ISSN 2674-8053

Índia e China: mais do mesmo…(?)

Foto: Yogi Chopra – Cadeia montanhosa do Himalaia

O site “Mundo ao Minuto” publicou no último dia 10 uma matéria relativa às escaramuças recentes entre tropas militares da Índia e da China nas linhas de fronteira entre ambas nas alturas geladas do Himalaia.

São duas as regiões cuja soberania é disputada por elas: a primeira está localizada na região do Ladakh, no lado indiano, e da Província Autônoma de Xinjiang, no lado chinês. Esta é uma área praticamente deserta nas grandes altitudes da cordilheira, porém atravessada por uma rodovia que une duas regiões particularmente sensíveis para a RPC: a Província Autônoma de Xinjiang – onde se concentra o movimento separatista da etnia muçulmana Uighur – e o Tibete. Daí a sua importância estratégica para os chineses.

A segunda está localizada no que é hoje o estado indiano de Arunachal Pradesh. Esta disputa é mais uma herança nefasta do colonialismo inglês, que ao delinear as fronteiras na área do Tibete após um enfrentamento entre tropas do Raj Britânico e do governo nacionalista chinês, em 1913-14, reuniu as litigantes na cidade de Shimla, na Índia, onde foi firmada a “Convenção de Shimla”, que delineou o “status quo” fronteiriço. Representantes da Índia, da Grã Bretanha e da China assinaram este acordo, o qual foi logo denunciado por Pequim, que não aceitou o mapa das fronteiras – a chamada “Linha McMahon”- anexo ao documento.

Fruto desta indefinição, os dois vizinhos foram à guerra , em 1962. Foi quando os chineses tomaram a iniciativa de “resgatar” o território que consideravam como seu ao longo da dinastia Qing (1644-1912), e que até hoje chamam de “Tibete do Sul”. Esta primeira ofensiva, em altitudes de mais de 4.267m, teve início em 20 de outubro de 1962 e durou quatro dias. Foi seguida em meados do mês seguinte por uma investida mais decidida, que levou as tropas da República Popular a ocupar o sopé da cordilheira. Após o cessar-fogo, os chineses fizeram um recuo unilateral até as posições do início do conflito, criando uma “zona neutra”, sem presença militar.

Este “status quo” tem perdurado desde então, apesar de frequentes escaramuças. Elas, entretanto, aumentaram em 2017, levando Pequim a acusar as tropas indianas “de entrarem ilegalmente no seu território para fechar uma estrada na área de fronteira de Doklam”, outro imbróglio regional opondo a China ao vizinho Butão, que pediu ajuda ao tradicional aliado indiano.

Ou seja, um “angu de caroço”!!!

Segundo o site, “a crise diplomática teve um impacto muito negativo nas relações diplomáticas, levando a China a acusar a Índia de brincar “com o fogo”, o que poderia levar a uma escalada do conflito”.

Será? Vamos buscar entender as variáveis que escapam ao alarmismo irrefletido de se interpretar com “olhar ocidental” as realidades do Oriente.Vejamos:

India e China são dois gigantes que vão protagonizar as grandes mudanças na Ásia – e no mundo – neste século. Os outros países asiáticos – Japão, inclusive – serão, a meu ver, coadjuvantes, mais, ou menos, relevantes (há que considerar o papel ascendente do sudeste asiático). China e Índia representam atualmente cerca de 37% de toda a população do planeta; a China atualmente abriga cerca de 1,4 bilhão de pessoas e a Índia em torno de 1,3 bilhão. Entretanto, ela deverá ultrapassar a China como o país mais populoso em menos de uma década, de acordo com um novo relatório das Nações Unidas; e por cima com mais de 50% de sua população abaixo da idade de 25 anos, e mais de 65% abaixo de 35 anos: ou seja, mão-de-obra cada vez mais abundante e capacitada, sobretudo na área de T.I., e uma classe média – i.e, mercado de consumo – uma vez e meia maior que a atual população brasileira !!!

