Em uma época em que o digital ultrapassa a presença física, nos vemos cada vez mais conectados globalmente e, paradoxalmente, desconectados de nossas raízes locais. A tecnologia tem transformado a forma como interagimos e nos identificamos, trazendo à tona uma nova realidade onde o senso de comunidade física é substituído por grupos digitais e redes sociais. Esse processo tem suas nuances e consequências, especialmente quando observamos comunidades com tradições enraizadas e valores transmitidos há séculos.
Para muitos grupos indígenas e tradicionais da África, o digital surge como uma ferramenta dupla: um meio de divulgação e preservação, mas também de perda e fragmentação. A tecnologia permite que tradições sejam registradas, como cantos e rituais, e que linguagens quase extintas sobrevivam em vídeos ou em plataformas de aprendizado online. No entanto, essa preservação digital nem sempre substitui a experiência autêntica e coletiva que era vivida em comunidade, na presença física dos anciãos e no ambiente onde a tradição naturalmente floresceu. Uma prática ancestral que acontece em um vídeo de cinco minutos se esvazia de significado em comparação com a vivência em grupo, onde os sentidos, os gestos e o ambiente compartilham memórias invisíveis, que dificilmente podem ser capturadas por uma tela.
Na Ásia, vemos um fenômeno similar, especialmente em culturas onde a vida espiritual e social se entrelaçam de forma intrínseca. Os festivais, que por séculos reuniram famílias e comunidades inteiras em celebrações como o Diwali na Índia ou o Tet no Vietnã, hoje convivem com uma nova forma de interação que se limita ao envio de mensagens ou vídeos de celebração em redes sociais. Em meio ao caos da vida urbana, jovens asiáticos adotam identidades múltiplas que incluem suas tradições e, ao mesmo tempo, se moldam pela tecnologia ocidental. Essa convivência com o digital traz uma identidade fragmentada, onde o pertencimento está menos ligado ao local de origem e mais à sensação de pertença em uma comunidade global, que é, ironicamente, formada por milhões de indivíduos desconhecidos.
No ocidente, essa fragmentação é ainda mais acentuada. A sociedade, que já experimentava um distanciamento entre as gerações e uma transição de valores mais acelerada, abraçou o digital com entusiasmo. A experiência de pertencimento, que antes girava em torno da comunidade local, passou a ser determinada por afinidades ideológicas, interesses e preferências pessoais amplamente representados nas redes sociais. Em vez de tradições e valores familiares, hoje vemos as identidades se fragmentarem em tribos digitais. Essas “tribos” representam ideais momentâneos, que desaparecem com a mesma rapidez com que surgiram, criando uma sensação de identidade temporária e instável.
Essa transformação digital parece aproximar os jovens globalmente, mas afasta cada vez mais as pessoas das bases que antes sustentavam suas identidades. A busca pelo “novo” e pelo “instantâneo” deixa pouco espaço para o cultivo da herança cultural e das tradições que exigem tempo, atenção e um ambiente físico compartilhado. Em todo o mundo, a digitalização das relações e das práticas culturais altera profundamente o modo como compreendemos quem somos e com quem compartilhamos nossa jornada. Hoje, experimentamos uma solidão conectada, onde podemos ser vistos e ouvidos por muitos, mas compreendidos por poucos.