ISSN 2674-8053

Estudo: Myanmar (Birmânia)

  • A História da Birmânia

Myanmar é um país do Sudeste Asiático que faz fronteira e interage frequentemente com áreas que foram grandes civilizações: entre outras, a Índia e a China. Seus atuais vizinhos incluem Bangladesh, Laos e a Tailândia. As diferenças culturais do país foram derivadas principalmente da interação das etnias e religiões ao largo dessas fronteiras. Os conceitos budistas, por exemplo, vieram da Índia, e muitos grupos do norte do Myanmar falam idiomas derivados do Sino-Tibetano.

A civilização birmanesa se desenvolveu no sopé da Cordilheira do Himalaia, ao largo do rio Ayeyarwady, pilar da vida e do desenvolvimento cultural e econômico do território. Sua economia ao longo da História foi marcada pela agricultura, principalmente o cultivo do arroz, assim como o comércio de têxteis. A unificação do território ocorreu durante o século XI pela etnia Bamar, sob a liderança do rei Anawratha, constituindo o reino de Bagan, um importante império na Ásia. Este império se desenvolveu durante grande parte do último milênio, principalmente no século XVI, sob o comando do Rei Bayinnaung da Dinastia Toungoo, e durante o século XVIII com o rei Alaungpaya, fundador da dinastia Konbaung, o último monarca a governar o território birmanês.

Este império, guerreiro e expansionista, chegou perto de estabelecer a hegemonia no Sudeste Asiático continental, propiciando o início de um sentimento nacional. A dinastia Konbaung, que reinou entre 1752 e 1885, anexou temporariamente a região de Sião (atual Tailândia), durante as guerras Birmano-Siamesas, e conseguiu repelir duas invasões, na China na Dinastia Qing (1644-1912). Entretanto, não resistiu ao choque com o império britânico, que gerou três guerras: a primeira em 1854, a segunda em 1852, e terceira em 1885, resultando na anexação da Birmânia, no mesmo ano em que o país se tornou província do Raj Britânico. Os britânicos implantaram um governo que tinha apenas a função de manter a ordem, através da coerção, e preservar a integridade econômica da pequena elite europeia. Na ausência de um monarca para comandar o território, os britânicos precisaram colocar a Birmânia sob a administração da Índia Britânica, a fim de controlar a influência regional dos monges budistas.

Os britânicos impuseram sobre a sociedade birmanesa seus valores, étnicos, sua cultura e o seu modo de produção. Esta colonização deixou marcas profundas na sociedade birmanesa, ao trazer diversas mudanças na estrutura social do país, que passou a ser comandado por uma pequena elite europeia empresarial. O poder econômico da colônia concentrou-se quase que totalmente nos empresários capitalistas escoceses, donos das grandes companhias da época, como a Seetl Brothers, que fazia comércio de arroz, a madeireira Bombay Burmah Trading Company, e a maior transportadora fluvial do mundo na época, a Irrawaddy Flotilla Company. O território colonial foi inundado pelas classes médias chinesas e indianas; os chefes locais foram substituídos por burocratas do governo, indianos; e empresários europeus foram empregados no lugar dos birmaneses. A finalidade, em última instância, era impedir que sentimentos independentistas aflorassem. As minorias étnicas formaram a maior parte do exército local, o recrutamento da etnia majoritária birmanesa foi banida e foi estimulado o recrutamento das etnias Karen, Chin e Kachin. 

Os birmaneses, subjugados por todos os lados e fazendo parte da base da pirâmide social afastaram-se dos maiores centros e se tornaram meros servos em seu próprio país. No interior do território boa parte das terras foi estatizada, e o governo começou a cobrar impostos sobre o lucro, entre outras taxas. O Estado tornou-se laico, as estruturas sociais que sustentavam a Sangha, que era a liderança budista, foram eliminadas e perderam seu papel como elemento de coesão e regulação da sociedade. Os líderes budistas e os monastérios deixaram de ser os educadores das elites locais, assim perdendo espaço; entretanto, não deixaram de influenciar a sociedade.

