ISSN 2674-8053

Nacionalismo das vacinas e suas implicações para a globalização

É evidente que quanto mais cooperação e solidariedade houver entre nações, mais rápido acabará a pandemia do Covid-19, sendo necessária a colaboração entre os Estados, para que assim as vacinas sejam disponibilizadas de forma rápida e eficaz para o maior número possível de países. Com o mundo cada vez mais interconectado por conta da interdependência complexa, onde a ação de cada ator impacta todo o sistema internacional, o que ocorreu em detrimento do Sars-coV-2 só será relativamente controlado com a imunização de uma parcela significativa da população mundial, uma vez que o vírus e as pessoas que o portam circulam de um lugar para o outro, possibilitando o surgimento de novas variantes. Contudo, com o crescente sentimento de nacionalismo exacerbado entre as nações, se desempenha, em muitos casos, um comportamento segmentado dos governos, sem que haja cooperação entre eles, já que um busca se autofortalecer e ser “melhor” perante os demais. Com isso, é evidente a defasagem que se encontra a distribuição de vacinas, o que conclui uma falta de integração em sua diplomacia. Logo, o problema reside na tensão entre uma lógica territorial de soberania ilimitada para uma lógica progressivamente desterritorializada e transnacional, que será somente eficaz de houver uma coordenação de esforços entre os estados.

A campanha de vacinação do Reino Unido vem sendo realizada em ritmo acelerado em comparação com a maior parte do mundo, de acordo com dados fornecidos pela Universidade Johns Hopkins. Tais informações constatam que até o dia 04 de abril de 2021, mais de 36 milhões de doses contra a Covid-19 foram aplicadas, com cerca de 8,1% da população britânica inteiramente vacinada. Além disso, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, negociou em março de 2021 com sete laboratórios, acertando a compra de 457 milhões de imunizantes.

Já a UE, que coordena negociações com laboratórios e distribui as doses adquiridas entre os 27 países membros, fechou seus dois primeiros contratos em agosto de 2020, adquirindo assim 225 milhões de doses da biofarmacêutica alemã CureVac e 300 milhões de doses da vacina AstraZeneca, totalizando 525 milhões, quantia suficiente para imunizar cerca de 60% da população do bloco. Uma das fábricas da Pfizer está situada na Bélgica (membro da UE), com seu atraso na produção de vacinas, a UE chegou a adotar medidas burocráticas de exportação de vacinas feitas em seu território, tendo como principal objetivo vacinar primeiro os habitantes do bloco; a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, chegou a fazer ameaças de interromper completamente a exportação de vacinas por parte do bloco em um pronunciamento feito por ela no dia 23 de março deste ano.

De acordo com Duke Global Health Innovation Center, em outubro de 2020 a União Europeia já havia garantido a reserva de mais de 1 bilhão de doses, quantidade mais que suficiente para imunizar toda sua população. Ainda assim, a UE seguiu fechando acordos, como a compra de 300 milhões de doses da Pfizer-BioNTech, acertada em 11 de novembro do mesmo ano. Além disso, o Reino Unido, apesar de não restringir explicitamente a exportação de doses produzidas no país, o governo acertou um contrato com a AstraZeneca que as vacinas produzidas em solo inglês devem ser entregues aos britânicos primeiro. Com isso, fica evidente uma política de expansão da imunização em sua população, criando contrastes com os demais países, principalmente com os mais pobres que ainda não iniciaram suas campanhas de vacinação ou a fazem em ritmo bem lento.

