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O enfraquecimento das instituições multilaterais revela os limites da ordem global construída após 1945

As instituições multilaterais que moldaram a ordem internacional após a Segunda Guerra Mundial enfrentam, em 2025, um processo crescente de fragilização, desconfiança e irrelevância prática. A Organização Mundial do Comércio (OMC), o Conselho de Segurança da ONU, o Banco Mundial e outros organismos outrora centrais na mediação de disputas e formulação de políticas globais tornaram-se espaços onde a paralisia, a seletividade e a disputa por poder substituíram os princípios da cooperação e da estabilidade. A erosão dessas instituições não é apenas um reflexo das mudanças geopolíticas — ela representa também o esgotamento de um modelo de governança que deixou de responder às realidades do mundo atual.

O projeto multilateral, nascido do pós-guerra, tinha como meta garantir que regras internacionais comuns regulassem as relações entre Estados. A ONU foi criada para evitar novos grandes conflitos; o sistema de Bretton Woods para organizar a economia global; e, mais tarde, a OMC (sucessora do GATT) para garantir um comércio previsível e estável. Ao longo do século XX, essas instituições ganharam força e passaram a exercer papel importante não apenas entre países, mas como fóruns onde o consenso internacional podia ser negociado.

No entanto, o início do século XXI revelou a crescente incapacidade dessas organizações de lidar com as transformações do mundo. A guerra do Iraque em 2003, realizada sem o aval do Conselho de Segurança da ONU, já indicava que o respeito às instituições multilaterais era condicional. A crise financeira global de 2008 mostrou como o FMI e o Banco Mundial continuavam operando sob lógicas que favoreciam interesses ocidentais. Desde então, a ascensão da China, o fortalecimento do Sul Global, o retorno de conflitos interestatais e a crise ambiental colocaram o sistema multilateral diante de desafios que ele não foi capaz de administrar de maneira justa e eficaz.

Um dos exemplos mais emblemáticos da paralisia institucional está na OMC. O órgão de apelação da OMC — responsável por resolver disputas comerciais — está tecnicamente inativo desde 2019, após os Estados Unidos bloquearem as nomeações de novos juízes. Isso comprometeu o sistema de solução de controvérsias que sustentava a credibilidade das regras de comércio global. O impasse persiste em 2025, e os países passaram a buscar acordos bilaterais ou regionais, enfraquecendo ainda mais a lógica multilateral.

No Conselho de Segurança da ONU, a situação é igualmente grave. O uso recorrente do direito de veto por potências permanentes impede a adoção de medidas eficazes diante de crises como a guerra na Ucrânia, o genocídio em Gaza ou o golpe militar no Níger. O resultado é uma ONU paralisada diante dos conflitos mais dramáticos da atualidade, incapaz de agir com legitimidade e eficácia. Tentativas de reforma — como a ampliação do número de membros permanentes — enfrentam resistência justamente de quem mais se beneficia do sistema atual.

Enquanto isso, países do Sul Global expressam crescente frustração. A dependência de financiamento externo em momentos de crise — como durante a pandemia de Covid-19 ou os atuais episódios de superendividamento — revelou o quanto o sistema multilateral funciona com critérios desiguais. Enquanto países europeus e os EUA injetaram trilhões em suas economias, dezenas de países em desenvolvimento ficaram à mercê de linhas de crédito do FMI com condicionalidades severas e com pouca margem de negociação. As promessas de alívio da dívida ou de inclusão de países africanos em decisões estratégicas continuam, em grande parte, no plano retórico.

Esse desequilíbrio gerou respostas alternativas. Fóruns como o BRICS — especialmente após sua ampliação em 2024 — passaram a ser vistos como contrapesos ao sistema ocidental. Iniciativas como o New Development Bank ou o Fundo de Resiliência dos países do Sudeste Asiático buscam oferecer modelos de financiamento fora das estruturas tradicionais. A própria China passou a liderar instituições paralelas, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, e a propor padrões de cooperação mais próximos aos seus interesses estratégicos, inclusive em regiões da África e América Latina.

O risco, nesse cenário, não está apenas no colapso das instituições multilaterais, mas na consolidação de uma ordem internacional marcada pela fragmentação e pela informalidade. A multiplicação de acordos bilaterais, instituições paralelas e zonas de influência pode enfraquecer ainda mais a capacidade de construir consensos globais sobre temas como clima, segurança cibernética, inteligência artificial e migrações — todos desafios que, por definição, exigem coordenação entre nações.

A crise da governança multilateral mostra que o problema não é apenas técnico ou de gestão. Trata-se de uma questão de poder e representatividade. As instituições criadas por e para os vencedores da Segunda Guerra Mundial não foram suficientemente reformadas para refletir a nova distribuição global de poder e interesses. Isso gerou um déficit de legitimidade que corrói sua eficácia.

Para que o multilateralismo volte a ser relevante, será preciso mais do que declarações diplomáticas. Será necessário enfrentar a desigualdade estrutural entre os países dentro das instituições, democratizar os mecanismos de decisão e reequilibrar os interesses em jogo. Caso contrário, as promessas da ordem pós-1945 continuarão a se esvaziar, e o mundo seguirá em direção a uma era de disputas sem árbitros e regras moldadas por quem pode, não por quem tem razão.

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