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Canal do Panamá e a retórica de Trump revelam instabilidade dos Estados Unidos como parceiro internacional

O Canal do Panamá sempre foi mais do que uma simples obra de engenharia. Ele é, desde sua criação, um símbolo de disputas geopolíticas, interesses comerciais e hegemonia. Controlado pelos Estados Unidos ao longo do século XX, o canal foi, por décadas, uma peça estratégica para o poder norte-americano nas Américas e no mundo. Quando o Panamá assumiu seu controle pleno em 1999, após décadas de pressão diplomática e resistência popular, parecia que os tempos de intervenção direta haviam ficado para trás. Mas as falas recentes de Donald Trump indicam que essa página pode não estar totalmente virada.

Em seus discursos de campanha e entrevistas, Trump voltou a levantar a possibilidade de retomar o controle do Canal do Panamá. Para alguns, pode ter soado como mais uma bravata do ex-presidente, conhecido por suas declarações provocativas. Para outros, trata-se de um sinal de alerta: a maior potência econômica e militar do planeta, em vez de se apresentar como aliada de países latino-americanos, volta a exibir traços de uma lógica intervencionista que muitos julgavam ultrapassada. O próprio ato de sugerir a reocupação de uma infraestrutura sob soberania panamenha já é, por si só, um ataque à legitimidade das instituições multilaterais e à ideia de respeito entre nações.

Esse tipo de retórica compromete seriamente a imagem dos Estados Unidos como parceiro confiável. Quando um líder político de tamanha influência coloca em dúvida a integridade dos acordos internacionais — ainda que sob a forma de especulação ou promessa de campanha — ele reativa memórias históricas de dominação e incerteza. Isso não apenas afeta as relações bilaterais com o Panamá, mas também repercute em toda a América Latina, onde o histórico de intervenções norte-americanas é longo e doloroso.

A questão não está apenas nas palavras, mas na lógica que elas representam. Quando Trump sugere reaver o canal, ele reativa uma visão de mundo em que os Estados Unidos se autorizam a revisar unilateralmente o status quo internacional sempre que seus interesses estiverem em jogo. Essa postura não apenas fragiliza alianças, mas lança dúvidas sobre a durabilidade de qualquer acordo firmado com Washington. Em vez de segurança jurídica e estabilidade, o que se vê é a possibilidade de rupturas e reversões arbitrárias.

Essa percepção se torna ainda mais preocupante quando inserida num contexto de competição global crescente. Países como China, Rússia, Índia e Turquia têm buscado ocupar espaços deixados pelos Estados Unidos em regiões estratégicas, oferecendo parcerias que, ainda que não isentas de interesses, vêm acompanhadas de uma retórica menos conflituosa e mais voltada à cooperação. Em contraste, quando uma liderança americana fala em retomar à força um canal sob soberania de outro Estado, o contraste com os discursos alternativos salta aos olhos.

Mais do que um episódio isolado, o caso do Canal do Panamá lança luz sobre a dificuldade dos Estados Unidos em aceitar uma ordem mundial em transformação. A transição de um mundo unipolar para outro mais distribuído, com múltiplos polos de poder e influência, exige novas formas de atuação e relacionamento. No entanto, parte da elite política norte-americana parece preferir o retorno a um passado de imposições e hegemonia unilateral, mesmo que isso signifique romper com princípios básicos do direito internacional.

Para países como o Brasil, que buscam construir uma presença global mais autônoma e equilibrada, esse tipo de comportamento é um lembrete da importância de diversificar suas alianças e não depender exclusivamente de potências cujas posições variam ao sabor de ciclos eleitorais. A instabilidade na política externa dos Estados Unidos, acentuada por lideranças populistas, faz com que acordos de longo prazo se tornem vulneráveis, e que parcerias estratégicas precisem ser constantemente recalculadas.

O caso do Canal do Panamá, portanto, é mais do que uma controvérsia sobre uma rota marítima: é um espelho das dificuldades dos Estados Unidos em consolidar-se como um parceiro estável no século XXI. Em um mundo cada vez mais interdependente, credibilidade e previsibilidade valem tanto quanto força militar ou capacidade econômica. E neste quesito, declarações como as de Trump corroem os alicerces de qualquer confiança construída ao longo das décadas.

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