Os primeiros movimentos sociais surgiram através do budismo e se radicalizaram rapidamente por causa do papel coercitivo e eurocêntrico da liderança governamental. A partir de 1930 as maiores correntes do nacionalismo jovem se concretizaram na criação do DoBamar Asiayone (Associação dos Birmaneses), em que “do” significa “nós”, demonstrando um sentimento de coletividade e unidade e “Bamar” se refere às populações da Birmânia como um todo, inclusive as minorias étnicas. Como o objetivo da associação era estimular o sentimento de nacionalismo no seio da população e inspirar indiretamente o desejo de independência, ela lançou mão de um lema baseado em três fundamentos básicos, que deveriam ser respeitados e promovidos por todos os habitantes do país. Eram eles: 1) a Birmânia é o nosso país; 2) a literatura birmanesa é nossa; 3) e a língua da Birmânia é a nossa língua.

Os representantes da associação foram chamados de “Thakin”, que significa “dono” ou “mestre”, parodiando uma palavra escolhida pelos Britânicos para que os nativos se referissem aos oficiais ou governantes imperiais. A ideia era influenciar a população a mudar seu pensando de “Kyun Seit”, ou espírito de escravo, para “Thakin Seit”, espírito de dono. A finalidade era tornar do Estado num servidor do povo.

Trabalhadores e fazendeiros foram convidados a integrar o partido, que continha muitas ideias nacionalistas e nenhuma influência religiosa; era um movimento nacionalista conservador, em um contexto mundial marcado pela expansão do comunismo universalmente. Deste grupo surgiram os principais grupos políticos da Birmânia independente, que mais tarde disputariam entre si a supremacia de seus projetos nacionais. Em 1937, Aung San, pai de Aung San Suu Kyi, entrou neste movimento, no mesmo ano em que o governo britânico promoveu a separação da Birmânia do Raj Britânico e concedeu à colônia sua constituição própria, depois de muita pressão dos grupos nacionalistas.

Os Thakins lideraram a primeira greve geral em 1938, mobilizando estudantes, trabalhadores e camponeses, que passaram a ter organizações e sindicatos próprios, buscando maior preparo e organização da população. Assim, ainda em 1938 criaram o Partido Thakin e quando U Saw, criador do Partido Patriótico, ascendeu ao governo em 1941, os Thakins se aliaram a Ba Maw, um grupo conservador. A grande diferença entre os Thakins e o Partido Patriótico era que os Thakins rejeitavam qualquer tipo de governo em associação com os britânicos.

Quando a Segunda Guerra Mundial explodiu na Europa, em 1939, os líderes birmaneses propuseram barganhar com o governo local antes de prestarem apoio à Inglaterra no conflito. Os batalhões dos Aliados eram basicamente compostos pelo exército birmanês, juntamente com o exército indiano e o exército nacionalista chinês. Quando declarou apoio aos Aliados na Segunda Guerra Mundial, Saw esperava que Churchill elevasse a Birmânia a status de domínio no final da guerra, mas Churchill se negou a negociar com qualquer grupo nacionalista. Embora não tenha obtido as consequências esperadas, o Império Britânico ofereceu o apoio para o desenvolvimento e a reconstrução da Ásia através do Plano Colombo, que tinha por objetivo auxiliar economicamente os países do sudeste asiáticos devastados após a Segunda Grande Guerra. Nesse cenário, Aung San recebeu mandado de prisão, mas fugiu para a China, onde buscar o apoio de grupos radicais comunistas. Recebeu também assistência do governo japonês, que prometeu apoiar a .independência à Birmânia. No contexto da Segunda Guerra Mundial, os japoneses tinham a intensão de prejudicar os Aliados, grupo que incluía a Grã-Bretanha, colonizadora da Birmânia. Foram recrutados 29 jovens birmaneses e levados para o Japão, onde receberam treinamento militar. Um destes jovens foi Ni Wen, que lutou ao lado de Aung San na luta pela independência birmanesa, vindo posteriormente a tornar-se chefe de Estado. Quando em 1941 as tropas japonesas invadiram Bangkok, na Tailândia, Aung San anunciou a formação do Exército de Independência da Birmânia; entretanto em 1942 os japoneses avançaram em direção ao território birmanês, ainda na mão do Raj Britânico. Após as primeiras investidas nipônicas, os britânicos tomaram consciência de que não podiam resistir. Tomaram, então, a iniciativa estratégica de destruir qualquer instalação que pudesse ser ocupada durante a a presença japonesa. Nesse período a Birmânia acabou sofrendo intensos danos nos setores de transporte e infraestrutura.

