ISSN 2674-8053

Os chineses vêm aí… ou já chegaram?

Esta entrevista do Ministro-Conselheiro (o segundo em comando) da Embaixada da China em Brasília, Song Yang,confirma o que já se sabe: a China “descobriu” a América Latina – e o Brasil, em particular.

Mas que China?… E que Brasil?…

A China de 2018 está longe daquela em que vivi nos idos dos anos 90. O discurso mudou: não mais o de um país em desenvolvimento voltado para os seus pares do “Terceiro Mundo” (termo atroz…) e com compromissos sobretudo com o desenvolvimentismo baseado em valores marxistas/socialistas/”maoístas”.

Embora o discurso oficial ainda guarde um pouco desta retórica, a realidade da RPC de Xi Jinping é totalmente outra: confiante, empenhada, a China de hoje persegue os caminhos da “Nova Rota da Seda” (“One Belt, One Road”) que acrescentará ao seu sonho de supremacia geoeconômica não somente o Pacífico, mas também a Eurásia.Quem afirma isto é o próprio Xi, que usa o “mantra” do “China Dream” em quase todos os seus pronunciamentos.

E ela avança pela América Latina afora. E quem afirma isto é o “The Economist”:

A sua “investida” começou pelo óbvio: o setor agrícola – afinal são mais de 1,3 bilhão de chineses a serem alimentados – e seus “derivados” estratégicos (rodovias, portos, etc.), mas agora ela se volta para um “cardápio” muito mais sofisticado: o setor de tecnologia chinês “descobriu” o nosso Continente, e o nosso mercado, em particular o brasileiro. Várias delas perseguem planos de investir na América Latina (a Argentina e o Chile saíram na frente na busca de investimentos/parcerias, tendo seus presidentes participado da Cúpula sobre a “Nova Rota da Seda/ One Belt, One Road”, que Xi Jinping organizou em Pequim, em junho do ano passado).

Ou aqui já estão. Cinco entre as maiores delas estão instadas em nosso país: a Dahua e a Huawei que fabricam equipamentos de monitoramento de residências e empresas; a ZTE, voltada para o setor de telecomunicações; e a BYD, montadora de veículos elétricos, além das “pioneiras” JAC e Lenovo. A propósito, quem sabia que a estatal “China State Grid Corporation of China” é a acionista majoritária da CPFL (a Companhia Paulista de Força e Luz)?

O discurso dessas empresas em relação ao Brasil é muito parecido. Os executivos destacam o potencial do nosso mercado e minimizam os problemas econômicos e políticos. Haja coragem…ou visão e planejamento empresariais.

“Good bye, 25th of March “……

Mas, e nós com relação aos chineses???

Tenho observado que várias missões governamentais e/ou empresariais têm visitado a China; em número cada vez maior, ultimamente. Mas vamos suficientemente preparados para lidar com uma cultura (empresarial, inclusive) muito distinta da nossa, e com referenciais e valores civilizacionais muito próprios, que escapam ao nosso entendimento (sim, eles subjazem a qualquer contato) ? Saberemos lidar com a noção da “cópia”, que é parte entranhada -confucionista (?) – na cultura chinesa? Temos suficiente número de executivos (ou intérpretes) proficientes em mandarim (fundamental até para entender o que os chineses falam entre si numa negociação…)?

Preocupa-me muito que, despreparados para lidar com o “novo mundo”, que já chegou, não saibamos nos inserir nele. A pergunta que fica “in the back of our minds” (pelo menos na minha) é: estaríamos trocando a dependência do Atlântico pela dependência do Pacífico????

Sugiro aos amigos que leiam, na integridade, as duas matérias:

 

Com ausência dos EUA, China avança na América Latina

Investimentos são bem-vindos, mas ajuda de país que não liga para democracia pode custar caro

The Economist

04 Fevereiro 2018 | 05h00

Trump tentava em Davos persuadir a plutocracia global de que não pretendia isolar os EUA, o chanceler chinês, Wang Yi, promovia na América Latina a globalização, o livre-comércio e a cooperação. Para os latino-americanos, o contraste era gritante. Trump havia insultado México, El Salvador e Haiti, desencorajado investimentos e falado em protecionismo comercial. A China, com as palavras amigáveis de Wang, oferecia uma “estratégia de benefícios recíprocos e lucros compartilhados”.

