa crise de confiança revela‑se como um problema estrutural, e não apenas pontual.

Há ainda a questão da dependência orçamental e institucional do TPI, que reforça sua vulnerabilidade a pressões geopolíticas. O tribunal conta com financiamento de Estados‑membros, contribuições voluntárias e fundos especiais — fontes que, algumas vezes, condicionam prioridades de investigação e execução. Um estudo mostra que “os padrões de financiamento do TPI refletem sua posição como instrumento de Estados poderosos; consequentemente, a África torna‑se alvo desproporcional de processos penais.” 

Quando o financiamento molda em parte o foco do tribunal, a imparcialidade deixa de ser apenas um ideal e passa a figurar como variável dependente de fatores externos.

Exemplos concretos ilustram essa dinâmica. O caso do Omar al‑Bashir, ex‑presidente do Sudão, tornou‑se emblemático: ele está sujeito a mandado de prisão do tribunal por crimes em Darfur, mas conseguiu permanecer impune em diversos contextos. Essa situação é apontada por muitos como símbolo da incapacidade do TPI de ir além da “caça de africanos”. Em contrapartida, há casos com menos visibilidade ou estagnação quando envolvem países fora do continente africano. Razões técnicas — como jurisdição ou referenciamento pelo CSNU — são invocadas, mas, para críticos, funcionam como escapismo institucional

Essa assimetria alimenta desconfiança e enfraquece a função tutelar do tribunal.

A seletividade compromete não apenas a legitimidade institucional do TPI, mas também aqueles a quem ele deveria servir. Vítimas de crimes graves em regiões fora do foco principal do tribunal podem perceber que não haverá justiça, o que mina a confiança no direito internacional. Paralelamente, países que se sentem injustiçados podem optar por não cooperar, ou mesmo denunciar o Estatuto de Roma, o que reduz o alcance global da justiça internacional.

O TPI continua sendo uma peça central do aparato jurídico internacional, mas sua eficácia e legitimidade dependem da percepção de equidade no tratamento dos casos e da independência de sua atuação. Sem isso, a instituição corre o risco de ser vista menos como justiça universal e mais como instrumento seletivo de poder global — condição que abre lacunas perigosas para a responsabilidade individual e coletiva no plano internacional.

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