Os japoneses ocuparam o país instalando uma administração militar, com o Birman Independece Army (BIA), formado, no início, por birmaneses que viviam em Bangkok, mas que naquela época já contava com aproximadamente 15 mil recrutas. O BIA fugiu do controle dos japoneses por causa de sua grande proporção e envolveu-se na destruição de vilarejos e das minorias étnicas. Como os japoneses não desejavam um governo fora de seu controle, o BIA foi reestruturado e se transformou no Exército da Birmânia, que teve Aung San como comandante; foi quando Ne Win começou a ganhar papel de destaque como chefe das operações do recém criado Burma Nacional Army. Be Maw, o primeiro Primeiro-Ministro da Birmânia, a partir da constituição de 1937, e mais tarde, líder da oposição, foi nomeado chefe de Estado pelos japoneses e Aung San formou parte do seu gabinete. Ele foi escolhido no lugar de Aung San porque não tinha apoio dos Thakins, dependendo, portanto, da aliança com o governo japonês para se manter no poder.

 Em 1943, quando os japoneses perceberam um início da revolta contra seu domínio, declararam a Birmânia como um estado soberano. Na verdade, esse governo era de fachada, apenas, sendo as decisões tomadas pelo exército japonês. Enquanto isso, em outubro de 1943, Aung San entrava em contato com Lorde Louis Mountbatten, responsável por defender a ofensiva nipônica sobre a Índia na Segunda Guerra Mundial. Mountabatten foi o último Vice-Rei da Índia Britânica, encarregado de promover a independência do Raj e comandante aliado no Sudeste Asiático. Aung San buscou oferecer-lhe sua cooperação.

Em março de 1945, Aung San e seu exército – renomeado Exército Nacional da Birmânia (BNA) – juntaram-se finalmente ao lado britânico para combater os ocupantes japoneses. Durante a guerra, Aung San e os Thakins criaram uma coalizão de partidos políticos conhecida como Organização Antifascista, com amplo apoio popular. Ela mais tarde se tornaria a Liga Anti-Fascista da Liberdade do Povo.

Os japoneses foram derrotados na Birmânia em maio de 1945, e a administração militar britânica e os membros do governo pré-guerra que retornaram do exílio exigiram que Aung San fosse julgado como traidor, por ter comandado o Burma Nacional Army criado pelo governo japonês. Entretanto, Aung San contava com grande apoio popular. Sua prisão deixou o povo birmanês surpreso e irado, pronto até mesmo para uma rebelião. Para arrefecer os ânimos, o governo britânico, desde Londres formou um novo gabinete que incluía Aung San. As discussões para a transferência pacífica de poder começaram nesse momento. Os britânicos concordaram com a independência da Birmânia em janeiro de 1947, e em junho desse mesmo ano os birmaneses decidiram deixar a Comunidade Britânica de Nações, a Commonwealth, criada para manter uma ligação entre o Reino Unido e suas ex-colônias.

