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O fim de um pontificado e os novos rumos da Europa: impactos políticos, sociais e diplomáticos da transição papal no cenário europeu contemporâneo

Artigo elaborado por Lucas De Napoli Penteado e Marcella Bazotti Pereira

Este artigo visa analisar como a morte do Papa Francisco e o subsequente início do pontificado do Papa Leão XIV – primeiro pontífice estadunidense naturalizado peruano – podem modificar o cenário geopolítico europeu. Para isso, será realizada uma abordagem qualitativa, fundamentada em bibliografias acadêmicas, fontes jornalísticas e documentos oficiais da Santa Sé. A principal hipótese que guia esta análise é que a ausência da liderança moderadora e crítica do Papa Francisco – agora sucedida por um pontificado potencialmente influenciado pela perspectiva conservadora e pelas raízes norte-americanas – pode abrir margem para a ascensão de correntes mais conservadoras dentro e fora da Igreja, com impacto direto nas relações intergovernamentais, nos fluxos migratórios e na coesão social europeia.

A morte de um Papa não é apenas um evento religioso. Representa também uma ruptura simbólica e institucional com repercussões significativas nos campos diplomático e geopolítico, especialmente na Europa. Desde sua eleição em 2013, o Papa Francisco destacou-se por sua postura progressista e pela defesa ativa de temas como acolhimento aos migrantes, proteção ambiental e críticas ao nacionalismo europeu (TURKSON, 2022). Sendo a figura central do Estado do Vaticano, cuja influência transcende os limites geográficos da cidade-estado, sua ausência abre espaço para uma reconfiguração de forças no continente. A eleição de Leão XIV, um Papa nascido nos Estados Unidos e naturalizado peruano, reforça essa dinâmica, evidenciando não apenas a continuidade do protagonismo das Américas no comando da Igreja, mas também a confirmação simbólica da decadência da influência europeia nas grandes decisões da Igreja Católica e, por extensão, nas esferas diplomáticas globais.

O Papa Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio, tornou-se símbolo de uma nova abordagem da Igreja Católica quanto a temas políticos contemporâneos. Ao adotar uma postura firme contra o populismo de direita, condenar a xenofobia e promover a integração dos refugiados, sua liderança influenciou diretamente o debate público europeu (PONTIFÍCIA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS, 2021). Sua relação com líderes europeus como Angela Merkel e Emmanuel Macron foi marcada por uma aliança simbólica em torno de valores como solidariedade e defesa dos direitos humanos (LE MONDE, 2023), sendo peça-chave na diplomacia vaticana com países como Ucrânia e Rússia, especialmente após a eclosão da guerra em 2022. Suas mediações, ainda que simbólicas, foram percebidas como tentativas de frear a escalada do conflito, reforçando o papel da Santa Sé como ator diplomático relevante (EURONEWS, 2024).

Com sua morte, houve um novo conclave para eleger seu sucessor. Tal processo, que mobilizou cardeais de todo o mundo, possui implicações políticas significativas. Dependendo  da orientação do recém-eleito Papa Leão XIV, a Igreja poderá se reposicionar politicamente. Um pontífice mais alinhado a valores conservadores pode reduzir o apoio humanitário e fortalecer discursos de natureza cristã, frequentemente utilizados por partidos de extrema-direita como a Alternativa para a Alemanha (AfD) e o Rassemblement National francês (LAVALLE, 2023), podendo criar fissuras nos consensos multiculturais defendidos por alguns governos da União Europeia e ser aproveitado por potências autoritárias, como a Rússia e a Turquia, para ampliar sua influência política entre nações europeias periféricas.

A Igreja Católica, sob Francisco, foi uma das instituições mais atuantes na defesa dos direitos dos refugiados na Europa. Seu discurso contínuo de acolhimento contrastava com a retórica de contenção de diversos governos, como Itália, Hungria e Polônia (CARITAS EUROPA, 2023). A ausência dessa liderança pode resultar no enfraquecimento das redes de apoio católicas aos imigrantes, principalmente na região mediterrânea, além de legitimar políticas migratórias mais restritivas, influenciando a opinião pública católica europeia, a qual ainda representa uma parcela relevante do eleitorado, a apoiar medidas excludentes sob o pretexto de defesa da “cultura europeia”.

A influência de Francisco estendeu-se também a temas como meio ambiente, pobreza e diversidade sexual. Encíclicas como a Laudato Sì e Fratelli Tutti moldaram a retórica de organizações da sociedade civil e favoreceram  posicionamentos mais abertos dentro da Igreja (FRANCISCO, 2015; 2020). Com sua morte, abre-se a possibilidade de retrocessos nesses campos, posto que o novo Papa já sinalizou que deve adotar diretrizes doutrinárias mais tradicionais. Ademais, o caráter internacionalista de seu pontificado, o qual reforçava a ideia de uma Igreja global e inclusiva, encontra continuidade sob a liderança de Leão XIV. Em seu discurso inaugural, o novo pontífice destacou a importância de uma Igreja que “constrói pontes e dialoga”, enfatizando a missão universal da Igreja e seu compromisso com a inclusão e o diálogo intercultural, reafirmando assim o papel das Américas no cenário eclesiástico global e refutando tendências eurocêntricas ao promover uma visão de Igreja aberta e engajada com os desafios contemporâneos.

