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Justiça social e a transição energética: o papel das políticas públicas no Brasil

A transição energética, impulsionada pela necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e combater as mudanças climáticas, tem um papel central no desenvolvimento sustentável global. No Brasil, país que possui uma matriz energética já predominantemente renovável, o avanço dessa transição é inevitável e necessário. No entanto, os impactos sociais desse processo são profundos e desiguais, afetando mais fortemente as populações vulneráveis. Garantir que a transição energética seja justa requer a implementação de políticas públicas que promovam a inclusão social e regional, evitando o agravamento das desigualdades existentes. Nesse contexto, o papel do Estado se torna essencial para assegurar que o acesso à energia limpa seja equitativo e benéfico para todos os grupos sociais.

A transição energética pode agravar desigualdades regionais no Brasil, especialmente entre as áreas urbanas e rurais e entre as diferentes regiões do país. As regiões Norte e Nordeste, por exemplo, ainda enfrentam desafios em termos de infraestrutura e acesso regular à energia. A expansão das energias renováveis, como a solar e a eólica, poderia beneficiar enormemente essas regiões, onde as condições naturais para essas fontes são favoráveis. No entanto, sem políticas públicas eficazes, a expansão dessas energias pode resultar em uma concentração de benefícios para grandes empresas e capitais privados, sem gerar impactos positivos significativos para as comunidades locais. É necessário que o Estado promova incentivos para a inclusão dessas regiões na cadeia de valor das energias renováveis, garantindo que a geração de empregos e o desenvolvimento econômico sejam distribuídos de forma equitativa.

Outro aspecto central da justiça social na transição energética é o impacto sobre os trabalhadores de setores tradicionais, como a indústria de combustíveis fósseis. No Brasil, a produção de petróleo e gás representa uma parte importante da economia, especialmente em estados como o Rio de Janeiro. A descarbonização da economia e a eventual redução da dependência desses combustíveis podem resultar em desemprego e perda de renda para trabalhadores que dependem dessa indústria. Políticas públicas de transição justa são essenciais para requalificar esses trabalhadores, oferecendo-lhes oportunidades em setores de energia limpa. Além disso, a criação de novos postos de trabalho no setor de energias renováveis precisa ser acompanhada de investimentos em educação e capacitação, de modo a preparar a mão de obra local para ocupar essas vagas. Sem esse apoio do Estado, as desigualdades trabalhistas podem se acentuar, prejudicando ainda mais as comunidades já vulneráveis.

A transição energética também tem implicações diretas sobre o custo da energia, o que afeta desproporcionalmente as populações de baixa renda. Se a transição para fontes renováveis não for acompanhada de uma política tarifária inclusiva, o aumento no custo de tecnologias limpas pode impactar o acesso à energia de grupos mais pobres, que já enfrentam dificuldades em arcar com as contas de luz. O Brasil possui um histórico de subsídios para combustíveis fósseis, como o gás de cozinha, o que beneficia as camadas mais vulneráveis da população. No entanto, à medida que o país transita para uma economia de baixo carbono, é essencial que o governo crie mecanismos que garantam o acesso à energia limpa e barata para essas populações. Isso pode incluir programas de subsídios para a instalação de painéis solares em residências de baixa renda ou o financiamento de tecnologias mais eficientes que reduzam o consumo de energia nas classes populares.

Além disso, há uma questão de acesso à tecnologia. A geração distribuída de energia, especialmente a solar, oferece uma oportunidade para que os brasileiros gerem sua própria eletricidade, reduzindo a dependência de grandes concessionárias e promovendo a democratização do acesso à energia. No entanto, essa oportunidade muitas vezes está fora do alcance das populações mais pobres, que não possuem recursos para investir em sistemas fotovoltaicos. O papel do Estado, nesse sentido, é crucial para promover políticas de financiamento acessível e subsídios para que a transição energética não seja um privilégio das classes mais altas, mas uma realidade inclusiva. A criação de programas que facilitem o acesso a tecnologias limpas nas comunidades carentes pode ser uma forma de garantir que essas populações também se beneficiem da transição e não fiquem marginalizadas em um sistema energético mais caro e excludente.

Por fim, as políticas públicas de transição energética devem estar alinhadas com uma visão ampla de justiça climática, que leve em consideração os impactos desiguais das mudanças climáticas sobre diferentes grupos sociais. As populações mais pobres, que muitas vezes vivem em áreas mais vulneráveis, como as periferias urbanas ou regiões rurais sem infraestrutura adequada, são as que mais sofrem com os efeitos de eventos climáticos extremos, como enchentes e secas, que podem ser exacerbados pelas mudanças climáticas. A transição energética oferece uma oportunidade de mitigar esses impactos, ao reduzir as emissões e promover uma economia mais resiliente, mas isso só será possível se houver uma abordagem inclusiva que priorize as necessidades das comunidades mais vulneráveis.

Em suma, a transição energética no Brasil precisa ser conduzida de forma a garantir que seus benefícios sejam distribuídos de maneira justa entre todas as camadas da sociedade. O papel das políticas públicas é fundamental para evitar que essa transição amplie as desigualdades regionais e sociais existentes. Investir na modernização tecnológica, requalificar trabalhadores, subsidiar o acesso à energia limpa e desenvolver infraestrutura em áreas vulneráveis são ações necessárias para que o Brasil possa avançar rumo a um futuro energético mais sustentável sem deixar para trás as populações mais vulneráveis. O Estado tem o dever de liderar esse processo, garantindo que a transição energética seja uma ferramenta de inclusão social, e não de exclusão.

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X

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