Os esforços pró-independência tiveram como base o  “Anti-Facist People’s Freedom League” (AFPFL) como grupo dominante, que tinha Aung San como líder militar. Este grupo era uma frente nacionalista que representava basicamente uma aliança interna dos Thakins com grupos de jovens nacionalistas.  As alas comunistas e conservadoras da AFPFL, insatisfeitas com os rumos tomados pelos acordos, formaram uma oposição. Em julho, Aung San e a maioria dos membros de seu gabinete foram assassinados por homens armados enviados por U Saw, o ex-primeiro-ministro conservador.

Uma nova constituição foi escrita e, em 4 de janeiro de 1948, a Birmânia tornou-se uma república independente e soberana. Apesar da contínua eclosão de insurgências pelas minorias étnicas e pelos comunistas que sustaram a recuperação econômica por alguns anos, um plano de desenvolvimento de oito anos foi lançado a partir de 1952 com objetivos ambiciosos. Embora não tenha alcançado todos esses objetivos, a Birmânia alcançou grande progresso em infraestrutura, industrialização e diversificação agrícola a partir de então.

Mauricio Plannel, disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/mulheres-que-mudaram-a-historia-aung-san-suu-kyi/

  • Aung San Suu Kyi

Neste cenário nasceu Aung San Suu Kyi, dois anos antes do assassinato de seu pai, considerado o herói da independência birmanesa. Em 1960 a Grande Dama foi morar na Índia quando sua mãe, Daw Khin Kyi, foi nomeada embaixadora em Delhi. Quatro anos mais tarde foi estudar filosofia, política e economia na Universidade de Oxford, na Inglaterra, onde conheceu o marido, o historiador britânico Michael Aris com quem teve dois filhos: Alexander e Kim. Ela viveu no Japão e no Butão, e até mesmo chegou a trabalhar para as Nações Unidas, mas a Birmânia nunca esteve distante de seus pensamentos.

Após passar boa parte da vida no exterior, Suu Kyi retornou a Yangon, em 1988, para cuidar de sua mãe, que estava muito doente. Sua volta à Birmânia coincidiu com a explosão de uma revolta contra os vinte e seis anos de repressão política pelos militares no país e o declínio da economia. Milhares de estudantes, trabalhadores e monges budistas foram às ruas exigir reformas democráticas. Ela rapidamente tornou-se a líder mais efetiva e articulada do movimento contra o general Ne Win, que no passado fundara e liderara a AFPFL junto com Aung San, mas que naquele momento governava a Birmânia transformada num Estado violento e ultranacionalista. Suu Kyi organizou comícios e viajou pelo país pedindo reformas democráticas pacíficas e eleições livres, inspirada pelas campanhas não-violentas por direitos civis de Martin Luther King, nos Estados Unidos, e nos princípios da  “ahimsa”, do Mahatma Ghandi, na Índia.

 As manifestações foram brutalmente reprimidas pelo exército, que assumiu o poder em um golpe no dia 18 de setembro de 1988. Suu Kyi foi presa no ano seguinte, quando os líderes birmaneses decretaram novamente a lei marcial, sob a qual a Birmânia foi governada durante 12 anos, de 1962 até 1974. Isto traduziu-se na suspensão de todas as liberdades fundamentais do cidadão, como o ato de se deslocar, de se reunir, de manifestar opinião e de não ser aprisionado sem fundamento jurídico. É a reconhecida consequência de um regime totalitário, quando uma autoridade toma o controle da administração de todo um Estado. Durante esse período ocorreu uma intrusão significativa das atividades dos militares na economia nacional, na política e na burocracia estatal. Suu Kyi foi mantida em prisão domiciliar em Yangon durante 6 anos, até ser libertada em julho de 1995.

