ISSN 2674-8053

O impacto da pandemia de Covid-19 sobre as desigualdades de gênero na Europa

Sendo uma doença com um grande poder de contágio, a Covid-19 espalhou-se por todo o mundo, interrompendo o funcionamento de diversas atividades da sociedade. Em toda a Europa, até o presente momento, o número de mortes ultrapassou mais de 1 milhão, deixando consequências severas na região. Toda essa interrupção, oferece uma oportunidade para mudança, mas também gera o risco de reversões significativas em certos aspectos do progresso social. Nesse contexto, a crise da Covid-19 reforçou as desigualdades de gênero em todas as idades, etnias e grupos sociais. O que já era um problema antes, principalmente em relação às mulheres se acentuou, representando retrocessos à décadas de direitos duramente conquistados.

Os impactos econômicos da pandemia são inquestionáveis, e acabam afetando com mais profundidade os segmentos mais vulneráveis da sociedade, como o sexo feminino, crianças e pessoas de baixa renda, segundo o relatório anual da UE sobre igualdade de gênero. Dentre as dificuldades enfrentadas por elas durante a pandemia, destaca-se o desemprego. A desigualdade de gênero no mercado de trabalho coloca as mulheres em situação de maior vulnerabilidade econômica e se manifesta de diferentes formas. Segundo Schneebaum (2018) e Barbieri (2016), elas não só têm menos acesso à poupança e riqueza, como também estão mais propensas à pobreza. Também, representam alguns dos setores mais afetados pela pandemia, como acomodação, alimentação, vendas e manufatura. Um exemplo muito forte de como a pandemia as afetou no mercado de trabalho é a Sérvia, onde, entre abril e julho de 2020, 34.700 mulheres perderam seus empregos, enquanto os homens tiveram um aumento líquido de 1.500 mais empregados.

Segundo Jill Rubery e Isabel Tavora (2020), e pesquisa da Forbes (2021) sobre o tema, pode-se concluir que, com o isolamento social, muitas famílias com crianças tiveram que assumir mais responsabilidades por tempo integral, levando em conta o fechamento de creches e escolas. Além de atividades domésticas e cuidados com os filhos serem automaticamente vinculados a mulheres, nos casais heterossexuais, é comum que essas ganhem menos do que os homens. As mães também são responsáveis por ajudar na aprendizagem, de forma que o ensino à distância dificultou muito que crianças pequenas conseguissem aprender e prestar atenção nas aulas online, fazendo com que assumissem a responsabilidade de ajudar os filhos nos deveres e trabalhos, além de supervisionar as aulas online. Dependendo da situação familiar, muitas mulheres se encontraram sem aparelhos eletrônicos para realizar seu próprio trabalho, já que os disponíveis estavam sendo utilizados. Dessa forma, muitas delas viram-se encurraladas e forçadas a abandonarem seus empregos, para poder dedicar a maior parte do tempo aos seus filhos e às atividades do lar, dependendo do salário de seus maridos. 

A separação das tarefas domésticas, sendo associadas às mulheres, também tem um grande impacto nesse quesito, uma vez que homens geralmente têm mais facilidade em acessar e utilizar aparelhos eletrônicos, enquanto as mulheres, que por muitas vezes não tem o tempo ou a oportunidade, pois ficam ocupadas com trabalho doméstico não-remunerado, acabam ficando para trás na onda tecnológica. Empresárias e proprietárias no setor de micro, pequenas e médias empresas (MPME) também foram muito afetadas pela crise. O projeto SEIA do Azerbaijão, mostra que a perda de fluxo de caixa afetou 22,5% das empresas lideradas por mulheres, sendo estas 20% mais afetadas do que as empresas lideradas por homens. Após a pandemia, é esperado um mundo muito mais ligado ao home office, fluência digital, inovação, adaptação ágil, infraestrutura e investimentos em fluência tecnológica, o que pode resultar, futuramente, em uma disparidade salarial de gênero ainda maior.

Nos anos anteriores à pandemia, a participação da mulher no mercado de trabalho europeu havia se mostrado crescente e com expectativas para continuar aumentando e buscar reduzir a desigualdade, mesmo com menor número de mulheres atuando do que homens. No ano de 2019, a taxa de desemprego dessas na Zona do Euro era de 7,7%, enquanto em 2020, o auge da pandemia no continente europeu, atingiu o maior número dos últimos anos, chegando a 8,7%. Com o processo de vacinação e a tentativa de reestabelecer a economia afrouxando as medidas de isolamento social, é importante ressaltar que, no primeiro trimestre de 2021, a taxa caiu para 8,4%, mostrando uma possível reinserção das mulheres no mercado de trabalho. Segundo o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, “A Covid-19 poderia reverter o progresso limitado que foi feito em igualdade de gênero e direitos das mulheres”. Isso porque, a grande maioria dos profissionais de saúde, as mulheres, estavam na linha de frente da pandemia, com maior exposição ao risco, podendo ter maior visibilidade e valorização de seus trabalhos nos serviços de saúde e cuidados, porém, o que realmente aconteceu foi o contrário.

