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Valores liberais e seu papel nas relações internacionais brasileiras

A Ascensão dos Valores Liberais: Um Olhar sobre a Desvinculação Familiar e Religiosa em Países Desenvolvidos

A discussão sobre a Família e a Religião ainda é muito importante no Brasil, tendo sido fundamental tanto na eleição de Bolsonaro quanto na mais recente de Lula para a presidência. Independentemente do posicionamento que cada um queira adotar, é importante considerar que essa é uma questão mais ampla.

Os valores liberais têm ganhado destaque nas últimas décadas, especialmente em países mais desenvolvidos. Esse fenômeno está diretamente relacionado à progressiva desvinculação dos valores tradicionalmente associados à família e religião.

Os valores liberais são fundamentados em princípios como liberdade individual, igualdade, autonomia e tolerância. Eles defendem o respeito às escolhas e crenças de cada indivíduo, com um foco especial na separação entre Estado e religião. Essa filosofia tem suas raízes na Era da Iluminação, quando pensadores como John Locke e Adam Smith questionaram a autoridade absolutista e promoveram a primazia do indivíduo.

Uma das características marcantes dos valores liberais é a desvinculação dos padrões familiares tradicionais. Em sociedades mais desenvolvidas, os indivíduos têm maior acesso à educação, informação e recursos financeiros, o que lhes permite questionar e reinterpretar os papéis familiares tradicionais. O casamento e a maternidade/paternidade já não são vistos como as únicas metas de vida, abrindo espaço para outras formas de relacionamento e de realização pessoal.

A autonomia individual é valorizada e incentivada, permitindo que as pessoas construam suas vidas de acordo com suas preferências e escolhas. O desprendimento de obrigações familiares estritas também tem contribuído para um aumento na participação das mulheres no mercado de trabalho e uma mudança nos papéis de gênero, onde homens e mulheres compartilham responsabilidades e tomadas de decisão.

Outro aspecto importante do liberalismo é a separação entre religião e Estado. Esse princípio tem sido particularmente prevalente em países mais desenvolvidos, onde a secularização da sociedade se tornou uma tendência dominante. O desenvolvimento da ciência, o acesso à educação e a disseminação de ideias seculares contribuíram para um declínio gradual da influência das instituições religiosas na vida cotidiana das pessoas.

A religião tem sido cada vez mais considerada uma questão privada, e a diversidade religiosa e espiritual tem sido mais aceita e respeitada. As sociedades mais desenvolvidas tendem a ter leis e políticas que protegem a liberdade de crença e garantem a separação entre religião e Estado, permitindo que cada indivíduo siga sua própria fé (ou a ausência dela) sem interferência governamental.

Os países mais desenvolvidos frequentemente utilizam os valores liberais como uma forma de influência e persuasão em suas relações com outras nações. Essa influência pode ser exercida por meio de várias estratégias e abordagens, tanto políticas quanto econômicas. Abaixo estão algumas das principais formas como os países desenvolvidos usam os valores liberais para influenciar outros países:

* Diplomacia e Relações Internacionais: Os países mais desenvolvidos podem utilizar a diplomacia para promover valores liberais em fóruns internacionais e nas relações bilaterais com outros países. Eles podem defender a importância da democracia, dos direitos humanos, da igualdade de gênero e da liberdade de expressão, buscando convencer outros países a adotarem esses princípios.

* Ajuda e Cooperação Internacional: Muitos países desenvolvidos condicionam a ajuda e a cooperação internacional ao respeito aos valores liberais e ao cumprimento de determinados padrões democráticos e de direitos humanos. Eles podem oferecer incentivos financeiros e apoio técnico em troca do compromisso do país beneficiado em adotar reformas democráticas e políticas liberais. O caso dos BRICS é simbólico, na medida em que envolve países com diferentes bases culturais, e, ainda assim, é a cooperação se mostra salutar.

* Acordos e Tratados Comerciais: Ao negociar acordos e tratados comerciais, os países desenvolvidos podem incluir cláusulas que promovam os valores liberais. Por exemplo, podem exigir que os países parceiros respeitem os direitos trabalhistas, a proteção ambiental ou a propriedade intelectual, buscando alinhar esses países com seus próprios padrões liberais.

* Promoção da Sociedade Civil: Os países desenvolvidos podem apoiar organizações da sociedade civil em outros países que defendem princípios liberais, como a liberdade de imprensa, a proteção dos direitos humanos e o fortalecimento da democracia. Isso pode ser feito por meio de financiamento direto, treinamento ou troca de conhecimentos.

* Troca de Valores e Cultura: Através da mídia, da cultura popular, da educação e do intercâmbio acadêmico, os países mais desenvolvidos podem disseminar valores liberais e ideias democráticas para além de suas fronteiras. Essa influência cultural pode ter um impacto significativo na forma como outros países veem e entendem os princípios liberais.

* Liderança em Organizações Internacionais: Os países desenvolvidos frequentemente ocupam posições de liderança em organizações internacionais, como as Nações Unidas, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Essa liderança lhes permite promover a adoção de políticas liberais em escala global e influenciar as agendas e prioridades dessas organizações.

* Exemplo de Sucesso: A prosperidade econômica e a estabilidade política alcançadas pelos países mais desenvolvidos, muitas vezes, são usadas como exemplos de como a adoção de valores liberais pode levar ao progresso e ao bem-estar social. Essa narrativa pode atrair outros países que desejam alcançar níveis semelhantes de desenvolvimento.

Ao termos em mente essas formas de atuação/influência, é preciso contextualizar a discussão no nível público (ainda que no privado cada um tenha liberdade de seguir o caminho que preferir), a fim de que tenhamos consciência de como nos relacionamentos internacionalmente e qual o impacto disto.

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X