ISSN 2674-8053

Entre Riade e Teerã, a Problemática do Iêmen

O Iêmen retorna ao noticiário por causa de mais uma guerra, coisa comum durante o século XX, onde o petróleo e a Guerra Fria vitaminaram uma série de disputas, hora no Iêmen do Sul, hora no Iêmen do Norte e algumas vezes no Iêmen reunificado a partir dos anos noventa. Como marca principal dessa jovem nação, a pobreza e a interferência constante do imperialismo em seus assuntos internos. O Iêmen que conhecemos surgiu da luta contra o colonialismo, dividido em Norte e Sul no século XX; travaram batalhas para se libertarem dos Impérios Otomano e Britânico respectivamente. Contudo, a independência não foi garantia de autonomia e desenvolvimento.

Independente do Império Turco-Otomano em 1918, o Reino do Iêmen seguiu como monarquia até o processo republicano em 1962, onde se tornou a República Árabe do Iêmen. De uma monarquia perdulária e conservadora, apoiada por Inglaterra e Arábia Saudita, para uma república apoiada pelo Egito, a sociedade iemenita seguiu o padrão de país petroleiro, povo pobre e economia primária controlada por uma elite sem nenhum traço nacionalista. As únicas formas de unidade social são: a religião islâmica e o idioma árabe.

Motivados pelos processos de descolonização, grupos nacionalistas e socialistas conseguiram desencravar parte do território da Iêmen do Norte que era um protetorado inglês, e assim nasceu em 1963 o Iêmen do Sul, ou República Popular do Iêmen. Em pouco tempo o jovem país conseguiu avanços significativos nas áreas de saúde e educação, se comparados à sua irmã mais velha do norte. A radicalização do processo político levou os comunistas a tomarem o poder em 1969, mudando o nome do país para República Popular Democrática do Iêmen. Nesse momento a Guerra Fria intimava violentamente o processo político no Sul. No Iêmen do Norte as contradições política e sociais também eram tensas, mas a pressão Ocidental não permitiu transformações contundentes.

Apesar das divergências políticas os dois países iniciaram um processo de reunificação em 1972, contrariando os interesses da Arábia Saudita e das companhias petroleiras internacionais. Contudo, as contradições da Guerra Fria falaram mais alto e os interesses do imperialismo logo fomentaram novos conflitos, que em pequena escala colocou Sul e Norte em confronto no ano de 1972 (duração de 30 dias). Novamente os iemenitas retornaram ao campo de batalha em 1979 depois de golpes de Estado em seus países.

Esse breve conflito em 1979 (25 dias) demonstrou o quanto EUA e Arábia Saudita estavam dispostos a apoiar o Iêmen do Norte e evitar que o socialismo, enquanto zona de influência soviética na região, se espalhasse. Nesse período novos atores surgiram na região: Revolução Iraniana, subida de Saddan Husseim ao poder no Iraque, Liga Árabe se opondo a entrada da URSS no Afeganistão, os processos de independência africanos, o protagonismo da Líbia e da OLP (Organização para Libertação da Palestina), as contradições e interesses geopolíticos envolvendo Egito e Israel. Essa série de momentos e processos históricos, na maioria das vezes colocou o conflito iemenita em segundo plano na escala global, mais acabaram de alguma forma reverberando em sua sociedade.

As marcas da Guerra Fria continuaram vigentes nos dois países até 1990, quando foi realizada a reunificação, em uma conjuntura sem o protagonismo da URSS e o término da Guerra Fria. Entretanto, o processo de exploração do petróleo e a pobreza da população se intensificaram, levando a novas contradições que culminaram em uma guerra civil entre grupos militares dos antigos Sul e Norte. Depois de três meses de uma fratricida batalha de tanques, o conflito terminou com muitos exilados e a vontade de secessão por parte de muitos militantes do antigo Sul.

Em 1995 um novo conflito, dessa vez uma disputa territorial com a Eritréia, onde se reabriram velhas feridas da guerra de independência desta última contra a Etiópia (1977-1990). Durante a Guerra Fria o então Iêmen do Sul, junto com URSS e Cuba tinham apoiado a Etiópia contra a Eritréia.

