ISSN 2674-8053

O “affair” Donald Trump & Kim Jong-Un… prá valer ou mais uma “photo op”?

Como vimos, ao final da 14ª. Reunião do G-20, em Osaka, o Presidente Donald Trump surpreendeu a todos (inclusive seu “staff” e o próprio Kim Jong-un, pelo que transpirou) ao anunciar bruscamente que, no retorno a Washington, faria um “stop over” na Coreia do Sul e entraria na Zona Desmilitarizada que separa as duas Coreias para dar um “alô” a Kim Jong-Un. Este “alô” durou, na realidade 33 minutos. Tal gesto foi visto como “histórico” pela comunidade internacional.

E de certa forma o foi, porque esse dia – 30 de junho – marcou a data em que pela primeira vez um Presidente dos EUA entrava em “solo inimigo”, pois, não tendo sido ainda assinado um Acordo de Paz que ponha fim à Guerra da Coreia, até agora os Estados Unidos e a Coreia do Norte estão em guerra, pelo menos “tecnicamente”. Desta forma, ele poderia até ter sido tomado como “refém de guerra” pelo regime de Pyongyang… Pura abstração teórica, é claro…

Audácia heroica?… Um gesto de “reconciliação” para desfazer a má imagem deixada em Hanoi, quando a delegação americana abandonou bruscamente o almoço com os norte-coreanos, e buscar retomar o fio das negociações que levariam, finalmente, à completa desnuclearização da península?

Para mim, a novela tem contornos mais dramáticos, que envolvem “egos” e até estratégias ocultas. Explico-me.

De parte dos norte-americanos, a iniciativa poderia ser interpretada como um gesto (“condescendente”…?) da maior potência militar do planeta para com um “tirano ditador” de um país que, não fosse o arsenal nuclear que está construindo, não teria a menor relevância para o Império. E D.T. entraria para a História não somente como o grande artífice da desnuclearização da península coreana – o que não é pouco…, mas também como o promotor do fim da Guerra da Coreia, que aguarda desfecho desde 1953.

Desde já, ele pode dizer que foi o primeiro presidente em exercício dos EUA a ter pisado território da República Popular Democrática da Coreia e poderá jogar esta cartada nas próximas eleições presidenciais, em 2020. Além disto, ficou evidente que os americanos estão preparando o terreno para uma próxima reunião num clima mais harmonioso.

Entretanto, segundo alguns analistas, qualquer decisão de Kim Jong-un a respeito da desnuclearização deverá aguardar o desfecho do processo eleitoral nos Estados Unidos, para certificar-se de que a interlocução continuará a ser a mesma. Assim, para eles, a RPDC deverá comprometer-se (?) com o processo de forma gradual, começando pelo desmantelamento da infraestrutura relacionada com o programa, por exemplo. Estes analistas acreditam que este escalonamento – primeiro as eleições, depois a desnuclearização – é muito importante e significa muito para a sobrevivência do governo de Kim. De acréscimo, é certo que a desnuclearização completa não aconteceria durante o mandato atual de Trump. Portanto, o êxito de todo o processo requer também uma mudança da posição dos EUA relativamente à península coreana e à Ásia Oriental, em geral, e não depender dos impulsos autocentrados de um Presidente controverso….

Mas o buraco é ainda mais embaixo, acredito, porque a Coreia do Norte está geograficamente localizada em uma das áreas mais sensíveis do planeta. Haja vista à sua vizinhança: China, Rússia, Japão e Coreia do Sul (e a Índia, um pouco mais ao longe). Todos estes países com projetos de poder próprios, e ambiciosos.

Prova disto, no que diz respeito à República Popular da China, é que antes de ir a Osaka para a reunião do G-20, o Presidente Xi Jinping realizou uma visita oficial a Pyongyang, acompanhado de um “staff” de peso, com o intuito de alicerçar os laços de amizade entre as duas vizinhas e “irmãs de fé”. Sabemos que esses laços estão longe de serem os mais harmoniosos. Tanto é assim que esta foi a primeira vez que um líder chinês visitou o país vizinho em quatorze anos… Recebido com “pompa e circunstância”, Xi teria afirmado que “the relationship between China and North Korea is a strategic choice made by both sides and won’t be shaken no matter how the international situation changes”, segundo a imprensa oficial chinesa. Neste cenário, a questão que ainda está sem resposta é qual será o papel que a Coreia do Sul, uma das principais partes interessadas em todo o processo e co-signatária de qualquer futuro Acordo de Paz, mas que tem sido até agora alijada das negociações (de forma mais concreta, ao menos de conhecimento público), desempenhará. Segundo alguns analistas , Seul poderá ver cada vez mais diminuído o seu desempenho como mediadora entre Washington e Pyongyang.

É sabido que Kim Jong-um está discretamente construindo pontes com a Rússia e a China, que defendem a abolição das sanções de forma escalonada, à medida que Pyongyang se livra do seu arsenal nuclear. Esta aproximação assume contornos ainda mais complexos diante de um novo cenário político-econômico que se está formatando na região. Com efeito, o encontro informal entre Xi Pinping, Vladimir Putin e Narendra Modi, a pedido deste último, diga-se de passagem, à margem do G-20, foi tido como a reunião mais importante de todo o evento. Na ocasião, segundo a imprensa, Putin teria enfatizado a obsolescência da ordem liberal mundial. Modi, por sua vez, teria acenado para uma possível revisão da sua postura contrária ao projeto da “Nova Rota da Seda”/”One Belt, One Road”/BRI, que Xi levanta como sua principal bandeira para a emergência de uma Eurásia unida. Seria o prenúncio de uma “tríplice aliança” de dimensão exponencial.

A propósito, a Reunião do G-20 de Osaka teve lugar após o sexto encontro entre Xi e Putin em menos de dois meses, ocasiões em que discutiram a inserção da Rússia no projeto da “Nova Rota da Seda”, as questões de segurança que afetam o Oriente Médio e a Ásia Central e a “desdolarização” do comércio, além de terem concordado em que “a ordem liberal ocidental fracassou”.

Para Kim Jong-un, qual seria a melhor parceria? Sob que asas ele se abrigaria num cenário geopolítico-econômico em mutação acelerada?

Ou, dizendo de outra maneira, teria sido, pelo momento, a “reunião histórica” D.T – Kim não mais que uma “photo-op”? Para a reflexão…

Sugiro aos amigos que leiam a matéria abaixo do “The Diplomat”:

Osaka G20: The Important Meeting Most Media MissedThe Sino-Russian partnership has growing appeal for other countries 

Fausto Godoy
Doutor em Direito Internacional Público em Paris. Ingressou na carreira diplomática em 1976, serviu nas embaixadas de Bruxelas, Buenos Aires, Nova Déli, Washington, Pequim, Tóquio, Islamabade (onde foi Embaixador do Brasil, em 2004). Também cumpriu missões transitórias no Vietnã e Taiwan. Viveu 15 anos na Ásia, para onde orientou sua carreira por considerar que o continente seria o mais importante do século 21 – previsão que, agora, vê cada vez mais perto da realidade.