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Duplos padrões na política global: o dilema entre Irã e Israel

A declaração recente do ministro das Relações Exteriores do Irã, classificando como hipócrita a posição do chamado “Grupo dos 3” – composto pelos Estados Unidos, Reino Unido e França – em relação a um possível ataque iraniano a Israel, revela uma tensão profunda nas relações internacionais e a prática recorrente de padrões duplos na política global. O ministro criticou o fato de esses países pedirem ao Irã que se abstenha de atacar Israel, sem fazerem o mesmo pedido para que Israel interrompa seus ataques e políticas agressivas contra os palestinos. Esse tipo de crítica não é novo, mas ganha relevância em momentos de alta tensão no Oriente Médio.

A posição do Irã se sustenta na percepção de que existe um tratamento desigual para situações que, do ponto de vista deles, são essencialmente similares. No caso específico, o Irã argumenta que, enquanto é condenado e pressionado internacionalmente por sua retórica e ações contra Israel, o Estado israelense não enfrenta o mesmo nível de censura por suas operações militares na Palestina, que frequentemente resultam em significativas perdas civis e violações de direitos humanos.

Este tipo de narrativa, onde se denuncia a hipocrisia das potências ocidentais, é frequentemente adotado por países que se sentem injustamente tratados no cenário internacional. Por exemplo, na Guerra do Iraque em 2003, diversos países criticaram os Estados Unidos e seus aliados por invadirem o Iraque sob o pretexto de eliminar armas de destruição em massa, enquanto toleravam que Israel mantivesse um arsenal nuclear não declarado. A justificativa de segurança que foi dada aos Estados Unidos e seus aliados não foi aplicada a outros países que, alegadamente, agiam em legítima defesa contra ameaças percebidas.

Outro exemplo dessa duplicidade de critérios pode ser observado no caso do programa nuclear iraniano. Enquanto o Irã é alvo de sanções e ameaças de intervenção militar por seu programa nuclear, que afirma ser exclusivamente para fins pacíficos, outras nações com capacidades nucleares, como a Índia, o Paquistão e o próprio Israel, enfrentam muito menos pressão internacional, apesar de nunca terem assinado o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP).

Essas situações refletem como as potências globais frequentemente adotam posições diferentes, dependendo dos seus interesses estratégicos e alianças políticas. A manutenção da segurança de Israel é considerada vital pelos Estados Unidos e muitos de seus aliados europeus, o que influencia suas políticas externas e suas respostas às crises no Oriente Médio. Isso cria um cenário onde ações semelhantes – como o uso da força ou a manutenção de um arsenal de armas de destruição em massa – são julgadas de maneira desigual, com base em quem as pratica e contra quem são dirigidas.

Essa dinâmica de padrões duplos também pode ser observada no tratamento diferenciado que os países desenvolvidos dão às questões de direitos humanos e democracia. Enquanto os Estados Unidos e seus aliados frequentemente criticam regimes não alinhados por violações de direitos humanos e falta de democracia, muitos desses mesmos países mantêm relações estreitas e até mesmo apoiam governos que não cumprem esses padrões, mas que são considerados aliados estratégicos. Um exemplo claro é a relação dos Estados Unidos com a Arábia Saudita, onde as violações de direitos humanos são amplamente documentadas, mas raramente condenadas com a mesma veemência que as ações de adversários geopolíticos.

O caso do Irã e de sua retórica em relação a Israel expõe a complexidade das relações internacionais, onde princípios universais como a paz e a segurança muitas vezes são subjugados a interesses estratégicos e alianças políticas. A crítica iraniana à hipocrisia do Grupo dos 3 revela não apenas uma insatisfação com a ordem internacional vigente, mas também uma tentativa de reivindicar um espaço de igualdade nas negociações globais. Para o Irã, a segurança de Israel não deveria ser prioritária em detrimento da segurança palestina ou da soberania iraniana, e esse equilíbrio deveria ser refletido nas ações e discursos das potências mundiais.

Em conclusão, a declaração do ministro das Relações Exteriores do Irã coloca em evidência as discrepâncias nas abordagens internacionais às crises semelhantes, ilustrando como a geopolítica muitas vezes ignora os princípios de equidade em favor de interesses específicos. A análise desses padrões duplos é essencial para entender as dinâmicas de poder no cenário global e as tensões que delas derivam, especialmente em regiões tão voláteis como o Oriente Médio.

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X

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