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A Crise Ucraniana e a Nova Ordem Mundial

A crise ucraniana e seus desdobramentos refletem a dinâmica das relações internacionais, demonstrando que o período atual é de transformação da ordem mundial. A Ucrânia, antes um dos maiores centros industriais e tecnológicos soviéticos, hoje em uma situação de sobrevivência, tenta tirar vantagem do que restou do arsenal soviético e de sua posição estratégica, rota de gasodutos russos para levar energia ao Ocidente. Os Estados Unidos e a Rússia têm usado esta situação a favor de seus interesses.

A Ucrânia para os russos tem importância estratégica, histórica e cultural, pois a chamada civilização russa iniciou no Condado de Kiev. Porém, questões de cunho prático parecem ser mais relevantes como o projeto South Stream, o gasoduto que passa pelo Mar Negro e leva energia à Grécia, Itália e Áustria, já em construção desde 2012. Esta medida cria uma alternativa de transporte energético à rota ucraniana, evitando problemas de falta de pagamento e destruição dos gasodutos por ativistas contrários à Rússia no país. Somado a isso, busca consolidar o controle comercial e energético russo na área e se opõe ao projeto do gasoduto Nabucco, apoiado pelos EUA, que inicia no Azerbaijão, passando pelo leste europeu, chegando à Europa Central. Em 2013, este foi preterido pelo gasoduto Trans-Adriático, por questões políticas e financeiras.

Washington quer com estes empreendimentos reduzir a hegemonia comercial russa na região, uma vez que a Rússia busca retomar o protagonismo internacional, nas áreas econômicas que permaneceram intactas, após o caos do fim da União Soviética. A potencialidade de produzir petróleo e gás e o amplo arsenal militar e espacial, remanescentes dos tempos soviéticos, são a base econômica da política externa russa até o momento. A mais recente iniciativa russa é a criação de uma União Euroasiática, que almeja compor uma conexão entre o antigo centro de poder ocidental com o novo oriental, através da aliança de três centros: Berlim, Moscou e Pequim.

Na prática, é um aprofundamento da integração política e econômica entre Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão. Entretanto, através dessas alianças, a Rússia vê a oportunidade de promover maior aproximação com a União Europeia e a China, à medida que almeja atuar em conjunto com os interesses econômicos destes países nas regiões da Europa do Leste e a Ásia Central, atraindo investimentos para setores chaves como infraestrutura, transporte, energia, tecnologia, pesquisa científica, arquitetura e engenharia.

Esta alternativa visa aproveitar o poder russo nas áreas mencionadas, mas também impulsionar uma diversificação econômica, que objetiva minimizar a dependência atual de 65% da renda do governo russo ser proveniente do comércio de energia. O gasoduto South Stream é um dos motivos para a anexação da Crimeia. O Mar Negro garante amplas rotas marítimas e significativas reservas de gás e petróleo. Outra questão seria a importância da Ucrânia como país chave para o estabelecimento de uma rota comercial e de infraestrutura para consolidar a União Euroasiática.

O país também é estratégico para a defesa do território russo, impedindo que forças do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) contemplem definitivamente toda a fronteira russa. Portanto, a expansão da OTAN e de seu projeto de instalar escudos antimísseis no leste europeu, visando anular a capacidade de projeção militar da Rússia na Europa, é um cenário perturbador para Moscou.

Os EUA, desde o fim da Guerra Fria, buscam estabelecer um poder de influência em três focos principais: Europa do Leste, Ásia Central e Oriente Médio. A importância desses territórios dá-se não apenas pelo fato dessas áreas obterem reservas energéticas mundiais importantes, mas também por serem rotas comerciais (a exemplo do estreito de Ormuz) e pontos militares considerados centrais para a segurança dos interesses americanos.

Desde os anos 1990, muitos países ex-socialistas da Europa do Leste, inclusive algumas ex-repúblicas da URSS, passaram a integrar a OTAN. Outras, como a Ucrânia e a Geórgia, ainda que não sejam membros, têm sido atraídas para colaborar com a organização. No início do século XXI, com a invasão do Iraque, as tropas dos EUA estão presentes em quase todos os países do Oriente Médio, excluindo a Síria e o Irã. A preocupação americana está para além da luta contra o terrorismo e atinge à Ásia, em decorrência do rápido crescimento da economia chinesa e sua necessidade por importar energia.

Esta questão tem levado a China a promover relações amistosas com seus vizinhos, os russos, nas áreas de energia e militar, e também com desafetos como o Japão. A atitude pragmática dos chineses vem tentando construir um novo ambiente de cooperação econômica, podendo em longo prazo, criar um Novo Centro de Poder Econômico Mundial, que competiria com o antigo Centro do Atlântico Norte, a linha direta de cooperação entre EUA e Europa Ocidental.

Alessandra Scangarelli Brites
Jornalista formada pela PUC-RS
Especialista em Política Internacional – PUC-RS
Mestrado em Estudos Estratégicos Internacionais – UFRGS