
O processo eleitoral de 2025 no Equador expôs, de forma inquietante, o quanto a política latino-americana ainda está sujeita a dinâmicas externas, especialmente à influência dos Estados Unidos. A vitória de Daniel Noboa, que buscava sua reeleição em meio a uma crise política e de segurança sem precedentes, foi acompanhada por denúncias, tensões e uma crescente percepção de que os rumos do país estavam sendo definidos não apenas nas urnas, mas também fora de suas fronteiras.
Ainda que a vitória tenha sido confirmada pelas autoridades eleitorais, o ambiente que cercou o pleito esteve longe da normalidade democrática. A oposição, liderada por forças ligadas ao correísmo, denunciou mudanças bruscas em regras de votação, manipulações administrativas e tentativas de desmobilização de seus eleitores. Mas o que mais chamou a atenção foi a maneira como os Estados Unidos se posicionaram ao longo do processo — com elogios antecipados ao governo em exercício, aproximações informais com o candidato favorito e sinais claros de preferência política.
Esses movimentos não são inéditos. A América Latina tem uma longa história de interferência externa em seus processos políticos, seja por vias econômicas, militares ou diplomáticas. O que torna o caso do Equador particularmente grave é o momento em que ele acontece: num cenário de enfraquecimento institucional, aumento da violência ligada ao narcotráfico e fragilidade do tecido social, qualquer sinal de apoio externo pode ser interpretado como uma validação ou endosso a políticas que ainda estão sendo contestadas internamente. O gesto simbólico de uma viagem não oficial de Noboa aos Estados Unidos pouco antes das eleições reforça a ideia de um jogo político transnacional, em que alianças são costuradas fora do alcance da população local.
Esse tipo de comportamento compromete não apenas a autonomia equatoriana, mas lança dúvidas sobre a capacidade da América Latina de tomar decisões livres de tutela. Quando uma potência estrangeira demonstra preferência por determinado candidato ou governo, interfere diretamente no equilíbrio do debate interno e distorce os mecanismos legítimos de escolha. Mais do que uma ingerência pontual, trata-se de um modelo de relacionamento que fragiliza a democracia e limita a autodeterminação dos povos.
Para os países vizinhos, como o Brasil, o que ocorre no Equador deve ser acompanhado com atenção. Não se trata apenas de solidariedade regional, mas de entender que os mecanismos de influência externa não reconhecem fronteiras e se adaptam às fragilidades institucionais de cada país. A manutenção de bases militares estrangeiras em solo equatoriano, por exemplo, pode ser lida como um prenúncio de maior ingerência política e estratégica na região, com consequências que extrapolam o território equatoriano.
Em tempos de reconfiguração da ordem mundial, a América Latina precisa decidir se continuará a ser um espaço de manobra para interesses alheios ou se buscará consolidar uma agenda própria, baseada na soberania, no respeito mútuo e na cooperação entre iguais. As eleições no Equador mostraram que ainda estamos longe desse ideal. Mas também revelaram que há forças vivas, dentro e fora dos governos, dispostas a resistir a esse modelo de dependência.
A democracia, para ser legítima, precisa ser construída e defendida com base em escolhas feitas por seus próprios cidadãos, sem tutela, sem chantagem, sem alianças obscuras. Quando isso não ocorre, quando os sinais de ingerência se tornam evidentes, toda a região perde. Perde sua voz, sua dignidade e sua capacidade de sonhar com um futuro verdadeiramente autônomo. O Equador, neste momento, é mais do que um caso isolado: é um espelho dos desafios que ainda precisam ser enfrentados para que a América Latina seja, de fato, dona de seu destino.
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X