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A questão dos subsídios agrícolas na França

Artigo elaborado por Luiza Barreira Cazone, Mariana Fagundes Esposito e Raphael Krykorka Cerqueira Cesar

Este artigo visa analisar a utilização dos subsídios agrícolas na França e sua relação com o andamento do Acordo Mercosul-União Europeia. Além disso, pretende-se evidenciar as justificativas da União Europeia a respeito da utilização de volumosos subsídios agrícolas. A abordagem utilizada na pesquisa é qualitativa e quantitativa e envolve a análise de bibliografias acadêmicas e matérias jornalísticas sobre a temática. A seleção desse tema é justificada pelo andamento do processo de finalização do Acordo Mercosul-União Europeia, visto que um dos maiores empecilhos para a ratificação do acordo por parte dos países europeus, e principalmente a França, compreende a questão dos subsídios agrícolas e o abalo das indústrias agrícolas nacionais. Como objetivo geral, o artigo busca entender a importância, por parte dos franceses, da utilização de subsídios para a manutenção da agricultura, e o porquê esta atitude é extremamente prejudicial para o acordo entre os blocos econômicos. No que tange a hipótese, a pesquisa pressupõe que a Política Agrícola Comum seja um grande obstáculo para a efetivação do Acordo Mercosul-União Europeia.

Primeiramente, é crucial compreender o significado de subsídio. O termo se trata de um “dinheiro dado por um governo ou uma organização para reduzir o custo de produção de alimentos , um produto, etc. e para ajudar a manter os preços indicados” (Cambridge, 2014). No contexto do artigo, o subsídio em questão trata-se de uma concessão financeira governamental ao agronegócio francês, ato que contrasta fortemente com as premissas do acordo Mercosul-União Europeia e da Organização Mundial do Comércio.

A França é o principal produtor e exportador de alimentos do continente europeu, porém, para o êxito desta indústria, o país utiliza subsídios como forma de incentivar a produção e baratear os custos dos produtos locais no mercado interno, dessa maneira, prejudicando a venda de alimentos provenientes do exterior. A maior fonte destes recursos é a Política Agrícola Comum da União Europeia, sistema de subsídios à agricultura e programas de desenvolvimento no setor criado em 1962 pelos países do bloco. De acordo com a União Europeia, em 2023, o país recebeu 9,4% dos recursos totais da parceria, o que representa 9,4 bilhões de euros exclusivamente para agricultura, sendo desta forma, a nação mais beneficiária dessa política. (L’Europe, 2025)

Gráfico 1 – Repartição da Política Agrícola Comum da União Europeia

Fonte: Toute l’europe (2025)

A política de subsídios agrícolas na França tem uma longa história e está profundamente ligada à segurança alimentar e à proteção do setor agrário. Nesse sentido, foi definido na Cúpula Mundial de Alimentação em 1996 que segurança alimentar ocorre quando toda a população possui acesso físico e econômico à alimentação saudável (World Bank, 2025). Por sua vez, durante e após a Segunda Guerra Mundial, a Europa enfrentou grandes dificuldades para garantir o abastecimento de alimentos, o que levou à criação de mecanismos de incentivo à produção agrícola. Foi nesse contexto que surgiu a Política Agrícola Comum (PAC), em 1962, com o objetivo de garantir autossuficiência alimentar e estabilidade para os produtores rurais (European Commission, 2023). Com o passar dos anos, esses subsídios se tornaram essenciais para a economia agrícola francesa, ajudando os produtores a enfrentar a concorrência externa e manter a estabilidade do setor.

Mais do que garantir comida na mesa dos europeus, a PAC também ajudou a fortalecer o setor agrícola como um pilar da economia do continente. A França, sendo um dos países que mais se beneficia desse sistema, consolidou sua posição como a maior potência agropecuária da União Europeia (L’Europe, 2025). No entanto, esse modelo de incentivos também criou distorções no mercado global, dificultando a entrada de produtos estrangeiros, como aqueles vindos do Mercosul, que são mais competitivos na produção de commodities agrícolas (OCDE, 2024).

Como exemplo, é possível citar o caso DS607 da Organização Mundial do Comércio, no qual o Brasil entrou em disputa com a União Europeia ao acusá-la o de liberar subsídios extravagantes que distorciam o mercado internacional. Embora a justificativa fosse para manutenção da segurança alimentar no mercado interno europeu, devido a acordos de comércio com a África, Caribe e Pacífico fizeram com que o agronegócio brasileiro fosse prejudicado.  O Brasil questionou os altos valores dos subsídios para a cana-de-açúcar da Política Agrícola Comum e a reexportação para países de outros continentes, que dificultava a concorrência brasileira. (Oliveira, 2019)

Como decisão final, o painel declarou a acusação do Brasil favorável, definindo o subsídio europeu como ilegal. Esta medida fez a União Europeia recuar e adotar diversos cortes financeiros no Pacto Agrícola Comum, embora países como França, Reino Unido e Alemanha fossem menos afetados. (Oliveira, 2019)

Desde 1999, o Acordo Mercosul-União Europeia vem sendo negociado para estabelecer uma área de livre comércio entre os blocos, reduzindo tarifas e barreiras para facilitar o fluxo de bens e serviços (European Commission, 2024). No entanto, a resistência ao acordo, especialmente na França, se deve principalmente à necessidade de proteger os agricultores locais. Muitos temem que a entrada de produtos sul-americanos, como carne bovina e soja, possa comprometer a produção europeia, que tem custos mais altos devido às rigorosas regras ambientais e trabalhistas (Le Monde, 2023).

