
Entre as potências emergentes do século XXI, a Índia ocupa uma posição única. É a maior democracia do mundo, um dos países mais populosos, possui armas nucleares, economia em rápido crescimento, forte base tecnológica e um histórico de política externa marcada pela autonomia. Mas ao contrário da China, que busca rivalizar diretamente com os Estados Unidos, ou da Rússia, que confronta abertamente o Ocidente, a Índia adota uma estratégia mais ambígua e flexível. A pergunta que mobiliza analistas internacionais é: o que exatamente quer a Índia no sistema global?
A resposta passa, antes de tudo, por entender a tradição diplomática indiana. Desde a independência, em 1947, a Índia construiu sua política externa com base no princípio do não alinhamento. Durante a Guerra Fria, recusou-se a integrar blocos militares e buscou liderar o Movimento dos Países Não Alinhados. Essa postura ainda é visível: a Índia busca parcerias múltiplas sem se subordinar a nenhuma potência.
Atualmente, a Índia é membro de fóruns com agendas muito distintas. Integra os BRICS ao lado de China e Rússia, participa do Quad com EUA, Japão e Austrália, mantém relações estratégicas com Israel, Irã e países do Golfo, e tem laços comerciais crescentes com a União Europeia. Essa diversidade de alianças não é incoerência — é cálculo.
A prioridade indiana é garantir autonomia estratégica. Isso significa desenvolver capacidades internas em defesa, energia, tecnologia e infraestrutura para não depender de potências externas. O programa “Make in India”, por exemplo, visa transformar o país em um centro industrial e tecnológico autossuficiente. A Índia quer crescer sob seus próprios termos, sem abrir mão de sua soberania.
Ao mesmo tempo, busca conter a influência chinesa no Sul da Ásia e no Indo-Pacífico. As tensões na fronteira do Himalaia, os embates em torno de portos no Sri Lanka, Nepal e Bangladesh, e a competição por influência na África e no Sudeste Asiático revelam uma disputa silenciosa entre Nova Délhi e Pequim. A Índia teme ser cercada por projetos como a Iniciativa do Cinturão e Rota, liderada pela China.
É nesse contexto que se entende a aproximação com os Estados Unidos. Embora não aceite ser parte de uma aliança formal, a Índia coopera com Washington em defesa, tecnologia, comércio e cibersegurança. Os EUA, por sua vez, veem a Índia como peça-chave para conter a China na Ásia. Mas a relação é pragmática, não ideológica. A Índia mantém compras militares da Rússia, rejeita sanções unilaterais e defende uma ordem internacional multipolar.
A Índia também busca liderança no Sul Global. Com uma vasta diáspora, histórico anticolonial e narrativa de país em desenvolvimento que ascende sem imposições externas, apresenta-se como porta-voz de países médios e pobres. O protagonismo na presidência do G20 e o discurso em fóruns climáticos e comerciais reforçam essa imagem.
No entanto, há obstáculos. Internamente, enfrenta desigualdades sociais, desafios educacionais, pressões ambientais e uma polarização política crescente sob o governo de Narendra Modi. Externamente, precisa equilibrar sua relação com parceiros concorrentes e construir capacidade institucional para projetar poder de forma efetiva.
A Índia não quer ser satélite dos EUA, nem aliada subalterna da China. Quer ser um centro de poder próprio. Uma potência civilizacional que exerce influência sem depender de alianças rígidas. Sua diplomacia é, antes de tudo, uma busca por respeitabilidade, autonomia e protagonismo em um mundo em transição.
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X
