Como vimos, ao final da 14ª. Reunião do G-20, em Osaka, o Presidente Donald Trump surpreendeu a todos (inclusive seu “staff” e o próprio Kim Jong-un, pelo que transpirou) ao anunciar bruscamente que, no retorno a Washington, faria um “stop over” na Coreia do Sul e entraria na Zona Desmilitarizada que separa as duas Coreias para dar um “alô” a Kim Jong-Un. Este “alô” durou, na realidade 33 minutos. Tal gesto foi visto como “histórico” pela comunidade internacional.
E de certa forma o foi, porque esse dia – 30 de junho – marcou a data em que pela primeira vez um Presidente dos EUA entrava em “solo inimigo”, pois, não tendo sido ainda assinado um Acordo de Paz que ponha fim à Guerra da Coreia, até agora os Estados Unidos e a Coreia do Norte estão em guerra, pelo menos “tecnicamente”. Desta forma, ele poderia até ter sido tomado como “refém de guerra” pelo regime de Pyongyang… Pura abstração teórica, é claro…
Audácia heroica?… Um gesto de “reconciliação” para desfazer a má imagem deixada em Hanoi, quando a delegação americana abandonou bruscamente o almoço com os norte-coreanos, e buscar retomar o fio das negociações que levariam, finalmente, à completa desnuclearização da península?
Para mim, a novela tem contornos mais dramáticos, que envolvem “egos” e até estratégias ocultas. Explico-me.
De parte dos norte-americanos, a iniciativa poderia ser interpretada como um gesto (“condescendente”…?) da maior potência militar do planeta para com um “tirano ditador” de um país que, não fosse o arsenal nuclear que está construindo, não teria a menor relevância para o Império. E D.T. entraria para a História não somente como o grande artífice da desnuclearização da península coreana – o que não é pouco…, mas também como o promotor do fim da Guerra da Coreia, que aguarda desfecho desde 1953.
Desde já, ele pode dizer que foi o primeiro presidente em exercício dos EUA a ter pisado território da República Popular Democrática da Coreia e poderá jogar esta cartada nas próximas eleições presidenciais, em 2020. Além disto, ficou evidente que os americanos estão preparando o terreno para uma próxima reunião num clima mais harmonioso.
Entretanto, segundo alguns analistas, qualquer decisão de Kim Jong-un a respeito da desnuclearização deverá aguardar o desfecho do processo eleitoral nos Estados Unidos, para certificar-se de que a interlocução continuará a ser a mesma. Assim, para eles, a RPDC deverá comprometer-se (?) com o processo de forma gradual, começando pelo desmantelamento da infraestrutura relacionada com o programa, por exemplo. Estes analistas acreditam que este escalonamento – primeiro as eleições, depois a desnuclearização – é muito importante e significa muito para a sobrevivência do governo de Kim. De acréscimo, é certo que a desnuclearização completa não aconteceria durante o mandato atual de Trump. Portanto, o êxito de todo o processo requer também uma mudança da posição dos EUA relativamente à península coreana e à Ásia Oriental, em geral, e não depender dos impulsos autocentrados de um Presidente controverso….
Mas o buraco é ainda mais embaixo, acredito, porque a Coreia do Norte está geograficamente localizada em uma das áreas mais sensíveis do planeta. Haja vista à sua vizinhança: China, Rússia, Japão e Coreia do Sul (e a Índia, um pouco mais ao longe). Todos estes países com projetos de poder próprios, e ambiciosos.
Prova disto, no que diz respeito à República Popular da China, é que antes de ir a Osaka para a reunião do G-20, o Presidente Xi Jinping realizou uma visita oficial a Pyongyang, acompanhado de um “staff” de peso, com o intuito de alicerçar os laços de amizade entre as duas vizinhas e “irmãs de fé”. Sabemos que esses laços estão longe de serem os mais harmoniosos. Tanto é assim que esta foi a primeira vez que um líder chinês visitou o país vizinho em quatorze anos… Recebido com “pompa e circunstância”, Xi teria afirmado que “the relationship between China and North Korea is a strategic choice made by both sides and won’t be shaken no matter how the international situation changes”, segundo a imprensa oficial chinesa. Neste cenário, a questão que ainda está sem resposta é qual será o papel que a Coreia do Sul, uma das principais partes interessadas em todo o processo e co-signatária de qualquer futuro Acordo de Paz, mas que tem sido até agora alijada das negociações (de forma mais concreta, ao menos de conhecimento público), desempenhará. Segundo alguns analistas , Seul poderá ver cada vez mais diminuído o seu desempenho como mediadora entre Washington e Pyongyang.
É sabido que Kim Jong-um está discretamente construindo pontes com a Rússia e a China, que defendem a abolição das sanções de forma escalonada, à medida que Pyongyang se livra do seu arsenal nuclear. Esta aproximação assume contornos ainda mais complexos diante de um novo cenário político-econômico que se está formatando na região. Com efeito, o encontro informal entre Xi Pinping, Vladimir Putin e Narendra Modi, a pedido deste último, diga-se de passagem, à margem do G-20, foi tido como a reunião mais importante de todo o evento. Na ocasião, segundo a imprensa, Putin teria enfatizado a obsolescência da ordem liberal mundial. Modi, por sua vez, teria acenado para uma possível revisão da sua postura contrária ao projeto da “Nova Rota da Seda”/”One Belt, One Road”/BRI, que Xi levanta como sua principal bandeira para a emergência de uma Eurásia unida. Seria o prenúncio de uma “tríplice aliança” de dimensão exponencial.
A propósito, a Reunião do G-20 de Osaka teve lugar após o sexto encontro entre Xi e Putin em menos de dois meses, ocasiões em que discutiram a inserção da Rússia no projeto da “Nova Rota da Seda”, as questões de segurança que afetam o Oriente Médio e a Ásia Central e a “desdolarização” do comércio, além de terem concordado em que “a ordem liberal ocidental fracassou”.
Para Kim Jong-un, qual seria a melhor parceria? Sob que asas ele se abrigaria num cenário geopolítico-econômico em mutação acelerada?
Ou, dizendo de outra maneira, teria sido, pelo momento, a “reunião histórica” D.T – Kim não mais que uma “photo-op”? Para a reflexão…
Sugiro aos amigos que leiam a matéria abaixo do “The Diplomat”:
Osaka G20: The Important Meeting Most Media MissedThe Sino-Russian partnership has growing appeal for other countries