Os subsídios garantem aos agricultores franceses uma certa segurança econômica, mas essa proteção poderia ser ameaçada com a abertura do mercado para o Mercosul. Como os custos de produção na América do Sul são muito menores, retirar essas barreiras comerciais poderia resultar em uma enxurrada de importações mais baratas, prejudicando a agricultura francesa (FAO, 2024). Para evitar isso, diversos grupos de pressão na França se mobilizam contra a ratificação do acordo, alegando que ele colocaria em risco a soberania alimentar do país e afetaria diretamente pequenos e médios produtores rurais.

Entre esses grupos, destacam-se sindicatos como a Federação Nacional dos Sindicatos de Explorações Agrícolas (FNSEA) e a Confederação Camponesa. Eles atuam de forma intensa junto ao governo francês e às instituições europeias para garantir que a política de proteção ao setor agrícola seja mantida (Reuters, 2024). Essas organizações exercem influência através de manifestações, lobby no parlamento e campanhas midiáticas, argumentando que o acordo poderia prejudicar a qualidade dos produtos e os padrões sanitários da União Europeia. Além disso, políticos alinhados com os interesses do setor agrícola frequentemente usam esse tema como bandeira eleitoral, fortalecendo ainda mais a oposição ao tratado dentro do parlamento francês (Figaro, 2023).

Diante desse cenário, é possível perceber que os subsídios agrícolas são um dos principais entraves para a efetivação do Acordo Mercosul-União Europeia. Embora o tratado possa trazer vantagens para diversos setores da economia, a forte resistência do setor agrário francês mostra a complexidade dessas negociações e os desafios de equilibrar interesses tão distintos. O impasse entre a necessidade de abrir o mercado e a proteção da agricultura nacional continuará sendo um dos grandes desafios para que esse acordo saia do papel, evidenciando o dilema entre globalização e a segurança da produção local (Times, 2024).

Portanto, é certo afirmar que a histórica política europeia de subsídios agrícolas, alinhada à posição de grupos de pressão e à maioria das nações da União Europeia, configura-se como uma barreira para a ratificação do Acordo Mercosul-UE.  Um possível fim da política de subsídios ameaça a produção nacional agrícola francesa, e posiciona grupos de pressão, como fazendeiros e políticos franceses, a protestarem frequentemente contra o prosseguimento do tratado.  Nesse contexto, o protecionismo exacerbado sobre uma justificativa de segurança alimentar afasta a efetivação do tratado entre o Mercosul e a União Europeia.

Referências Bibliográficas:

EUROPEAN COMMISSION. The Common Agricultural Policy at a Glance. 2023. Disponível em: https://ec.europa.eu/agriculture/cap-overview_en. Acesso em: 28 mar. 2025.

FINANCIAL TIMES. EU-Mercosur Deal Faces Resistance from French Farmers. 2024. Disponível em: https://www.ft.com/eu-mercosur-trade. Acesso em: 28 mar. 2025.

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION (FAO). The State of Agricultural Commodity Markets. 2024. Disponível em: https://www.fao.org/publications/fao-flagship-publications/the-state-of-agricultural-commodity-markets/en. Acesso em: 28 mar. 2025.

L’EUROPE. La politique agricole commune en chiffres. 2025. Disponível em: https://www.leurope.fr/pac-statistiques. Acesso em: 28 mar. 2025.

LE FIGARO. Agriculture et politique: les tensions autour de l’accord UE-Mercosur en France. 2023. Disponível em: https://www.lefigaro.fr/politique/agriculture-mercosur. Acesso em: 28 mar. 2025.

LE MONDE. Pourquoi la France bloque l’accord commercial entre l’Union européenne et le Mercosur?. 2023. Disponível em: https://www.lemonde.fr/ue-mercosur. Acesso em: 28 mar. 2025.

OLIVEIRA, Marcelo. O contencioso Brasil x União Europeia do açúcar na OMC. Brazilian Journal of International Relations. v. 8, 2019. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/bjir/article/download/13360/8748/46169. Acesso em: 28 mar. 2025.

ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Agricultural Policy Monitoring and Evaluation. 2024. Disponível em: https://www.oecd.org/en/publications/agricultural-policy-monitoring-and-evaluation-2024_74da57ed-en.html. Acesso em: 28 mar. 2025.

REUTERS. French farmers protest EU-Mercosur trade deal concerns. 2024. Disponível em: https://www.reuters.com/eu-mercosur-agriculture. Acesso em: 28 mar. 2025.