Com o Consenso de Washington em voga, novos atores surgiram na conjuntura iemenita, um deles foi a influência da Al-Queda em sua vida política. Nesse sentido a dependência do Iêmen das grandes potências aumentou, culminando com as forças estadunidenses lutando no Iêmen contra os insurgentes no contexto de “Guerra ao Terror”. A presença da Al-Qaeda era notada no Iêmen desde 1998, mas foi a partir de 2001 depois dos atentados de 11 de Setembro que a luta se intensificou.

Com a entrada dos estadunidenses na luta em 2002, depois do atentado ao seu navio USS Cole no porto de Áden em outubro de 2000, o Iêmen passou a ser uma base estadunidense na região, de onde as forças especiais estadunidenses e seus organismos de segurança passaram a operar com total complacência das autoridades iemenitas. Concomitante ao recrudescimento das operações estadunidenses e iemenitas contra os “terroristas” da Al-Qaeda em 2010, aconteceu o processo denominado “Primavera Árabe”, uma série de protestos com pautas liberais, que além do Iêmen aconteceram por todo mundo árabe, com maior intensidade na Tunísia, Egito e Líbia.

Para agravar a situação do Iêmen, a partir de 2011 os xiitas apoiados pelo Irã e em oposição à influência da Arábia Saudita no Iêmen passaram a atuar de forma incisiva, tornando-se uma força insurgente na parte norte do país. Ao sul, os velhos separatistas do Iêmen do Sul também se alçaram às armas, provocado mais um conflito no país.

A partir de 2015 a situação do Iêmen fugiu do controle governamental, nem mesmo a presença estadunidense conseguiu conter a guerra, a fome e a miséria. Nesse contexto, a Arábia Saudita formou uma coalizam de países árabes (Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Egito, Bahrein, Catar, Jordânia, Sudão e Marrocos), com o objetivo da combater os insurgentes houthis (xiitas ligados ao Irã). O clímax do conflito foi o assassinato do ex-presidente Ali Abidullah Saleh no início de dezembro de 2017. Saleh, que por hora estava do lado dos Houthis, havia mudado de lado e estava prestes a anunciar o seu apoio a Abd-Rabbu Mansour Hadi, presidente desalojado da capital Sanaa depois de ter sido eleito com o apoio da Arábia Saudita em 2012.

A miséria se intensificou no Iêmen desde a invasão saudita, com o bloqueio naval imposto pela Coalizão, a fome da população está em nível de catástrofe humanitária, já que cerca de 80% dos alimentos são importados, para além dos mais de 10.000 mortos e mais de 40.000 feridos, o Iêmen ainda enfrenta uma epidemia de cólera difícil de ser combatida, já que a Coalizão não tem permitido que os aeroportos recebam aviões com suprimentos médicos.

Em cerca de 100 anos de conflitos vividos pelos iemenitas por causa dos mais variados motivos é no raiar de 2018 que se encontra o seu maior desafio enquanto nação. Sua guerra quase esquecida é um problema aterrador para os amantes da paz com justiça social. O conflito que o povo iemenita vive está ligado diretamente à sanha do Ocidente por petróleo, a mesma que devastou o Iraque e tem causado muita dor e destruição à Líbia e à Síria.

O prognóstico é que o Iêmen deve se tornar uma espécie de “Vietnã” para os sauditas, onde as operações militares se tornarão um ciclo interminável de violência e que o Estado iemenita passe pelo processo “Haiti”, onde a desestruturação completa do Estado e a ausência de forças nacionais capazes de administrar o país levem à quebra da soberania durante algum tempo.

João Claudio Platenik Pitillo
João Claudio Platenik Pitillo é professor de História licenciado pela UERJ, mestre em História Comparada pela UFRJ e doutorando em História Social pela UNIRIO. Como membro do NUCLEAS-UERJ (Núcleo de Estudos das Américas) pesquisa os processos revolucionários latino-americanos do século XX a partir do conceito de "Nacionalismo Revolucionário". No âmbito das Relações Internacionais estuda o advento do “Terrorismo Global” e o surgimento do “Novo Califado”. Como especialista em Segunda Guerra Mundial pesquisa e escreve sobre o Exército Vermelho e a importância da Frente Leste para o contexto geral da Guerra.