ISSN 2674-8053

O Japão e a ameaça do Dragão Chinês

Mapa destacando China e Japão

O site “Conexão Política” publicou no final do mês passado uma matéria sobre a crescente mobilização dos japoneses para desvincular a dependência do seu comércio dos chineses.Isto merece uma detida reflexão… Segundo a reportagem, o Primeiro-Ministro Shinzo Abe propôs “construir uma economia menos dependente de um país, a China, para que o Japão possa melhor evitar as interrupções da cadeia de suprimentos”.

O mais recente álibi é a Covid19: Tóquio acusa Pequim, como vários outros países, aliás, de “manipular” a pandemia para consolidar sua hegemonia sobre o comércio mundial, “monitorando”, por exemplo, a venda e remessa de respiradores – setor que domina internacionalmente – e a assistência aos demais países baseada no seu (ainda) percebido êxito na luta contra a pandemia.

A este propósito, sabemos que para 123 países a República Popular já é o principal parceiro comercial (contra 56 para os Estados Unidos). Mais preocupante ainda para os japoneses é que a pauta dos produtos exportados pelos chineses mundo afora é cada vez mais sofisticada, o que corroboraria o perseguido objetivo destes de tornar a China na maior potência, não somente comercial, mas tecnológica, do planeta até o final deste século (como propõe, aliás, o plano “Made in China 2025”).
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Voltando para o Japão – quarto maior exportador mundial -, verificamos que o país enviou US$ 705,7 bilhões em mercadorias para o exterior em 2019. Este montante revelou entretanto uma queda de 4,4% com relação a 2018 (ainda que tenha registrado um aumento de 12,9% no período entre 2015 e 2019). Analisando os destinatários dessas exportações nestes últimos anos, nota-se que 57,3% foram enviadas a países da região, enquanto 22,7% tiveram o mercado americano como destino e outros 13,5% os europeus. Isto confirma uma vez mais a evidência de que os principais parceiros comerciais dos países asiáticos são eles próprios. Alerta para o Ocidente!.

É neste cenário que a percebida inconfiabilidade dos chineses assume ares de verdade para os japoneses; entre outras “evidências”, diante da triste novela das exportações dos respiradores. Neste contexto, Shinzo Abe afirmou que “.devido ao coronavírus, menos produtos estão vindo da China para o Japão”, e que “as pessoas estão preocupadas com nossas cadeias de suprimentos”. As observações do Primeiro-Ministro tiveram grande repercussão, pois foram feitas quando essas interrupções passaram a atingir a importação de autopeças e outros produtos dos quais o Japão depende dos fornecedores chineses, causando um forte impacto nas atividades das suas empresas.

Segundo Abe, “para os produtos que dependem fortemente de um único país de fabricação, devemos tentar realocar a produção dos itens de alto valor agregado para o Japão…e, para todo o resto, devemos buscar outros países, como os da ASEAN”. Foi neste esforço que ele destinou, no último dia 07 de abril, mais de US $ 2,2 bilhões de orçamento suplementar para o ano fiscal de 2020 no pacote econômico de emergência que sancionou com o objetivo de ajudar as empresas domésticas a trazer a produção “de volta para casa” e, paralelamente, diversificar suas bases de produção no sudeste da Ásia.

Estas notícias “causaram arrepios .em Pequim… diz-se que os figurões do Partido estão em pânico…”, revela o site. E isto ocorre quando outras economias do mundo – o Reino Unido, a União Europeia, entre outras – parecem estar-se mobilizando para seguir o exemplo dos japoneses.Sobretudo, num momento de acirramento da “guerra comercial” com os Estados Unidos.

As relações entre os dois parceiros asiáticos parece, assim, descer a um patamar preocupantemente “baixo” justamente quando eles tentavam melhorá-las. Ironicamente, se a pandemia não tivesse acontecido, a primeira visita de Estado do Presidente Xi Jinping ao Japão ocorreria em julho próximo Ele planejava participar da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Tóquio, momento em que anunciaria “o início de uma nova era nas relações sino-japonesas”. Em vez disso, não somente estas iniciativas foram adiadas senão também as relações bilaterais encontram-se, uma vez mais, num momento bastante complicado. E desta vez não é a “herança da História” – sempre subjacente – apenas, que ameaça as relações: é o mapeamento do futuro compartilhado.

