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A China e o mundo (III)

Wang Yi – Ministro das Relações Exteriores da China

RELAÇÕES COM A UNIÃO EUROPEIA, A ASSOCIAÇÃO DAS NAÇÕES DO SUDESTE ASIÁTICO (ASEAN), A ÁFRICA, O ORIENTE MÉDIO E A PENÍNSULA COREANA

Esta é a terceira da série de postagens que estou fazendo da entrevista que o Ministro dos Negócios Estrangeiros e Conselheiro de Estado da República Popular da China, Wang Yi, concedeu, no início deste ano, para o canal em inglês do grupo estatal “China Global Television Network”/CGTN, na qual fez uma avaliação da política externa da China ao longo de 2020 e a sua projeção para este ano e o futuro.

Penso que este tema é do maior interesse – e importância – para todos os que se interessam por política externa. Por esta razão, resolvi transcrever e traduzir a entrevista, apenas, sem qualquer interferência ou consideração de caráter pessoal, uma vez que considero importante conhecer a visão oficial que a Chancelaria chinesa tem do papel que entende ser o da China, e o seu próprio, nas relações internacionais.

Como nas postagens anteriores incluí o link da entrevista para os que se interessarem em assisti-la:

RELAÇÕES CHINA – UNIÃO EUROPEIA

O ano de 2020 marcou o 45º aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas entre a China e a União Europeia. Desde então o nosso relacionamento assistiu a profundas mudanças no mundo. Ele tem sido focado, como um todo, no diálogo, cooperação e beneficio mútuo, e demonstrado forte vitalidade ao progredir acompanhando os tempos. O objetivo mais importante é permanecermos comprometidos com a coexistência pacífica, a cooperação aberta, o multilateralismo, o diálogo e as consultas.

A conclusão mais relevante é que nossa cooperação e entendimento superam de longe a competição e as diferenças. A China e a União Europeia são parceiros estratégicos abrangentes e não rivais sistemáticos. A missão mais importante é enfrentarmos conjuntamente os desafios globais, promovermos o mundo multipolar, a globalização econômica, maior democracia nas relações internacionais e agregarmos maior estabilidade e certeza num mundo turbulento e mutante.

Em 2020 a China e a União Europeia realizaram novo progresso no seu relacionamento apesar da Covid-19. Pela primeira vez a China tornou-se o principal parceiro da União Europeia. Os dois lados firmaram o “Acordo sobre Dados Geográficos” e decidiram estabelecer dois novos diálogos, sobre meio-ambiente e clima e cooperação digital, e criar uma parceria em cooperação “verde” e digital. O Presidente Xi Jinping anunciou a conclusão das negociações de um tratado de investimentos China-UE, dando maior e renovado ímpeto à cooperação. Esta é uma boa notícia para a combalida economia global. E é o exemplo de que trabalhando em conjunto, no espírito de compreensão mútua, mútua acomodação e consultas com base na igualdade, os dois lados conseguirão abrir amplas perspectivas para a cooperação China-UE.

Neste mundo volátil e mutante, a China permanecerá apoiadora da integração europeia, de uma maior autonomia da UE e de um papel mais importante da União Europeia nas relações internacionais. O multilateralismo que os dois lados advogam deve ser dedicado à união e à cooperação em vez de política grupal. É necessário transcender diferenças sistêmicas e criar canais ao longo das ideologias. A China está preparada para alavancar a coordenação com a União Europeia e manter as relações no bom caminho.

DIÁLOGO CHINA-ASEAN

Os países da ASEAN são amigos e vizinhos próximos da China. Nós estamos conectados por montanhas, rios e mares, e compartilhamos estreitas afinidades. Desde o seu início a cooperação China-ASEAN tem sido “result-oriented”, pioneira e consentânea com o andar dos tempos. Ela tornou-se o exemplo mais exitoso e vibrante de cooperação regional. Ao longo dos anos, as relações China-ASEAN forjaram muitos “primeiros”: a China foi o primeiro país a integrar-se ao “Tratado de Amizade e Cooperação do Sudeste Asiático”, a primeira a estabelecer uma parceria estratégica com a ASEAN e a primeira grande economia a estabelecer uma área de livre-comércio com a ASEAN.

