Resgatei esta entrevista do sócio do Banco Modal, Eduardo Centola, publicada no Estadão do dia 31/07, porque ela revela aspectos importantes do nosso atual relacionamento econômico-comercial com a China.
Entre outras questões, chama a atenção: 1) que os investimentos dos chineses no Brasil não se arrefeceram diante dos percalços econômicos e políticos que estamos atravessando; 2) que não é apenas o nosso agronegócio que interessa a eles, contrariamente à percepção superficial de que seríamos, principalmente, um dos celeiros que alimentariam a população, liberando o setor industrial para se concentrar nas áreas de tecnologia de ponta enunciadas no plano “China 2025”, que o governo de Pequim acaba de editar na busca de transformar o país numa potência pós-industrial; e 3) que os investimentos no Brasil estão-se concentrando cada vez mais na área de infraestrutura.
Segundo Centola, os chineses planejam desembolsar neste ano mais de US$ 20 bilhões na compra de ativos brasileiros, um volume 68% superior ao de 2016 (!!!), segundo a “Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China”. Este movimento tem sido tão significativo que nos tornamos, no ano passado, o segundo principal destino dos investimentos chineses na área de infraestrutura em todo o mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.
É o caso, por exemplo, da “Shanghai Electric Group Co. Ltd”, uma das maiores empresas estatais do setor de equipamentos elétricos da RPC, que estuda participar de projetos de transmissão da Eletrosul; da “StatePower Investment Corporation”/SPIC, também entre as cinco maiores empresas estatais chinesas do setor de eletricidade, que está na disputa pela compra da Hidrelétrica Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia; e da “China Communications Construction Co., Ltd.” ( (CCCC), especializada em engenharia de portos, que tem vários ativos brasileiros em sua mira, no campo das construtoras e das ferrovias.
Esta intensa movimentação dos chineses – que não se restringe ao Brasil, obviamente – revela o empenho do governo do Presidente Xi Jinping de transformar a China na maior economia do mundo neste século, tal como propôs o professor Liu Mingfu, da “China National Defense University”, no seu livro “The China Dream”, que Xi adotou como “moto” de seu governo. Segundo o Prof. Liu:
“…what does it mean for China to become the world´s leading nation?
First, it means that China´s economy will lead the world. On that basis, it
will make China the strongest country in the world. As China rises to the
status of a great power in the 21st century, its aim is nothing less than the
top – to be the leader of the modern global economy” …
Será?….Quais seriam as consequências?
A se tornar o sonho de Xi uma – complexa – realidade (o que muitos analistas duvidam, devido aos gargalos que a China enfrenta no seu caminho a um real desenvolvimento sustentado), o eixo da economia mundial se transferiria definitivamente para a bacia do Pacífico.
Neste cenário, como ficaríamos nós? Deveríamos ficar alertas e “monitorar” o apetite chinês, o “perigo amarelo”, como alguns radicais o qualificariam? Ainda atados ao Atlântico, mas cada vez mais cortejados por Pequim, deveríamos nos posicionar melhor com relação às nossas alianças? Será possível a coabitação com os dois eixos, do Atlântico e do Pacífico?
‘O APETITE CHINÊS NÃO ESTÁ SÓ CONCENTRADO EM INFRAESTRUTURA’
Eduardo Centola, sócio do Banco Modal, vê os investidores chineses avançando em setores como telecomunicações e saúde
31.07.2017|Por Estadão Conteúdo
Um dos principais interlocutores brasileiros com investidores chineses, Eduardo Centola, vê o aumento do apetite chinês no Brasil não só em infraestrutura, mas em outros setores considerados estratégicos, como telecomunicações e saúde. Centola diz que os investimentos anunciados por grupos asiáticos podem atingir até R$ 50 bilhões este ano.
A turbulência em Brasília não está afugentando os chineses do País?
O apetite chinês vem aumentando nos últimos anos e não deve parar. Em 2014, os investimentos anunciados foram de R$ 6,5 bilhões e saltaram para R$ 30 bilhões no ano seguinte. Em 2016, foi a R$ 40 bilhões. Minha estimativa é de R$ 50 bilhões para este ano.Infraestrutura ainda é o principal destino do investidor chinês no Brasil?
Os chineses já fizeram muito investimento no setor elétrico. Hoje, vejo uma diversificação, como em operações financeiras, telecomunicações e saúde. As diretrizes do governo chinês mudaram. Havia uma preocupação com a segurança alimentar e boa parte dos investimentos ia nesta direção. Agora, eles querem se internacionalizar em diversos setores.O Banco Modal tem feito assessoria a importantes grupos chineses. Como começou essa relação?
Em 2012, quando entrei no Modal, eu já tinha uma ampla experiência com investidores chineses (Centola assessorou a gigante State Grid a entrar no Brasil). Em 2014, o banco fez uma joint-venture e criou a MDC para investir em projetos de infraestrutura em estágio inicial com chineses. Desde o ano passado, fazemos assessoria para a CCCC (China Communications Construction Company), que comprou 80% da construtora Concremat e que também está investindo pesado no porto de São Luís (MA).O sr. acredita que o cenário econômico pode se complicar com a atual crise política?
Tenho uma visão otimista em relação à economia. Acredito que a crise política se descolou da economia. A combinação positiva da queda da taxa de juros e da inflação atrairá mais investimentos diretos estrangeiros ao País. É preciso, contudo, resolver as questões estruturais, como a aprovação das reformas.Como vê o cenário eleitoral em 2018?
Não sei dizer. Independentemente de quem assuma a liderança, é preciso seguir com as reformas necessárias para o Brasil.Artigo publicado originalmente em http://revistapegn.globo.com/Noticias/noticia/2017/07/pegn-o-apetite-chines-nao-esta-so-concentrado-em-infraestrutura.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compartilharDesktop