
Nos últimos vinte anos, a China tornou-se a maior investidora mundial em infraestrutura fora de suas fronteiras. Presente em mais de 150 países, com obras que vão de portos na Grécia a ferrovias no Quênia, a expansão chinesa no exterior chama atenção não apenas pela escala, mas pela consistência estratégica. Mas afinal, por que a China investe tanto fora de casa? A resposta está em uma combinação de interesses econômicos, projeção geopolítica, segurança energética e consolidação de sua influência global.
A primeira razão é econômica. A China acumula, há décadas, superávits comerciais gigantescos. Isso significa que vende muito mais do que compra, e portanto acumula enormes reservas em moeda estrangeira, especialmente em dólares. Investir esses recursos no exterior torna-se uma forma de dar vazão ao capital excedente, evitar bolhas domésticas e garantir retornos financeiros em longo prazo.
Além disso, a expansão das empresas chinesas pelo mundo ajuda a garantir mercado para seus produtos, serviços e tecnologia. Com forte presença estatal, as grandes corporações chinesas de construção civil, telecomunicações, energia e transporte têm capacidade ociosa e buscam contratos no exterior para manter seu crescimento. Essas obras são frequentemente financiadas por bancos chineses, criando um ecossistema econômico interligado que reproduz o modelo de desenvolvimento do país em escala global.
A segunda motivação é geoestratégica. A China depende de importações para suprir boa parte de suas necessidades de energia, minerais e alimentos. Esses recursos vêm, em grande parte, de regiões instáveis como o Oriente Médio, a África e a América Latina. Investir em infraestrutura nesses lugares — estradas, portos, ferrovias, oleodutos — é uma maneira de garantir rotas seguras, reduzir a dependência de intermediários e escapar de gargalos geopolíticos, como o estreito de Malaca, sob influência naval americana.
É nesse contexto que se insere a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), lançada em 2013. Trata-se do mais ambicioso plano de investimentos internacionais da história, conectando a China a Europa, África e Ásia por meio de obras de infraestrutura, telecomunicações e energia. O BRI não é apenas um programa de obras — é um projeto civilizacional, que visa colocar Pequim no centro da nova globalização.
O investimento externo chinês também serve à projeção de poder. Em vez de tanques, Pequim envia engenheiros, financiamentos e acordos de longo prazo. Essa diplomacia do concreto oferece uma alternativa ao modelo ocidental, frequentemente visto como condicionado a exigências políticas. Para muitos países do Sul Global, a China aparece como um parceiro confiável, eficiente e não intervencionista.
Por fim, investir fora de casa é também uma forma de escapar dos limites internos. A economia chinesa começa a mostrar sinais de saturação: queda demográfica, endividamento, tensões regulatórias. Expandir internacionalmente é uma maneira de manter as empresas funcionando, abrir novos mercados e diversificar riscos.
Mas essa estratégia também enfrenta críticas. Alguns países acusam a China de promover uma “armadilha da dívida”, ao conceder empréstimos que se tornam impagáveis e permitem o controle de ativos estratégicos. Casos como o do porto de Hambantota, no Sri Lanka, alimentam esse discurso. Além disso, há denúncias de impactos ambientais, violações trabalhistas e falta de transparência nos contratos.
Ainda assim, o alcance da presença chinesa no exterior é inegável. Ela constrói ferrovias no Quênia, explora petróleo no Iraque, financia usinas na Venezuela, instala cabos submarinos na América Latina e lidera projetos de energia solar no Oriente Médio. É uma presença concreta — e crescente.
A China investe fora de casa não por altruísmo, mas porque entende que o futuro do seu poder passa por controlar fluxos, redes e infraestruturas. Em um mundo onde o comércio, a energia e os dados são os novos territórios estratégicos, quem construir as pontes, estradas e cabos dominará o amanhã.
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X