Segundo pesquisa da agência Bloomberg, ”…mais da metade dos 2 mil profissionais entrevistados, de 20 diferentes mercados, acreditam que a China e a Índia terão superado os Estados Unidos na inovação tecnológica mundial até 2035. E os países emergentes demonstraram ter mais confiança no impacto positivo da tecnologia no mundo do que as nações com a economia desenvolvida… 49% dos profissionais dos mercados desenvolvidos, acreditam que a China e a Índia se tornarão os grandes centros tecnológicos mundiais até a metade da década de 2030, enquanto 59% dos entrevistados em economias emergentes apostam que essas duas nações dominarão o setor”. Ou seja, um cenário radicalmente diferente do “oficial” contemporâneo.

Ainda uma vez mais, cabe uma dúvida precavida…

Mais racional (?), nesse “novo mundo”, fica a pergunta inadiável: serão as disputas territoriais “westfalianas” que levar(iam)ão Índia e China a um conflito armado? Será uma guerra nos moldes da travada atualmente entre os EUA e a RPC pela preservação dos espaços da pós-modernidade (T.I. , tecnologia 5G, etc…), que dará(ia) a quem os domine a liderança do planeta “pós-industrial”? E por que não um condomínio entre China e Índia nas áreas de interesses compartilhados, bem “à la asiática” ? Esta fórmula parece estranha à mentalidade ocidental do “soma zero”, mas diante dos enormes desgastes que um cenário excessivamente competitivo poderá causar – como estamos testemunhando atualmente -, não seria mais razoável uma composição?… Sabedoria milenar oriental…

Questões importantes para a reflexão de todos nós, brasileiros, tão perdidos na definição dos nossos destinos…

Sugiro aos amigos que leiam a matéria original abaixo:


Tropas chinesas e indianas confrontaram-se numa escaramuça na fronteira

As forças armadas da Índia e da China confrontaram-se numa breve mas agressiva escaramuça no estado fronteiriço de Sikkim, no nordeste da Índia, informou o Ministério da Defesa indiano.

“Confirmamos que ocorreu um confronto na fronteira, causado pelo comportamento agressivo das duas partes e que resultou em ferimentos ligeiros nas tropas”, afirmou o Ministério da Defesa da Índia, num comunicado.

“As tropas resolvem esses problemas mutuamente de acordo com os protocolos estabelecidos”, acrescentou o ministério, no qual também assegurava que os combates cessaram como resultado de diálogo entre as partes.

As autoridades indianas, no entanto, não esclareceram quando o incidente ocorreu.

China e Índia, que disputam territórios no Himalaia, entraram em guerra na fronteira em 1962.

As tensões territoriais entre as duas potências aumentaram em meados de 2017, quando Pequim acusou as tropas indianas de entrarem ilegalmente no seu território para fecharem uma estrada na área de fronteira de Doklam, disputada entre a China e o país vizinho do Butão, que pediu ajuda ao tradicional aliado indiano.

A crise diplomática teve um impacto muito negativo nas relações diplomáticas, levando a China a acusar a Índia de brincar “com o fogo”, o que poderia levar a uma escalada do conflito.

No entanto, o Governo indiano retirou as suas tropas no final de agosto do mesmo ano, conseguindo uma diminuição das tensões.

https://www.noticiasaominuto.com/mundo/1475596/tropas-chinesas-e-indianas-confrontaram-se-numa-escaramuca-na-fronteira?fbclid=IwAR2ytwmkbRxvVQwKBfnDbVum4pWJ8o_9wTwRQOSvwMW3pUAM2qh18hwHsfI
Fausto Godoy
Doutor em Direito Internacional Público em Paris. Ingressou na carreira diplomática em 1976, serviu nas embaixadas de Bruxelas, Buenos Aires, Nova Déli, Washington, Pequim, Tóquio, Islamabade (onde foi Embaixador do Brasil, em 2004). Também cumpriu missões transitórias no Vietnã e Taiwan. Viveu 15 anos na Ásia, para onde orientou sua carreira por considerar que o continente seria o mais importante do século 21 – previsão que, agora, vê cada vez mais perto da realidade.