E estas mesmas discussões acontecem nos Estados Unidos: Larry Kudlow, presidente do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, expressou sua intenção de considerar os custos de realocação de empresas americanas que voltam da China para casa. A sugestão de Kudlow se insere na agenda “America first” de D.T. Caso isto aconteça, ou seja, se a primeira e terceira maiores economias do planeta efetivamente se afastarem da China, o impacto sobre esta poderá ser enorme.

A questão é: na Pangeia globalizada ser(à)ia isto possível? É exatamente este o dilema japonês, pois suas empresas dependem da constância do fluxo dos insumos que importam da China para agregar aos seus produtos e operar num sistema já consolidado sob o risco de serem forçadas a interromper ou modificar, ainda que temporariamente, as suas atividades. Na verdade, seria sequer possível refazer todo o processo? E em que prazo? Transferir a produção, sobretudo de bens de alta tecnologia, de um local para outro demanda um esforço brutal em termos de estratégia, que talvez nem os asiáticos, com a obstinação que lhes é peculiar, consigam concretizar…E, se factível, a que custo?

“Sinuca de bico”, que atinge a todos, inclusive nós brasileiros, igualmente envolvidos na cruzada “anti-China”. O resultado disto, quem viver, verá…

Aconselho aos amigos que leiam a matéria abaixo:
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Sayōnara, Xi: Japão inicia ‘êxodo industrial em massa’ da China

Os planos causaram arrepios no Partido Comunista Chinês, à medida que mais economias do mundo estão prontas para seguir o exemplo japonês

Publicado em 28.04.2020 | Por Thaís Garcia

O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, propôs “construir uma economia menos dependente de um país, a China, para que o país possa evitar melhor as interrupções da cadeia de suprimentos”, informou a Nikkei Asia Review.

A proposta desencadeou um debate acalorado no mundo político chinês.

Os planos causaram arrepios no Partido Comunista Chinês, à medida que mais economias do mundo estão prontas para seguir o exemplo japonês. Reino Unido, UE e Estados Unidos podem seguir o exemplo.

Em Pequim, diz-se que os figurões do Partido Comunista Chinês (PCCh) estão em pânico.

Em Zhongnanhai, área no centro de Pequim onde os líderes do Partido Comunista Chinês e o governo do Estado têm seus gabinetes, “agora existem sérias preocupações sobre empresas estrangeiras que se retiram da China”, disse uma fonte econômica chinesa à Nikkei Asia Review. “O que foi particularmente discutido é a cláusula do pacote econômico de emergência do Japão que incentiva (e financia) o restabelecimento das cadeias de suprimentos”.

Se a pandemia não tivesse acontecido, a primeira visita de Estado do ditador comunista chinês, Xi Jinping, ao Japão já teria ocorrido, com Xi orgulhosamente declarando uma “nova era” das relações sino-japonesas. Ele teria aplaudido Abe, enquanto o Japão se prepararia para o próximo grande evento, as Olimpíadas de 2020.

Em vez disso, a viagem de Xi e as Olimpíadas de Tóquio foram adiadas, e as relações sino-japonesas se encontram em uma encruzilhada.

Nova Política de Abe

Os sinais da nova política de Abe eram visíveis em 5 de março.

Finalmente, o Japão conseguiu evitar o desastre do navio de cruzeiro Diamond Princess, mas ainda tinha o desafio de impedir a propagação do vírus chinês em seu território.

Naquela data, coincidentemente no mesmo dia em que o adiamento da visita de Xi ao Japão foi anunciado, o governo japonês realizou uma reunião do Conselho de Investimentos para o Futuro. Abe, que preside o conselho, disse que queria que as bases de fabricação de produtos de alto valor agregado voltassem para o Japão.

À mesa, estavam presentes líderes empresariais influentes, como Hiroaki Nakanishi, presidente da Federação Empresarial do Japão, o maior lobby comercial do país, mais conhecido como Keidanren.

“Devido ao coronavírus, menos produtos estão vindo da China para o Japão”, disse Abe. “As pessoas estão preocupadas com nossas cadeias de suprimentos”.

Dos produtos que dependem fortemente de um único país para fabricação, “devemos tentar realocar itens de alto valor agregado para o Japão”, disse o líder. “E para todo o resto, devemos diversificar para países como os da ASEAN [Associação de Nações do Sudeste Asiático]”.