Além disso, o confinamento domiciliar de famílias e o fechamento de escolas, durante a pandemia, tiveram implicações graves para segurança das mulheres em casa, com um aumento na violência doméstica em toda a região, uma vez que mulheres e crianças foram obrigadas a ficar com seus agressores no mesmo domicílio, sem a capacidade de evadir ou de pedir ajuda. A insegurança financeira pode forçar as vítimas a ficarem com seu agressor (OCDE, 2020). Na Europa, antes da pandemia, esse tipo de violência já era comum. Segundo a Folha de São Paulo, uma em cada três mulheres (33%) sofria violência física e/ou sexual na UE. Porém, com o Covid, esse problema se intensificou de forma alarmante. Na França, os relatos de violência doméstica cresceram 30% depois do início da quarentena; na Espanha, pedidos de ajuda pelo telefone cresceram 18% depois do confinamento; no Chipre, chamadas aumentaram 30%. Os incidentes e as evidências são cada vez mais frequentes, persistindo até os dias atuais, mostrando que o isolamento e confinamento levam ao aumento dos níveis de violência doméstica, sexual e de gênero – e, portanto, a uma maior necessidade de proteção contra isso.

Portanto, a pandemia teve um impacto profundo e desproporcional sobre mulheres e meninas — sofreram taxas de desemprego mais altas, níveis crescentes de violência dentro de casa e um aumento acentuado nos cuidados não remunerados e no trabalho doméstico. Como uma alternativa para poupar e ajudar as mulheres, os governos de alguns países europeus ofereceram apoio financeiro para organizações anti-violência doméstica, centros de aconselhamento para pedirem ajuda presencialmente, a aquisição de hotéis vazios para a acomodação de vítimas de violência doméstica, linhas de telefone abertas 24h e endereços de e-mail destinados somente a isso. Com a reabertura econômica, é necessário implementar medidas de proteção social e de redistribuição do trabalho, de forma que as mulheres tenham acesso e oportunidades iguais aos homens. É essencial a presença de mulheres em setores públicos e cargos altos, eliminando as barreiras de gênero de inovação, tecnologia e habilidades digitais, além da iniciativa de investimentos em serviços sociais que foram afetados pela pandemia. 

Por Gabriela Lombardi e Giulia Vanni

Referências: 

Blasko, Z., Papadimitriou, E. and Manca, A.R.. How will the COVID-19 crisis affect existing gender divides in Europe, EUR 30181 EN, Publications Office of the European Union, Luxembourg, 2020, ISBN 978-92-76-18170-5. Disponível em: https://publications.jrc.ec.europa.eu/repository/handle/JRC120525. Acesso em 12/06/2021.

Gender equality in Covid-19 response in Europe and Central Asia. Unicef, fevereiro de 2021. Disponível em: https://www.eurasia.undp.org/content/rbec/en/home/library/gender-equality/gender-equality-covid-19-response-in-europe-and-central-asia.html. Acesso em 11/06/2021.

Women’s rights and the Covid-19 pandemic. Council of Europe. Disponível em: https://www.coe.int/en/web/genderequality/women-s-rights-and-covid-19. Acesso em: 14/06/2021.

Rubery, Jill; Tavora, Isabel. The Covid-19 crisis and gender equality: risks and opportunities. Social policy in the European Union: state of play 2020. Disponível em: https://www.etui.org/sites/default/files/2021-01/06-Chapter4-The%20Covid%E2%80%9119%20crisis%20and%20gender%20equality.pdf. Acesso em 13/06/2021. 

Cook, Rose; Grimshaw, Damian. A gendered lens on Covid-19 employment and social policies in Europe. Taylor Francis Online, 13/10/2020. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/14616696.2020.1822538. Acesso em 13/06/2021.

Maestripieri, Lara. The Covid-19 Pandemics: why Intersectionality Matters. Frontiers in Sociology, 26/03/2021. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fsoc.2021.642662/full. Acesso em 12/06/2021.

Reuters Covid-19 Tracker. Disponível em: https://graphics.reuters.com/world-coronavirus-tracker-and-maps/pt/regions/europe/. Acesso em: 11/06/2021.

Zona Euro: Desemprego, 2021. Disponível em: https://pt.countryeconomy.com/mercado-laboral/desemprego/zona-euro. Acesso em: 12/06/2021.

Violência doméstica cresce em países da Europa durante isolamento. CNN Brasil, 21/05/2020. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/05/21/violencia-domestica-cresce-em-paises-da-europa-durante-isolamento. Acesso em: 13/06/2021.

Confinamento eleva o número de casos de violência doméstica na Europa. Folha de São Paulo, 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/04/europa-adota-remedios-de-emergencia-para-epidemia-de-violencia-domestica.shtml. Acesso em 12/06/2021. 

União Europeia diz que a pandemia afeta mais mulheres. Forbes, 05/03/2021. Disponível em: https://forbes.com.br/forbessaude/2021/03/uniao-europeia-diz-que-pandemia-afeta-mais-mulheres-sobretudo-na-linha-de-frente/. Acesso em 15/06/2021. 

Núcleo de Estudos e Negócios Europeus
O Núcleo de Estudos e Negócios Europeus (NENE) está ligado ao Centro Brasileiro de Estudos de Negócios Internacionais & Diplomacia Corporativa (CBENI) da ESPM-SP. Foi criado considerando a necessidade de estimular a comunidade acadêmica brasileira e latino-americana a compreender melhor suas relações com os europeus, buscando compreender e aprofundar a Parceria Estratégica Brasil – União Europeia.