Em tal cenário denota-se interesses geopolíticos na diplomacia da vacina, que em um primeiro momento vem sendo conduzida por determinados governos, adotando estratégias de priorização em sua população, podendo ser interpretada como um “nacionalismo das vacinas”. Em contrapartida, russos e chineses aproveitam o contexto para ampliar a sua capacidade de influência global; no caso da China, o país se comprometeu a entregar lotes de vacinas de COVID-19 gratuitos para 69 países e efetuar exportações comerciais para pelo menos outros 28, visando uma oportunidade de se inserirem no mercado de saúde mundial, dada a situação atual em que os países pobres que não possuem setores farmacêuticos industriais desenvolvidos sem qualquer perspectiva de vacinação em curto/médio prazo sem ajuda externa, além de ser um mercado vantajoso, pois movimenta cerca de $8.4 trilhões todos os anos. Para a Rússia, produzir e vender uma vacina nacional é muito bom para fortalecer o prestígio econômico e político do país, além de moldar o seu soft power, já que muitos enxergam o país cujas únicas forças econômicas são gases naturais, petróleo e armas. Com isso, tal avanço sino-russo ao mundo subdesenvolvido gera preocupação a líderes europeus, como o presidente francês Emmanuel Macron, o qual critica a passividade do bloco em alertar a falta de transparência das vacinas chinesas e russas. Para ele, é evidente um “sucesso diplomático” em que se encontra a China com sua eficiência em exportar e distribuir mundialmente doses, colocando a posição europeia em certa inferioridade.

Para garantir novos meios de uma distribuição mais justa de vacinas ao redor do mundo, a Índia e África do Sul entraram em outubro de 2020 com um pedido na OMC para suspender temporariamente as patentes de doses e compartilhar o know-how tecnológico necessário para a produção delas. Diversos países europeus foram contra, inclusive membros da UE, tendo sofrido forte pressão das suas empresas farmacêuticas, empresas essas que mesmo em um momento muito delicado acabam se preocupando mais com o lucro do que com um bem-estar comum. Alguns dos argumentos utilizados por líderes europeus contrários a essas medidas são que as mesmas poderiam gerar um desinteresse das farmacêuticas no desenvolvimento dos imunizantes e até mesmo provocar eventuais retaliações. Num apelo conjunto, centenas de legisladores europeus (eurodeputados e deputados nacionais) têm apelado à Comissão Europeia e aos Estados-Membros da UE que reconsiderem a sua oposição à proposta indiana e sul-africana.

Com isso, o que se pode perceber é que não só na Europa, mas no mundo todo, as vacinas têm sido utilizadas como instrumento de moeda política, o que pode retardar a chegada do tão sonhado mundo pós pandemia, pois quanto[1]  mais a pandemia se prolongar, mais cepas surgirão. O arrastamento da crise dependerá em como os governos irão conciliar certos interesses econômicos com interesses globais de saúde pública.

Por Ana Carolina Olmedo e Pedro Soares

Referências:

CHRYSOLORAS, Nikon. Astra Chief’s Response to EU’s Vaccine-Delay Claims: Main Points. Bloomberg.com, 2021. Disponível em: <https://www.bloomberg.com/news/articles/2021-01-27/astra-chief-s-response-to-eu-s-vaccine-delay-claims-main-points>.

DIGITAL, Olhar. O que significa “quebra de patentes” das vacinas contra Covid-19? Olhar Digital. Disponível em: <https://olhardigital.com.br/2021/05/12/coronavirus/entenda-a-proposta-de-quebra-de-patentes-das-vacinas-contra-covid-19/>.

 A saúde global entre o nacionalismo e a diplomacia da vacina. Observatório de Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil. Disponível em:

<https://opeb.org/2021/04/09/a-saude-global-entre-o-nacionalismo-e-a-diplomacia-da-vacina/>.

UNMUBIG, Barbara ; SITENKO, Alexandra. Divididos nós falhamos – Diplomacia das vacinas e suas implicações | Heinrich Böll Stiftung – Rio de Janeiro Office. Heinrich-Böll-Stiftung. Disponível em:

<https://br.boell.org/pt-br/2021/05/06/divididos-nos-falhamos-diplomacia-das-vacinas-e-suas-implicacoes>.

COVID-19 Vaccine Tracker | European Centre for Disease Prevention and Control. vaccinetracker.ecdc.europa.eu. Disponível em: <https://vaccinetracker.ecdc.europa.eu/public/extensions/COVID-19/vaccine-tracker.html#distribution-tab>.

Vaccine Procurement | Launch and Scale Speedometer. launchandscalefaster.org. Disponível em: <https://launchandscalefaster.org/covid-19/vaccineprocurement>.


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