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Síria, a Esquina Mais Perigosa do Mundo

No último dia 10 de fevereiro um caça israelense foi abatido pelas defesas antiaéreas sírias quando atacava o aeródromo T-4. Essa operação israelense é a maior desde 1982, que além de violar a integridade e a soberania do Estado sírio, demonstra o tamanho do envolvimento dos israelenses nesse conflito. Muito além de ser uma “linha-auxiliar” da OTAN na região, Israel tem interesses particulares no conflito sírio. O apoio tácito que o Estado israelense tem dado, segundo afirmações do governo sírio, a grupos armados que combate ao governo de Damasco, demonstra a sua opção em questionar o apoio sírio e iraniano ao Hezbollah.

Os temores israelenses são vários, começam com o desenvolvimento militar e principalmente nuclear do Irã, um dos principais aliados de Al Assad. Os israelenses sabem que uma vitória militar do presidente sírio e a subsequente estabilização síria, reforçará o questionamento sobre a usurpação das Colinas de Golã, feita por Israel em 1967 após a Guerra dos Seis Dias. É factível que o envolvimento do Hezbollah no conflito sírio pode ter um desdobramento na conjuntura libanesa, onde a relação com Israel é explosiva. O envolvimento do Hezbollah na Guerra da Síria levará ao seu inevitável aperfeiçoamento, aumentando assim a sua capacidade combativa, já testada de forma exitosa contra as forças israelense em 2006 na Segunda Guerra do Líbano.

Outra preocupação israelense é a participação efetiva de agrupamentos palestinos na Síria e as suas conexões com o Irã, em um cenário pós-guerra, esses agrupamentos podem vitaminar a luta contra a ocupação israelense na Palestina. Com tudo, o pior cenário para Israel seria uma articulação vitoriosa entre Irã, Síria e Iraque com o patrocínio russo. Livrando-se do DAESH e das demais forças insurgentes, esses três países passarão a ter um protagonismo político e econômico maior no Oriente Médio.

Em outra parte da fronteira síria é a Turquia que luta pelos seus interesses estratégicos. Desde o início do conflito em 2013, que a Turquia vem violando as fronteiras e a soberania síria com o pretexto de combater as forças curdas. Esses agrupamentos curdos travam uma longa luta para fundar um Estado independente e por isso são vistos como terroristas pelo Estado turco. Parte desses curdos tem recebido apoio da OTAN para lutarem contra o DAESH, desagradando assim a Turquia. Uma outra parte desses curdos tem entabulado conversações com o governo Al Assad com o intuito de atuarem conjuntamente, também desagradando o governo de Ancara.

O envolvimento da Turquia no conflito sírio é tamanho, que em novembro de 2015 forças turcas derrubaram um caça russo que operava em apoio as forças sírias na luta contra o DAESH próximo à fronteira turca. Até com os estadunidenses os turcos tiveram problemas no contexto do conflito sírio. Aliados históricos, a Turquia protestou veementemente contra o apoio de Washington aos curdos e chegou a relaciona-los à tentativa de golpe de Estado que o presidente Erdogan sofreu em julho de 2016. Isto é, enquanto os estadunidenses armavam os curdos para lutarem contra o governo sírio, tinha o apoio turco, quando esses mesmos curdos passaram a lutar por sua causa, passaram a ser inimigos de Ancara.

As relações entre Turquia e Síria que são tênues e já produziu a derrubada de um caça turco pelos sírios em junho de 2012, podem se agravar e se transformar em um conflito franco. Desde o início da Guerra Civil Síria que o governo turco se posicionou contra o presidente Bashar Al Assad e passou a ter relações com os terroristas do DAESH e demais agrupamentos fundamentalistas. Em janeiro de 2018 forças turcas têm iniciaram operações militares contra os curdos dentro do território sírio, gerando severos protestos de Damasco. A operação Ramo de Oliveira desenvolvida pelas forças turcas, visa combater militantes do Partido dos Trabalhadores do Curdistão que operam ao norte da Síria, em contrapartida, a Síria afirmou que deslocará suas forças para a cidade fronteiriça de Afrin, com base em novos entendimentos com militantes curdos que combatem o DAESH e as forças estatais turcas. Com esse cenário, a Turquia já se pronunciou afirmando que a presença das forças sírias na região da cidade de Afrin pode provocar uma escalada no conflito fronteiriço.

Outro ator importante no conflito sírio é o Estados Unidos, com o seu costumeiro comportamento de “polícia do mundo”, tem atuado contra o governo Al Assad desde 2009, quando apoiou o início das manifestações contra o governo de Damasco. Durante todo esse período, principalmente após o advento da “Primavera Árabe” (2010), passou a liderar uma coalizão de forças que combatem o DAESH em território sírio, em paralelo os estadunidenses também têm apoiado a chamada “oposição moderada” ao governo de Damasco. Dessa forma as forças estadunidenses têm ferido a soberania síria com ataques a seu território e as suas forças militares, assim como tem patrocinado grupos armados que lutam contra o governo de Al Assad.

Junto dos estadunidenses, além da OTAN, Catar e Arábia Saudita também têm operado na Síria apoiando vários grupos que contestam o governo de Bashar Al Assad, inclusive, a Arábia Saudita tem sido acusada por sírios e russos de patrocinarem em vários momentos os terroristas do DAESH. A explosão de violência e a guerra promovida pelos terroristas que prometiam um “Novo Califado”, fez da Síria e do Iraque a partir de 2013, um palco militar que concentra todas as tensões e interesses que permeiam o mundo árabe, tendo o petróleo como pano de fundo.