No que tange a questão ambiental, é necessário destacar que, embora Leão XIV sinalize uma retomada de valores doutrinários mais conservadores em algumas questões morais, o compromisso com a agenda ambiental – legado direto do pontificado de Francisco – permanece como um dos pilares de sua atuação. O novo Papa reforçou em suas primeiras manifestações que a crise climática não é apenas uma emergência ecológica, mas também uma questão profundamente moral e espiritual, afetando principalmente os mais pobres e vulneráveis do planeta. Nesse contexto, o foco ambiental permanece central na diplomacia vaticana, com ênfase no combate às mudanças climáticas, na defesa da biodiversidade e na crítica a modelos econômicos predatórios, sendo a continuidade desse compromisso pragmática, visto que o Vaticano tem participado ativamente de fóruns internacionais como a COP e desenvolvido parcerias com organismos multilaterais para promover a transição ecológica, especialmente em países do Sul Global. (VATICAN NEWS, 2021).

Conclui-se, portanto, que a morte do Papa Francisco representa um divisor de águas na história recente da Igreja Católica e da geopolítica europeia. Sua liderança foi fundamental para a promoção de valores humanitários em um continente marcado por crises migratórias, polarização ideológica e conflitos armados. Todavia, diferentemente de Francisco, que apesar de latino-americano mantinha fortes vínculos culturais e diplomáticos com a Europa, seu sucessor Leão XIV não demonstra a mesma identificação com o continente europeu. Sua eleição, sendo ele nascido nos Estados Unidos e naturalizado peruano, parece confirmar uma mudança de eixo na centralidade da Igreja, deslocando o foco da Europa para as Américas, território que agora se consolida como protagonista no cenário eclesiástico global. Ademais, o nome escolhido carrega forte simbolismo ao remeter a Leão XIII, autor da encíclica Rerum Novarum, marco da doutrina social da Igreja, refletindo o compromisso com as questões sociais, agora sob uma perspectiva mais alinhada aos desafios das Américas e do Sul Global. Assim sendo, torna-se imprescindível acompanhar atentamente os desdobramentos desse novo pontificado, posto que os reflexos da transição papal poderão se estender para além dos muros do Vaticano e influenciar diretamente o equilíbrio político, social e diplomático não apenas da Europa, mas de todo o cenário internacional.

REFERÊNCIAS:

CARITAS EUROPA. Migration in Europe: Challenges and Opportunities. 2023. Disponível em: caritas.eu/migration. Acesso em: 12 mai. 2025.

EURONEWS. Pope Francis and the War in Ukraine: Diplomatic Efforts and Moral Appeals. 2024. Disponível em: euronews.com/vatican-ukraine. Acesso em: 12 mai. 2025.

FRANCISCO. Laudato Sì: Sobre o Cuidado da Casa Comum. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2015.

FRANCISCO. Fratelli Tutti: Sobre a Fraternidade e a Amizade Social. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2020.

LAVALLE, Adriana. A Igreja e a Extrema Direita na Europa: Riscos de Convergência. Revista de Política Internacional, v. 12, n. 1, 2023.

LE MONDE. La diplomatie morale du pape François face aux défis européens. 2023. Disponível em: lemonde.fr/pape-francois. Acesso em: 12 mai. 2025.

PONTIFÍCIA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS. Human Dignity and the Future of Europe. Cidade do Vaticano, 2021. Disponível em: pass.va/content/scienzesociali/en/publications. Acesso em: 12 mai. 2025.

TURKSON, Peter K. A Geopolítica da Fraternidade: Ensinamentos do Papa Francisco. Roma: Pontifícia Universidade Urbaniana, 2022.

VATICAN NEWS. Papa Leão XIV: quem é o novo líder da Igreja Católica. 2025. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2025/papa-leao-xiv-biografia.html. Acesso em: 12 mai. 2025.

VATICAN NEWS. O Papa: respeitemos o ser humano, a criação e o Criador. Cop26. 2021. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2021-10/papa-francisco-fe-ciencia-vaticano-cop-26-glasgow.html. Acesso em: 12 mai. 2025.

BBC NEWS. Robert Francis Prevost é eleito Papa Leão XIV: conheça sua trajetória. 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2yyv4d2z4o. Acesso em: 12 mai. 2025.

CNN. Quem é Leão XIV, novo Papa eleito em 2025. 2025. Disponível em: https://www.cnn.com/2025/05/10/world/new-pope-leo-xiv-profile/index.html. Acesso em: 12 mai. 2025.

LEÃO XIII, Papa. Rerum Novarum: sobre a condição dos operários. Vaticano. 1891. Disponível em: https://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html. Acesso em: 12 mai. 2025.

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