Anos de pressão popular levaram a Junta a convocar eleições em 1990. O partido de Suu Kyi, a “National Democratic League”, criado em 1988, venceu as eleições por ampla maioria, ainda que ela se encontrasse sob prisão domiciliar. Entretanto, os militares não aceitaram os resultados e se mantiveram no poder. Ela foi presa novamente em setembro do ano de 2000 ao tentar viajar para a cidade de Mandalay e sofreu restrições impostas à sua circulação. Em maio de 2002 foi libertada incondicionalmente, mas um ano depois foi presa novamente, após confrontos entre ativistas da oposição e manifestantes pró-governo. Ao todo, a Grande Dama terá permanecido mais de quinze anos prisioneira em sua própria residência.

A terceira Constituição da Birmânia começou a ser desenhada em 2004, com Suu Kyi em detenção domiciliar, na Convenção Nacional, na qual participaram 1074 delegados convidados, representando 25 grupos étnicos, que somente foi aprovada após um referendo datado de maio de 2008. Em novembro de 2005 foram novamente realizadas eleições livres que resultaram novamente na vitória da legenda política de Suu Kyi. A junta aceitou os resultados, mas com limitações. Em uma manobra para mantê-la afastada do poder, os militares incluíram uma cláusula na Constituição que estipula que o chefe de Estado não pode ter nenhum familiar estrangeiro. Alvo evidente desta cláusula, Suu Kyi, casada com um britânico e com dois filhos da mesma nacionalidade, foi alijada da presidência:

“Qualifications of the President and Vice-Presidents are as follows: shall he himself, one of the parents, the spouse, one of the legitimate children or their spouses not owe allegiance to a foreign power, not be subject of a foreign power or citizen of a foreign country. They shall not be persons entitled to enjoy the rights and privileges of a subject of a foreign government or citizen of a foreign country;  (CHAPTER III, pg 20).”

Além disso, em razão de uma cláusula específica da lei maior, os militares continuam determinando um dos dois vice-presidentes do país, e mantêm o controle do Ministério do Interior e Defesa , e o domínio sobre as fronteiras;  têm, ainda, 25% dos votos como cadeia cativa no parlamento, o que significa o controle, em última instância, do poder decisório, vez que para qualquer alteração na Constituição de Myanmar é necessário mais de 75% de aprovação, como especifica o Artigo 436 da Constituição, que regula as alterações do seu texto e apresenta demanda de alguns partidos para ser alterado.

 “If it is necessary to amend the provisions of Sections 1 to 48 in Chapter I, Sections 49 to 56 in Chapter II, Sections 59 and 60 in Chapter III, Sections 74, 109, 141 and 161 in Chapter IV, Sections 200, 201, 248 and 276 in Chapter V, Sections 293, 294, 305, 314 and 320 in Chapter VI, Sections 410 to 432 in Chapter XI and Sections 436 in Chapter XII of this Constitution, it shall be amended with the prior approval of more than seventy-five percent of all the representatives of the Pyidaungsu Hluttaw, after which in a nation-wide referendum only with the votes of more than half of those who are eligible to vote”

Os miliares ainda mudaram o nome do país para Myanmar. O antigo nome, Birmânia, foi derivado da palavra Bamar, o nome do maior grupo étnico da região. Acredita-se que o próprio Bamar seja derivado do nome Myanma/ Mranma, um dos nomes usados para o país em 1235 CE e ressuscitado por alguns grupos de independência anticolonial nos anos 20. Para eles, o nome Myanma refletia seus sentimentos anticoloniais por representar uma época em que o país governava a si mesmo em vez de estar sob o domínio colonial estrangeiro. Desta forma, mudar o nome do país seria essencial para marcar o rompimento com o período colonial, além de refletir melhor a diversidade étnica do país. Suu Kyi, entretanto, recusa-se a dizer “Myanmar”, por considerar que se trata de uma imposição dos militares.