A política estadunidense para a Síria, inevitavelmente levaria a desintegração do Estado nacional sírio se não fosse ação efetiva do governo russo a partir de setembro de 2015. A entrada das tropas russas no teatro de operações sírio garantiu a permanência de Al Assad no governo, como praticamente derrotou o DAESH na Síria e o comprometeu no Iraque. A coordenação entre Rússia, Irã, Síria e agora a China, fez com que parte da oposição dita “moderada” aceita-se estabelecer uma mesa de negociação, frustrando assim os planos da OTAN de fazer da Síria uma nova Líbia, onde uma federação de grupos administra o território líbio a partir dos interesses do Ocidente depois da morte de Muammar Al Gaddafi em 2011.

O processo em curso na Síria pode ser denominado como uma “mini-guerra”, onde os turcos querem um “tampão” na fronteira com a Síria para deter os curdos. Os curdos por sinal querem autonomia para fundar o seu Estado, isso contra a vontade turca, síria e iraquiana. Em sua parte, Israel precisa derrotar Al Assad para evitar que o Irã se conecte fisicamente ao Líbano e à Palestina. Mesmo tendo perdido o seu protagonismo no conflito, os estadunidenses precisam de uma vitória militar contra Al Assad para evitarem a emergência russa e chinesa na região, tudo isso sem melindrar os turcos, já que seus aliados curdos, são os piores pesadelos de Ancara.

Inglaterra e França que compõem as forças da OTAN na Síria, tem cada vez mais fornecido informações e treinamento para o “Exército Livre da Síria”, entretanto não puderam ainda colher os frutos da dispendiosa cooperação. Junto com os estadunidenses, os anglo-franceses têm usado os territórios da Jordânia e Turquia para estabelecer contato com os rebeldes sírios e criar uma base sustentável contra Al Assad dentro da Síria. Isso inevitavelmente os compromete com as demandas desses dois Estado, que tanto tem apostado na queda de Al Assad. Os ocidentais e seus aliados árabes e turcos esperam efetivamente lucrar com a expansão imperialista em uma Síria pós Bashar, assim como fizeram no Iraque e na Líbia. Com o distanciamento dessa perspectiva graças a mudança da conjuntura política e militar na Síria em favor de Bashar Al Assad, as contradições entre os aliados podem se evidenciar com o distanciamento da vitória. Já a Arábia Saudita e o Qatar, combatem o governo de Damasco no contexto de oposição aos iranianos, sendo esses dois últimos os maiores financiadores da oposição ao governo sírio e as principais plataformas ocidentais de questionamento ao governo iraniano.

Um envolvimento maior de Israel e Turquia contra a Síria pode transformar esse conflito regional em um embate global, colocando Rússia e Estados Unidos em uma confrontação perigosa que remonta os tempos da Guerra Fria. Já o governo de Damasco, tem um desafio imenso até conseguir libertar o seu país de todos os agentes estrangeiros que operam nele sem o seu consentimento, mas para tanto, precisará Al Assad democratizar suas ações e fazer do petróleo um instrumento verdadeiro de promoção social. As conversas de paz com a oposição que surgiram a partir de novembro de 2017 são uma boa oportunidade para o presidente Al Assad avançar nas pautas internas e progressistas para pacificar o país.

Rússia, Irã e China, cada um com seu interesse, sabe que o conflito sírio pode ser uma oportunidade para se tronarem potências globais com forte ascensão sobre o mundo árabe e Ásia. O primado da política externa sobre a política interna será outro grande fator a se observar entre esses três atores. No contexto global nunca tivemos tantas potências atômicas disputando uma “esquina” tão pequena, isso chama a atenção para o tamanho da volatilidade dessa conjuntura.

Outro importante aspecto a se considerar é que uma nova ordem política surgirá no mundo árabe com uma Síria e um Iraque livres do DAESH, nesse sentido, o projeto de privatizar o terrorismo sofrerá um revés e fatalmente será descontinuado, pelo menos com tamanha intensidade na região. Até mesmo o papel que a Arábia Saudita tem desempenhado no Iêmen será alvo de um maior questionamento. Isso implicará em uma onda inevitável de questionamentos da sociedade árabe sobre o papel que a OTAN tem desempenhado na região. Destruído o DAESH na Síria, a Rússia voltará à prontidão para o Afeganistão e regiões próximas, já que o eixo da “Guerra ao Terror” voltará para a terra dos mujahidins, não atoa o presidente Donald Trump já anunciou que voltará a mandar tropas para o Afeganistão.

Hoje a Síria é a mais perigosa esquina do mundo, é preciso cuidado ao dobra-la.

 

João Claudio Platenik Pitillo
João Claudio Platenik Pitillo é professor de História licenciado pela UERJ, mestre em História Comparada pela UFRJ e doutorando em História Social pela UNIRIO. Como membro do NUCLEAS-UERJ (Núcleo de Estudos das Américas) pesquisa os processos revolucionários latino-americanos do século XX a partir do conceito de "Nacionalismo Revolucionário". No âmbito das Relações Internacionais estuda o advento do “Terrorismo Global” e o surgimento do “Novo Califado”. Como especialista em Segunda Guerra Mundial pesquisa e escreve sobre o Exército Vermelho e a importância da Frente Leste para o contexto geral da Guerra.