
O grupo BRICS — formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — surgiu no início dos anos 2000 como um acrônimo para agrupar economias emergentes com grande potencial de crescimento. Mas com o passar do tempo, esse agrupamento informal transformou-se em um bloco político e econômico que busca não apenas mais influência, mas uma mudança estrutural na ordem internacional. O objetivo é claro: criar alternativas ao sistema global dominado por instituições ocidentais, como o FMI, o Banco Mundial e o dólar como moeda hegemônica.
A força dos BRICS está nos números. Juntos, os cinco países representam mais de 40% da população mundial, cerca de um quarto do PIB global (em paridade de poder de compra) e grandes porções de recursos naturais, produção agrícola e poder militar. Mas sua relevância vai além das estatísticas. O bloco simboliza o descontentamento de grande parte do mundo com as regras atuais do jogo global.
Uma das principais críticas dos BRICS é à concentração de poder nas instituições multilaterais. O FMI e o Banco Mundial, por exemplo, continuam sob controle decisivo de Estados Unidos e Europa. Os países do BRICS, apesar de sua importância econômica, têm participação desproporcionalmente baixa nas decisões dessas entidades. O Conselho de Segurança da ONU, por sua vez, mantém uma estrutura herdada da Segunda Guerra Mundial, que não reflete o equilíbrio de poder do século XXI.
Em resposta, o grupo vem criando suas próprias instituições. Em 2015, fundaram o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), sediado em Xangai, com o objetivo de financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos países membros e, mais recentemente, em países parceiros. Diferente do Banco Mundial, o NDB não impõe condicionantes políticos e oferece maior margem de autonomia aos seus beneficiários.
Outro eixo de atuação é a desdolarização. Vários países do BRICS passaram a adotar moedas locais em seus acordos bilaterais, reduzindo a dependência do dólar em transações comerciais. A ideia de criar uma moeda comum do bloco já foi discutida, embora ainda esteja em fase embrionária. A ampliação do uso de moedas nacionais é vista como estratégia para escapar de sanções econômicas e das flutuações associadas à política monetária dos EUA.
Nos últimos anos, os BRICS têm buscado ampliar sua influência por meio da incorporação de novos membros. Em 2023, anunciaram a entrada de países como Egito, Etiópia, Irã, Argentina e Emirados Árabes Unidos. Essa expansão sinaliza um desejo de formar um verdadeiro “clube do Sul Global”, reunindo países com aspirações de autonomia e revisão das normas globais.
Mas os BRICS também enfrentam desafios internos. Há tensões geopolíticas entre Índia e China, divergências sobre políticas ambientais e modelos econômicos muito distintos entre os membros. A ausência de uma estrutura formal rígida limita a coordenação e torna o bloco mais simbólico do que operacional em muitas áreas.
Ainda assim, a existência dos BRICS já cumpre um papel importante: eleva o patamar da crítica à ordem vigente, oferece instrumentos de financiamento e negociação alternativos e fortalece a ideia de um mundo multipolar. Para muitos países, especialmente na África, na Ásia e na América Latina, o grupo representa a possibilidade de escapar do eixo Washington-Bruxelas.
O BRICS não é um novo G7, nem pretende ser. Sua força está em oferecer alternativas, não substituições. Sua agenda é menos ideológica e mais centrada na soberania, no pragmatismo e na reforma de instituições. E, ao reunir potências globais com trajetórias e interesses distintos, oferece um espaço onde o Sul Global fala em voz própria.
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X