Juntos nos esforçamos pela assinatura da RCEP ( “Parceria Econômica Regional Abrangente”, sigla em inglês), que deu origem à mais promissora área de livre-comércio do mundo e o maior conglomerado de populações e economias. Este é um momento histórico na cooperação China-ASEAN. Confrontados com a mortandade da Covid-19, a China e a ASEAN vieram em auxílio mútuo e assumiram a liderança na resposta à Covid-19 e na cooperação para a reabertura das economias. Nós ajudamos a transformar o leste da Ásia num exemplo na luta global contra o vírus e um precursor na recuperação econômica.

A China e a ASEAN celebrarão o 30º aniversário das relações do Diálogo (“Parceiro de Diálogo da ASEAN”) em 2021. Nós antevemos novas oportunidades e estamos preparados para trabalhar com a ASEAN para alavancar ainda mais a nossa parceria estratégica e dar impulso a uma nova era de paz, desenvolvimento e cooperação na região. Primeiramente, nós devemos operar juntos para derrotar a Covid-19, aprimorar a nossa cooperação na área de saúde pública, criar uma reserva regional de insumos médicos e um mecanismo de ligação para emergências em saúde pública, fortalecendo a capacidade de resposta à crise. Em segundo lugar, devemos alavancar a recuperação econômica da região, nos esforçarmos pela entrada em vigor da RCEP e aprofundar a integração econômica da região. O 30º aniversário é um marco nas relações China-ASEAN. Nós acreditamos que as relações ganharão maior maturidade e confiança nos próximos anos.

RELAÇÕES CHINA-ÁFRICA

A China é o maior país em desenvolvimento, e a África é o lar do maior número dos países em desenvolvimento. Diante da nossa identidade como países em desenvolvimento, a China e a África têm a responsabilidade de alavancar os interesses dos países em desenvolvimento. Nossa amizade tornou-se mais forte a partir da Covid-19. O Presidente Xi Jinping e os líderes africanos tiveram uma “Reunião de Cúpula Extraordinária de Solidariedade Contra a Covid-19”, fortalecendo a tradição de assistência mútua. A China e a África aceleraram a implementação dos acordos alcançados na Cúpula da FOCAC (Fórum de Cooperação China-África) em Pequim, com prioridade para aa questão de saúde.

A China assinou acordos de suspensão do serviço da dívida com 12 países e forneceu “waivers” de empréstimos livre de juros para mais de 15 países africanos. A China suspendeu mais serviços das dívidas que qualquer outro membro do G-20. Vinte anos atrás o FOCAC iniciou uma nova era de mútua confiança política e de cooperação abrangente entre a China e a África. Decorridos vinte anos, o FOCAC tornou-se um novo modelo de amizade, cooperação e desenvolvimento conjunto entre países em desenvolvimento. Juntos idealizamos e concretizamos dez projetos de cooperação e oito iniciativas maiores.

Com a assistência da China mais de 6.000 quilômetros de ferrovias e 6.000 quilômetros de rodovias, cerca de 20 portos e 80 grandes usinas de eletricidade foram construídos na África. O comércio bilateral cresceu vinte vezes e os investimentos diretos chineses na África em 100 vezes. Nós expandimos a nossa cooperação em novas formas de negócios, como a economia digital, cidades inteligentes, energia limpa e 5G, desta forma alavancando o desenvolvimento de alta qualidade na “Belt and Road” para ambos os lados. O FOCAC tornou-se um propulsor para o desenvolvimento aceleradíssimo (“leap froging”) da África, novo emblema da cooperação sul-sul e exemplo da política de diplomacia com características chinesas de grande potência, conduzida pela China.

