ISSN 2674-8053

China e Índia: parceiros?

O “site” de política externa indiano THEPOLICYTIMES.COM publicou hoje matéria sobre as iniciativas que o Primeiro-Ministro Narendra Modi e o Presidente Xi Jinping vêm tomando nestes últimos tempos para estreitar os laços entre a ìndia e a China.. Segundo o “site”, estas iniciativas são um prosseguimento do consenso a que ambos chegaram numa reunião bilateral de quase dez horas que mantiveram durante a reunião de cúpula da “Shanghai Cooperation Summit”/SCO, em Wuhan (China), em junho do ano passado.

De acordo com a matéria, eles decidiram estabelecer um “canal estratégico de comunicação” entre ambos.Segundo o diplomata indiano Gautam Bambawale,que participou da reunião, ““the first and foremost important consensus reached was that India and China are partners in progress and in economic development”, ao que acrescentou “…of course, there are some differences between us. But we will also work on the differences to ensure that the two countries continue to progress and prosper together. We are not going to be away from each other or apart from each other. We are going to do this together,”

Realidade ou mito? Vejamos os “prós”.

Entre outros: 1) os dois líderes estão firmemente comprometidos com o bom andamento do processo de globalização que lhes poderá criar espaços privilegiados no cenário econômico (e político, por extensão) mundial neste século pós-ocidental (como acreditam). Tomam como base as suas vastas “vantagens comparativas” (mão-de-obra abundante e qualificada, entre outras). Não é à toa que os dois governos estão implementando políticas geoeconômicas que visam tal fim: Xi, com a “One Belt, One Road Initiative”, e Modi com a sua política “Look East”, que objetiva cultivar extensas relações econômicas e estratégicas com as nações do Sudeste Asiático, principalmente;

2) ambos fazem de várias associações políticas e econômicas – BRICS, Cúpula de Xangai, G-20, etc. – nas quais suas posições sobre a maioria dos temas são coincidentes. Ou seja, suas percepções quanto aos “ways of the world” são similares;

3) ambos estão situados na região que mais cresce no planeta, com as extensas oportunidades que se descortinam para o comércio intrarregional, sobretudo;

4) são parceiros comerciais importantes: desde 2008 a China é a primeira colocada na lista para os indianos (o que desperta, aliás, suspeitas quanto à invasão de produtos “made in China”);

Mas…e os “contras”?

1) o primeiro deles – e o mais óbvio – tem a ver com o peso específico de ambos na História e com o que julgam ser seus espaços -e papeis – tanto na região quanto no cenário internacional. O passado compartilhado está longe de ser harmonioso: lembremos, por exemplo, o protagonismo da comunidade parsi indiana no tráfico de ópio para a China, no século XIX, que deslanchou as duas nefastas guerras contra o Império Britânico (1839 e 1856);

2) a indefinição das fronteiras que levou os dois países à guerra, em 1962, na região litigiosa nos Himalaias, no estado indiano de Arunachal Pradesh, reconhecida na China como “Tibete do Sul”;

3) a oposição velada (???) da China à pretensão da Índia de tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança da ONU;

4) o refúgio que a Índia deu ao 14º Dalai-lama, em 1959, em Daramsala, no estado de Himachal Pradesh, quando ele escapou à ocupação chinesa do Tibete e instalou ali o “Governo Tibetano no Exílio”:

5) a disputa por espaços junto aos parceiros regionais;

6) e principalmente, o relacionamento mais que estratégico – e histórico – da República Popular da China com o Paquistão, amigo de todas as horas (e para todos os fins, principalmente para uma “joint venture” no porto paquistanês de Gwadar, no Mar de Bengala, no contexto da “Nova Rota da Seda”), o que cria um “jogo pendular” extremamente complexo – Índia/Afeganistão X China/Paquistão;

Pareceria que os “contras” superam os “prós” numa leitura “ocidentocêntrica”. Mas a Ásia não é como a percebemos dos nossos ângulos civilizacionais. Ela tem perdurado há milênios sem grandes traumas intrarregionais que não sejam os derivados do colonialismo (“importado”, portanto). Assim, esta experiência entre os dois gigantes do Continente, caso bem sucedida dará origem a uma potência geoeconômica/política (e humana – mais de 2 bilhões de pessoas…) de dimensões ainda incalculáveis!

Mas, e se não der certo?…bem “à la asiática”, as coisas seguirão como estão…lição de convivência, para mim…

Sugiro aos amigos a leitura da matéria:

THEPOLICYTIMES.COM Post-Wuhan Summit, there is perceptible improvement in India-China relations: Modi, Jinping | thepolicytimes.com

The relations between the two neighbours were strained last year following a 73-day standoff in Doklam in the Sikkim sector of the border.

Fausto Godoy
Doutor em Direito Internacional Público em Paris. Ingressou na carreira diplomática em 1976, serviu nas embaixadas de Bruxelas, Buenos Aires, Nova Déli, Washington, Pequim, Tóquio, Islamabade (onde foi Embaixador do Brasil, em 2004). Também cumpriu missões transitórias no Vietnã e Taiwan. Viveu 15 anos na Ásia, para onde orientou sua carreira por considerar que o continente seria o mais importante do século 21 – previsão que, agora, vê cada vez mais perto da realidade.