
Nos últimos anos, o bloco econômico conhecido como BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) tem intensificado esforços para reduzir a dependência do dólar norte-americano nas transações internacionais. Duas iniciativas centrais nesse movimento são o BRICS Bridge e o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), que buscam oferecer alternativas ao sistema financeiro global dominado pelo Ocidente. Essas iniciativas têm gerado desconforto nos círculos tradicionais de poder econômico e enfrentado pressões para limitar seu avanço.
O BRICS Bridge é uma plataforma de pagamentos transnacional baseada em blockchain, projetada para facilitar transações diretas entre os países membros do bloco, sem a necessidade de intermediação pelo sistema financeiro ocidental. Essa iniciativa visa criar um sistema de pagamentos independente, reduzindo a vulnerabilidade a sanções e pressões políticas externas. Além disso, o BRICS Bridge busca promover o uso das moedas locais nas transações intrabloco, diminuindo a hegemonia do dólar no comércio internacional. No entanto, a implementação dessa plataforma enfrenta desafios significativos, incluindo a necessidade de integração dos sistemas financeiros dos países membros e a superação de barreiras tecnológicas e regulatórias.
Estabelecido em 2014, o NDB foi criado com o objetivo de financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos países membros do BRICS e em outras economias emergentes. Com um capital inicial de US$ 50 bilhões, o banco busca oferecer uma alternativa às instituições financeiras tradicionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, frequentemente percebidas como instrumentos de influência política ocidental. O NDB diferencia-se por financiar projetos em moedas locais, reduzindo a exposição ao dólar e fortalecendo as economias domésticas. Contudo, o banco enfrenta desafios, como a necessidade de ampliar sua base de capital e de membros, além de garantir a sustentabilidade financeira de seus projetos em um ambiente econômico global volátil.
As iniciativas do BRICS têm sido recebidas com ceticismo e, em alguns casos, oposição aberta por parte das potências ocidentais. A proposta de criar alternativas ao dólar é vista como uma ameaça à ordem econômica estabelecida, na qual o dólar desempenha um papel central como moeda de reserva e meio de troca internacional. Em dezembro de 2024, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou impor tarifas de 100% sobre produtos dos países do BRICS caso eles avançassem com planos de substituir o dólar em suas transações comerciais. Essa reação evidencia o desconforto das potências ocidentais diante da possibilidade de erosão da influência econômica e política que o controle sobre o sistema financeiro internacional lhes confere.
A hegemonia do dólar confere aos Estados Unidos vantagens significativas, incluindo a capacidade de financiar déficits a custos mais baixos e de impor sanções econômicas eficazes contra nações consideradas adversárias. A ascensão de sistemas financeiros alternativos poderia reduzir a eficácia dessas sanções e limitar o alcance da política externa norte-americana. Além disso, a diminuição da demanda global por dólares poderia levar a uma desvalorização da moeda, impactando negativamente a economia dos EUA. Portanto, as iniciativas do BRICS são percebidas como desafios diretos à ordem econômica e geopolítica vigente, motivando esforços por parte do mainstream para conter seu progresso.
As iniciativas do BRICS, materializadas no BRICS Bridge e no Novo Banco de Desenvolvimento, representam passos significativos rumo à construção de uma ordem financeira mais multipolar. Embora enfrentem desafios consideráveis e resistência por parte das potências estabelecidas, refletem a crescente busca de economias emergentes por maior autonomia e representatividade no cenário econômico global. O sucesso dessas iniciativas dependerá da capacidade dos países membros de coordenar políticas, superar obstáculos internos e externos e demonstrar a viabilidade de alternativas ao sistema financeiro dominado pelo Ocidente.
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X