A China não convidou de maneira formal a América Latina para juntar-se à iniciativa One Belt, One Road (“um cinturão, uma estrada”), base da política externa do presidente Xi Jinping que prevê investimentos na Eurásia e na África. Mas chegou perto disso ao chamar a região de “extensão natural” e “participante indispensável” do esquema.

Rótulos à parte, a China já está investindo em infraestrutura na América Latina. A reunião marcou o amadurecimento de um relacionamento. O volume anual do comércio entre China e América Latina passou de quase nada para mais de US$ 200 bilhões em 2014. Após uma paralisação nos dois anos seguintes, as exportações da América Latina para a China aumentaram em 30% no ano passado, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), beneficiadas pela alta dos preços do petróleo, de minerais e de outras commodities. A China já é o maior parceiro comercial de Chile, Peru e Brasil.

As maiores mudanças referem-se a investimentos e empréstimos chineses. Até recentemente, eles se concentravam em petróleo e mineração na Venezuela. Agora, chegaram a Brasil e Argentina e abrangem outros setores. Empresas chinesas despejaram US$ 21 bilhões em negócios no Brasil no ano passado, incluindo a compra de usinas, uma distribuidora de eletricidade e portos.

A China está financiando uma rodovia para o Porto de Buenaventura, na costa colombiana do Pacífico, e modernizando uma ferrovia no noroeste da Argentina. “Do ponto de vista da América Latina, o relacionamento tem relação com dinheiro”, diz Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.

Isso ocorre especialmente no que se refere ao Brasil, que está se recuperando de uma recessão profunda. “Alguns temem que as importações de produtos chineses desindustrializem a região e causem dependência econômica. Mas ninguém pensa muito nas implicações geopolíticas desse relacionamento”, acredita Stuenkel.

São implicações consideráveis, e os chineses estão atentos a elas. “Se o Panamá é o único país da região que se juntou à iniciativa One Belt, One Road, talvez seja porque a China esteja ciente de que cooptar mais países pode provocar uma forte reação dos EUA”, afirma Margaret Myers, do Diálogo Interamericano.

A China se aproveita da falta de interesse de outras potências. Trump não tem uma estratégia clara para a região, embora Rex Tillerson, o secretário de Estado, esteja na América Latina em visita oficial.

A União Europeia ainda é a maior fonte de investimentos estrangeiros da região, mas o esperado acordo comercial entre UE e Mercosul até agora esbarra na intenção da França e de outros países de proteger seus agricultores pouco competitivos. “A UE não estabeleceu claramente o que quer da América Latina”, conclui um novo relatório do Instituto Elcano, de Madri.

A aproximação com a China traz benefícios. Além de dinheiro, governos latino-americanos apreciam a posição chinesa sobre governança global e mudanças climáticas. Mas a região está se envolvendo com um país que não liga para a democracia.

Se, por exemplo, dentro de alguns anos, Pequim tiver um confronto militar no Mar do Sul da China, alguns países latino-americanos podem se sentir obrigados a apoiar seu novo grande parceiro. “A China ainda não está dando as cartas na América Latina”, diz Stuenkel. “Mas sua influência aumenta dia a dia.” A América Latina, no entanto, deve ficar atenta às condições que acompanham estes lucros compartilhados./ TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Fonte: http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,com-ausencia-dos-eua-china-avanca-na-america-latina,70002176914

Diplomata chinês instiga empresários brasileiros a conquistar a Ásia

Eduardo Militão Colaboração para o UOL, em Brasília 04/02/2018

https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2018/02/04/empresariado-brasileiro-precisa-deixar-comodismo-e-investir-na-asia-diz-ministro-da-china.htm

Fausto Godoy
Doutor em Direito Internacional Público em Paris. Ingressou na carreira diplomática em 1976, serviu nas embaixadas de Bruxelas, Buenos Aires, Nova Déli, Washington, Pequim, Tóquio, Islamabade (onde foi Embaixador do Brasil, em 2004). Também cumpriu missões transitórias no Vietnã e Taiwan. Viveu 15 anos na Ásia, para onde orientou sua carreira por considerar que o continente seria o mais importante do século 21 – previsão que, agora, vê cada vez mais perto da realidade.