ISSN 2674-8053

Festa ou desafio da democracia: as eleições gerais na Índia

Tem início hoje o que os indianos chamam de “a grande festa da democracia”, ou seja, as eleições gerais na “maior democracia do planeta”, para os 545 assentos do “Lok Sabha”, a Câmara Baixa (equivalente à nossa Câmara dos Deputados), seguindo o sistema bicameral do país. Os 245 assentos na Câmara Alta, o “Rajya Sabha”, têm um sistema distinto para o sufrágio dos seus ocupantes.

Este será o 17º Parlamento a ser eleito desde a independência da Índia, em 1947. Segundo a “Comissão Eleitoral”, cerca de 900 milhões de pessoas deverão compareçer às 10.359.180 seções eleitorais em todo o país. Dada a complexidade do sistema e a quantidade de eleitores, o pleito será repartido em dez fases, acompanhando o calendário das votações delineado por seus 29 estados e 07 territórios. Por esta razão, ficou definido o dia 19 de maio para o encerramento da votação e o dia 23 do mesmo mês para o anúncio dos eleitos.

Caberá ao partido – ou a coligação – que obtiver o maior número de assentos a formação do novo governo e a designação do Primeiro Ministro. São necessários 272 votos para que isto ocorra. Os principais partidos que participam do pleito, o Bhraratiya Janata Party (BJP), liderado pelo atual Primeiro-Ministro, Narendra Modi, e o India National Congress (Partido do Congresso), chefiado pelo “herdeiro” da dinastia Nehru, Rahul Gandhi, definirão o futuro da Índia.

Os temas em pauta vão do desemprego/subemprego e o processo de desenvolvimento à segurança da o país A respeito, cabe relembrar que Modi venceu as eleições de 2014 amparado em sua agressiva plataforma econômica, que privilegia a iniciativa privada, e no êxito da sua gestão como “Chief Minister” (governador) do Estado de Gujarat. Na liderança do país Modi tentou – e obteve percebido êxito – em aplicar esta mesma política, tornando-o muito popular junto às grandes massas. Devido à sua imagem de honesto, trabalhador incansável e empenhado em alavancar o seu país a um patamar superior na liderança mundial, os analistas prognosticam que o BJP vencerá as eleições com certa folga.

Seu principal oponente, Rahul Gandhi – filho de Rajiv, neto de Indira Gandhi e bisneto do fundador da Índia, e seu primeiro Primeiro-Ministro Jawaharlal Nehru – lidera o “Congress Party”, que desde a sua fundação, em 1885, fez a história da Índia, mas sofreu desgaste ao longo do tempo em que permaneceu praticamente inconstestado no poder. Isto se deveu em muito às indefinições que caracterizaram seus últimos anos de governo, principalmente por não ter sabido interagir com os partidos regionais que proliferaram nestes últimos tempos, muitos chefiados por líderes populistas, certos deles por mulheres, algumas delas ex-atrizes de Bollywood.

No entanto, as plataformas eleitorais desta feita têm um espectro mais amplo, e abrangem dois temas de grande sensibilidade para a população: o primeiro deles, no qual insiste o BJP/ Modi, é o “fator Paquistão”, eterno “bode expiatório” agregador do sentimento nacionalista dos indianos. Recordemos que o país ainda está convulsionado pelos recentes confrontos com o Paquistão na região da Caxemira, conforme relatei na minha postagem do dia 28/02 (“BRINCANDO COM FOGO”). Uma vez mais, a animosidade contra os “vizinhos”, que é como os indianos se referem “condescendentemente” aos paquistaneses, volta a ocupar a agenda agregadora do eleitorado.

No entanto, é o segundo tema, a exacerbação do nacionalismo hindu, consubstanciado na crescente radicalização da corrente que sufraga o princípio do(a) Hindutva, – do(a) qual Modi é adepto – que causa preocupação. O sentimento de “superioridade” da população hindu (mais de 80% dela) e dos valores do hinduísmo sobre os demais credos e minorias religiosos tem levado a paroxismos de violência comunitária,, como foi o como foi o caso do linchamento de alguns operários muçulmanos que se desfaziam da carcaça de uma vaca (sagrada para os hindus, como se sabe).

Foi por esta razão, aliás, que a Constituição da Índia sufragou no seu preâmbulo o princípio do laicismo, sem o qual o país se torna praticamente ingovernável.E é sobre esta questão que reside, em última instância, a preocupação quanto ao futuro da Índia sob a continuada liderança do BJP.

Neste cenário, persiste o dilema: as eleições são uma “festa”, ou um desafio para a democracia da “maior democracia do planeta”? To be continued.

Recomendo aos amigos a leitura das matérias do “Hindustan Times”, abaixo:

https://www.hindustantimes.com/…/story-L19M1AV3wfqRLrYOpDQJ…

https://www.hindustantimes.com/…/story-9KLSmZoWKlTaRIBBE9u6…HINDUSTANTIMES.COMLok Sabha elections 2019 Phase 1 polling LIVE Updates- BSF fires in air after people try to vote without IDs in UP’s Kairana

Fausto Godoy
Doutor em Direito Internacional Público em Paris. Ingressou na carreira diplomática em 1976, serviu nas embaixadas de Bruxelas, Buenos Aires, Nova Déli, Washington, Pequim, Tóquio, Islamabade (onde foi Embaixador do Brasil, em 2004). Também cumpriu missões transitórias no Vietnã e Taiwan. Viveu 15 anos na Ásia, para onde orientou sua carreira por considerar que o continente seria o mais importante do século 21 – previsão que, agora, vê cada vez mais perto da realidade.