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Sul Global e a urgência de uma Nova Ordem Internacional

A ordem internacional liberal, moldada após a Segunda Guerra Mundial e consolidada após a Guerra Fria, sempre se sustentou sobre a promessa de estabilidade, cooperação e prosperidade compartilhada. Contudo, o cenário contemporâneo mostra que essa promessa vem se esvaziando. A desigualdade global aumenta, as instituições multilaterais estão paralisadas e as potências ocidentais enfrentam crises internas e externas que corroem sua autoridade moral.

A recente declaração de Xi Jinping, em 1º de setembro de 2025, no fórum da Shanghai Cooperation Organisation, evidencia o novo momento:

“Devemos advogar por uma multipolarização do mundo que seja igual e ordenada, por uma globalização econômica inclusiva e por uma governança global mais justa e equitativa.”

Essa fala não é apenas retórica diplomática. É a afirmação de que o mundo deixou de aceitar uma arquitetura centrada no Ocidente. A “multipolaridade igual e ordenada” a que Xi se refere ecoa o sentimento de dezenas de países que se reconhecem marginalizados por um sistema que os convida ao consumo, mas os exclui das decisões.

Poucas semanas depois, em setembro de 2025, o primeiro-ministro chinês Li Qiang reforçou esse diagnóstico na Assembleia Geral das Nações Unidas, afirmando que “um país que tem em mente o bem maior da humanidade e está pronto para assumir responsabilidades trará mais energia positiva ao mundo”. A frase, embora diplomática, traduz uma crítica direta ao unilateralismo ocidental.

A mensagem é clara: o sistema baseado no “hegemonismo” — um eufemismo para a supremacia política e econômica do Norte — está esgotado. O palco da ONU, tradicional símbolo da universalidade, tornou-se o espaço onde as fissuras da ordem se revelam com nitidez.

Essas duas declarações, vindas de líderes das maiores potências do Sul, não são coincidência. Elas são sintomas de uma transição histórica: o reconhecimento de que o atual sistema internacional já não reflete as correlações de poder, nem as aspirações da maioria da humanidade.

O conceito de Sul Global vai muito além de uma simples categoria geográfica. Ele expressa um projeto político de reequilíbrio — uma tentativa de reorganizar o mundo com base em princípios de soberania, pluralidade e equidade.

Enquanto o Ocidente insiste em narrativas universais — “democracia liberal”, “mercado aberto”, “governança global” — o Sul Global reivindica o direito de pensar o mundo a partir de outras lógicas: cooperação sem imposição, desenvolvimento sustentável com soberania, e integração regional como instrumento de autonomia.

Nesse sentido, o Sul Global é mais do que um bloco de resistência: é uma proposta de futuro. Um mundo multipolar não é necessariamente um mundo conflituoso, mas um mundo onde o poder é distribuído e a diferença, reconhecida como valor.

Se o Sul Global quer se afirmar como alternativa, deve fazê-lo com responsabilidade histórica. Isso significa articular políticas comuns, fortalecer laços econômicos internos e propor novas instituições — capazes de reformar o sistema financeiro internacional e ampliar a voz do Sul nas instâncias decisórias globais.

Mais do que reagir à decadência do Ocidente, o Sul Global precisa propor: uma agenda de cooperação tecnológica, de justiça climática e de soberania energética. O futuro da ordem internacional não se definirá apenas nas capitais ocidentais, mas também em Nova Délhi, Brasília, Pretória, Jacarta e Riad.

As declarações recentes de Xi Jinping e Li Qiang são marcos simbólicos da transição em curso. Elas não apenas criticam a ordem vigente, mas também anunciam a chegada de uma nova lógica global.

O Sul Global surge, portanto, não como antagonista do Norte, mas como herdeiro e reformador da história. Um espaço plural que recusa a imposição de um único modelo civilizacional e busca reconstruir o universal — não mais a partir da dominação, mas do reconhecimento mútuo.

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