ISSN 2674-8053

Os monorails

Reprodução/DER

Morador da Granja Viana, Ulhoa Cintra reflete sobre o tráfego nas rodovias que dão acesso à região metropolitana de São Paulo e as vantagens da implantação de redes de transporte público nesses locais. “O automóvel transformou o mundo numa faixa de asfalto e modificou definitivamente o ser humano, sobretudo ao passar por cima dele. Além disso, impôs o fascismo universal anda não-anda pare devagar atenção conserve a direita”.
Millôr definitivo: a bíblia do caos. 1994

Diariamente, milhões de automóveis da Grande São Paulo saem de suas garagens e locomovem-se para a capital onde, provavelmente, todos os empregos de seus proprietários estão localizados. À noite, o ritual é inverso, mas a extensão da fila de carros é a mesma.

Já sabem as autoridades que não podem indefinidamente culpar a explosão demográfica para o caos no trânsito na metrópole, muito menos perdoar, no meu caso, a ineficiência da Raposo Tavares, posto que é uma rodovia aproximadamente igual ao que sempre foi. Em muitas décadas, poucas mudanças puderam ser minimamente percebidas: o guard rail no lugar do canteiro central, o asfalto renovado de quando em quando, o tapa-buracos esporadicamente, a fim de que o leito não exploda o carro do contribuinte.

A metrópole é um polvo por cujos tentáculos a população dos municípios satélites chegam a cinemas, hospitais, colégios, faculdades e, outra vez, aos empregos dos habitantes periféricos.

Noticiários do O Estado de São Paulo informam que até 2030 o Metrô penetrará nestes tentáculos (as rodovias que seguem para o interior) tentando fazer com que os motoristas das 39 cidades que compõem a grande São Paulo se desloquem ao centro sem o uso do carro.

Penso, no entanto, que em 2030 todos nós, do pico da pirâmide etária, já estejamos mortos e os mais jovens terão sempre garantida, isto sim, sua cota diária de dióxido de carbono e ozônio.

Segundo ainda o jornal O Estado de São Paulo, uma empresa que disputa concessões de estradas de rodagem e, ocasionalmente, trechos do Metrô, com largo know how da obtenção de recursos de longo prazo e de seu retorno, quer realizar na Rodovia Raposo Tavares um investimento da ordem de R$ 1,5 bilhão e transformar os 34 km iniciais dessa estreita estrada de três pistas em uma Rodovia dotada de cinco pistas na ida e no retorno, “beneficiando” notadamente o morador da Granja Viana e região. Pensa-se que este tenha alto poder aquisitivo e que poderá suportar alguma coisa como R$ 7 ao dia de pedágio eletrônico (sem a parada necessária na cabine usual).

Segundo ainda o esboço, a chegada em São Paulo capital dar-se-á por especiais alças de viadutos que despejarão milhares de automóveis diretamente na marginal Pinheiros. A obra deveria estar pronta em dois ou três anos. Convenhamos, este prazo parece ser mais sedutor do que os 20 anos do metrô.

Por outro lado, a cultura do uso do automóvel, principalmente dos movidos a gás/etanol/gasolina, estará condenada com o passar dos anos próximos. A produção de veículos não poluentes ainda não decolou no mundo e especialmente no Brasil. Mesmo esse veículo elétrico, baseia-se no conceito do transporte individual. Penso que a condução individual talvez não seja mais suportada frente ao conceito da sustentabilidade, crivo fatal do século 21.

No entanto, vemos no noticiário que mais fábricas de automóveis estão chegando ao Brasil. Mais automóveis exigem mais caminhos, mas como geram impostos brutais sobre tudo o que eles tocam, são incentivados pelos governos. Não dissertarei aqui sobre os 100 impostos, tarifas, taxas e multas que parecem dizer aos governos de todos os níveis que o negócio é bom, quando, na verdade, é um grande ônus global.

Voltemos, finalmente, à Granja Viana e a sua Raposo Tavares; assim como falamos aqui da Raposo, o exemplo é também válido às outras cinco rodovias que “ganharão” metrô até 2030: Bandeirantes, Regis Bittencourt, Fernão Dias, Presidente Dutra e Anhanguera.

Se aquela concessionária, perita em investimento e retorno, pretende gastar R$ 1,5 bi na expansão para cinco pistas da estrada (agora com três pistas) e o investimento privado estará considerando 10 a 15 anos de prazo para a amortização da obra, por que não aceitar o mesmo cálculo e os mesmos valores no entanto para outra obra em substituição àquela: uma obra coletiva, sustentável e “limpa”, erguida sobre a mesma estrada como o metrô de superfície ou o Monorail?

A notícia da implantação até 2.030 das redes de metrô nas estradas que desembocam na Capital parece ser, isto sim, um ostensivo convite do Metrô às concessionárias privadas de todo país no sentido: habilitem-se.

Roberto Ferrari de Ulhôa Cintra
In memoriam. Roberto Ferrari de Ulhôa Cintra é bacharel em direito pela USP (Universidade de São Paulo). Doutor em Direito pela USP, em 2005, autor da Tese A Pirâmide da Solução dos Conflitos: uma contribuição da Sociedade Civil para a Reforma do Judiciário. Tem curso de especialização na Harvard University e na New York University. Possui Curso de Administração de Instituições Financeiras pelo IBMEC-Rio e Curso de especialização de Mercado de Capitais pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo - FGV. Estuda e pesquisa o Direito e a Justiça "sustentáveis", a que chama de “Direito Verde” e de “Justiça Verde”, para aplicação num futuro imediato. Sua ótica do Direito tem ênfase na Teoria Geral do Estado; sua ótica da Justiça preocupa-se com a Pacificação: Conciliação, Mediação, Negociação e Arbitragem. Seu livro A Pirâmide da Solução dos Conflitos foi editado pelo Senado Federal (2008). Tem perto de 40 artigos publicados no Jornal O Estado de São Paulo, no Boletim “Conjur”.