Em 2021 o FOCAC manterá encontros no Senegal. Neste contexto, a China trabalhará com a África em três áreas prioritárias da cooperação com as vacinas, a recuperação econômica e o desenvolvimento transformador para sedimentar consensos sobre solidariedade, abrir caminho para a cooperação e apresentar novos benefícios para a população. China e África permanecerão como bons irmãos apoiando um ao outro, e como bons irmãos de arma permanecerão unidos para o bem e o mal (“thick and thin”). Acreditamos que realizaremos novos progressos na construção da comunidade China-África num futuro compartilhado.

ORIENTE MÉDIO, PENÍNSULA COREANA. ORIENTE MÉDIO, AFEGANISTÃO E MYANMAR

A paz é aspiração eterna da humanidade. Como membro permanente do Conselho de Segurança e grande potência responsável, a China vem explorando numa via chinesa distinta solucionar os temas candentes (“hotspot issues”). Nós perseguimos uma visão de segurança comum, abrangente, cooperativa e sustentável para o mundo. Nós mantemos que as disputas regionais devem ser tratadas através do diálogo e consultas. Nós sufragamos a não-interferência nos assuntos internos, que é uma norma básica que rege as relações internacionais. Nós abordamos a justiça de uma perspectiva objetiva e sensata. Nós buscamos soluções que se encaixem nas realidades regionais, que acomodem os interesses de todas as partes.

Nós temos feito o nosso possível para salvaguardar a paz e a tranquilidade no mundo. Ao longo do ano passado, ao tempo em que apoiamos com firmeza o JCPOA (Plano de Ação Conjunto Global, acordo internacional acerca do programa nuclear iraniano firmado em 14 de julho de 2015 entre a República Islâmica do Irã, o P5+1 e a União Europeia), nós nos juntamos à comunidade internacional em opormos às ações inconsistentes com as resoluções do Conselho de Segurança. Nós apresentamos uma proposta construtiva para criar uma nova plataforma para o diálogo multilateral para a região do Golfo. Nós temos mantido o nosso apoio incondicional à causa justa da Palestina e sustentamos firmemente o caminho correto da solução de “dois Estados” (“two-state solution”).

Nós temos advogado de forma contínua uma aproximação por etapas e sincronizada para atingir os dois objetivos de desnuclearização e estabelecimento de um mecanismo de paz na península coreana.

Nós temos facilitado a busca de um consenso para o processo de reconciliação nacional no Afeganistão entre todos os parceiros regionais e apoiamos as conversações entre os afegãos (“intra-Afghan talks”).

Nós fomos mediadores entre Bangladesh e Myanmar na busca da solução para os seus desentendimentos e prestamos assistência para a estabilidade, no geral, no norte de Myanmar. Por terem sido dilacerados por guerras e conflitos no passado, os chineses conhecem de sobejo o flagelo dos tumultos e o valor da paz. As conversações trarão a verdadeira paz.

No que respeita às grandes potências (“major countries”) que desempenham um papel importante em vários temas conflituosos, esperamos que em vez de privilegiarem seus interesses, elas tenham em mente o real interesse dos países da região e o bem-estar de todos os povos do mundo, assumam a devida responsabilidade e desempenhem um papel construtivo para a solução das disputas.

Leia a série de artigos sobre Wong Yi e a China

A China e o mundo (I) – Covid-19

A China e o mundo (II) – Relações com Rússia e Estados Unidos

A China e o mundo (III) – União Europeia, ASEAN, África, Oriente Médio e Península Coreana

A China e o mundo (IV) – Diplomacia Assertiva

Fausto Godoy
Doutor em Direito Internacional Público em Paris. Ingressou na carreira diplomática em 1976, serviu nas embaixadas de Bruxelas, Buenos Aires, Nova Déli, Washington, Pequim, Tóquio, Islamabade (onde foi Embaixador do Brasil, em 2004). Também cumpriu missões transitórias no Vietnã e Taiwan. Viveu 15 anos na Ásia, para onde orientou sua carreira por considerar que o continente seria o mais importante do século 21 – previsão que, agora, vê cada vez mais perto da realidade.

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