Hoje, Aung San Suu Kyi é legalmente ministra de Relações Exteriores e Conselheira de Estado de Myanmar, cargo que foi criado para ela em 2006. Na realidade, porém, é a verdadeira dirigente do país. Como ela e o presidente, Htin Kyaw, são muito próximos, ele abriu mão do poder “de facto”, uma vez que Aung San Suu Kyi conta com grande aprovação popular. A formação do novo governo, o primeiro democrático, afronta o governo do general Ne Win, que acreditava que a democracia não era compatível com Myanmar.

Os anos vividos por ela sob prisão domiciliar, isolada do mundo exterior, sem poder ao menos receber visitas dos filhos, ou do marido, que moravam na Inglaterra, levaram sua história a se popularizar e a ultrapassar fronteiras. Até mesmo Bono, vocalista do U2 compôs a canção Walk On sobre sua história. Aung San Suu Kyi recebeu em 1991 o Prêmio Nobel da Paz. Na sua citação, o “Norwegian Nobel Committee”, assinalou que estee prêmio foi dado a ela porque ela “unites deep commitment and tenacity with a vision in which the end and the means form a single unit. Its most important elements are: democracy, respect for human rights, reconciliation between groups, non-violence, and personal and collective discipline.” Ao mesmo tempo, o presidente do comitê do Nobel da Paz, Francis Sejested, a considerou um “exemplo do poder dos oprimidos”.

            Existiam expectativas muito elevadas a respeito de seu governo, mesmo com os persistentes problemas do país. Para tanto, a Conselheira de Estado fora muito bem preparada ao longo da vida, tendo estudado ciência política e trabalhado nas Nações Unidas, tornando-se símbolo da resistência heroica e pacífica diante da opressão.  A popularidade da Grande Dama quase não foi abalada em Myanmar, onde ainda continua sendo amplamente admirada e seguida, até mesmo sendo chamada de “Mãe Suu” por seus partidários, que a veneram.

Entretanto, sua imagem junto à comunidade internacional sofreu forte abalo em razão dos abusos cometidos pelo exército myanmar contra os Rohingyas, uma minoria muçulmana trrazida pelos ingleses de Bangladesh durante o período colonial, que são personagens de uma das maiores crises migratórias atuais, e considerados apátridas.. Sua postura de “neutralidade” na questão, que opõe a maioria budista de seu país aos apátridas muçulmanos, tem sido alvo de críticas severas de parte de toda a comunidade internacional. A própria banda U2, que havia lançado uma música em sua homenagem, juntou-se aos seus detratores ao publicar uma nota em seu site.

“[…]When Aung San Suu Kyi was released, we punched the air.When she came to Dublin to thank Ireland and Amnesty International, we Irish could not have been more proud. what has happened this year, and in particular these past months – this, we never imagined. […] Who could have predicted that if more than 600,000 people were fleeing from a brutal army for fear of their lives, the woman who many of us believed would have the clearest and loudest voice on the crisis would go quiet. For these atrocities against the Rohingya people to be happening on her watch blows our minds and breaks our hearts […]”

A gestão da economia também tem sido alvo de várias críticas. Alguns analistas consideram que Suu Kyi não está implementando as reformas necessárias com suficiente empenho. Com efeito, a infraestrutura no setor de transporte não tem registrado mudanças expressivas desde a época colonial e requer mudanças de planejamento. As críticas dizem respeito ao seu “despreparo” para lidar com questões macroeconômicas.

Apesar da lenta “performance” do governo, o Banco Mundial acredita que houve um crescimento econômico na casa dos 7% entre os anos de 2015 e 2016, um dos maiores crescimentos da Ásia.

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Anne Marie Gattini Nassif
Anne Marie Gattini Nassif é estudante de Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing/ESPM. Tem interesse no aprendizado de outras culturas, principalmente pelo estudo de diferentes idiomas. É atendente voluntária no Centro de Referência e Atendimento ao Imigrante (CRAI), em São Paulo, e Analista Júnior no Núcleo de Estudos e Negócios Asiáticos/NENA, da ESPM.