As observações de Abe foram claras. Elas ocorreram quando as interrupções atingiram a compra de autopeças e outros produtos dos quais o Japão depende da China, impactando seriamente as atividades corporativas do Japão.

Abe estava formando uma política de “afastar-se da China”.

Com o Japão paralisado por causa do coronavírus chinês, a China estava observando atentamente, talvez se perguntando se estava prestes a sofrer um esvaziamento industrial.

Essa tendência abalaria as bases do modelo de crescimento de longa data da China.

Pacote econômico de emergência do Japão

Em seu pacote econômico de emergência adotado em 7 de abril, o governo japonês pediu o restabelecimento de cadeias de suprimentos atingidas pela proliferação do vírus chinês. Ele destinou mais de 240 bilhões de ienes (cerca de US $ 2,2 bilhões) em seu plano de orçamento suplementar para o ano fiscal de 2020 para ajudar as empresas domésticas a mudar a produção de volta para casa ou a diversificar suas bases de produção no sudeste da Ásia.

No dia seguinte, 8 de abril, o Comitê Permanente do Politburo Central do Partido Comunista da China, principal órgão de decisão do partido, realizou uma reunião em Pequim.

Ao falar na reunião, o ditador Xi Jinping disse que “à medida que a pandemia continua sua expansão global, a economia mundial enfrenta um risco crescente de queda”. Ele acrescentou: “Fatores instáveis ​​e incertos estão aumentando notavelmente”.

Xi, que também trabalha como secretário geral do partido, enfatizou a necessidade de manter o “pensamento final” – o que significa supor o pior – e pediu “preparação em mente e trabalho para lidar com mudanças prolongadas no ambiente externo”.

O Comitê Permanente do Politburo, composto por sete membros, geralmente se reúne uma vez por semana, e é raro que a realização e o conteúdo dessas reuniões sejam relatados.

Xi deu o chamado para se preparar para “uma batalha prolongada”, enquanto assumia o pior.

EUA x China

Nos EUA, também há discussões sobre a dependência da China.

Larry Kudlow, presidente do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca, expressou sua intenção de considerar os custos de realocação de empresas americanas que voltam da China para casa.

A sugestão de Kudlow se encaixa na agenda “America first” (Estados Unidos em primeiro lugar) do presidente Donald Trump.

Consequências

Se os EUA e o Japão, a maior e a terceira maior economia do mundo, respectivamente, se afastarem da China, isso terá um enorme impacto na segunda maior economia do mundo, a própria China.

O pico do surto de coronavírus chinês na China já passou. Mas Zhang Wenhong, chefe de uma equipe de especialistas clínicos chineses em coronavírus, disse que uma segunda rodada de infecções ocorrerá em novembro ou mais tarde.

O coronavírus chinês surgiu em Wuhan, na China, possivelmente em outubro do ano passado e depois se espalhou globalmente. A repressão da China em postagens de informações e mídias sociais sobre o surto até meados de janeiro e sua resposta inicial adiada à crise da saúde pública acabaram contribuindo para uma catástrofe e provocando um alvoroço internacional.

Muito dependerá de como os EUA e a China reconstruirão suas respectivas economias atingidas pelo vírus chinês. Se grandes empresas estrangeiras se retirarem da China, isso se tornará um grande obstáculo ao avanço geopolítico e econômico do Governo do Partido Comunista Chinês no mundo.

Publicado originalmente em https://conexaopolitica.com.br/ultimas/sayonara-xi-japao-inicia-exodo-industrial-em-massa-da-china/?fbclid=IwAR0rK0LvmWAOPA8hfEeRFXiW0UvEQU9rwjsQsecCttnaAB1858G5iM_KQ2E

Fausto Godoy
Doutor em Direito Internacional Público em Paris. Ingressou na carreira diplomática em 1976, serviu nas embaixadas de Bruxelas, Buenos Aires, Nova Déli, Washington, Pequim, Tóquio, Islamabade (onde foi Embaixador do Brasil, em 2004). Também cumpriu missões transitórias no Vietnã e Taiwan. Viveu 15 anos na Ásia, para onde orientou sua carreira por considerar que o continente seria o mais importante do século 21 – previsão que, agora, vê cada vez mais perto da realidade.