Com o início da vacinação contra a COVID-19, surge o primeiro atrito diplomático entre UE e Reino Unido pós Brexit. Um mês após a concretização do acordo que sacramentou a saída do Reino Unido do bloco, ambos travam uma guerra por vacinas contra a COVID-19, criando uma tensão em um processo de reconstrução de suas relações bilaterais, além de arriscarem atrasar esforços globais para combater a crise sanitária.
Em virtude da agilidade das autoridades britânicas em aprovar os imunizantes e assinar contratos com os fornecedores, o Reino Unido foi o segundo Estado a iniciar a vacinação de sua população no mundo, perdendo apenas para a Rússia, por isso possui um positivo contraste em relação ao bloco econômico do qual já foi membro, onde as assinaturas com as fabricantes tardaram e a corrida contra o vírus caminha a passos lentos.
No cerne do problema, estão os atrasos de produção nas vacinas Pfizer-BionTech e da AstraZeneca-Oxford, o que levou a UE anunciar medidas burocráticas de exportação para as vacinas feitas em seu território com o intuito de priorizar a população local, o que deve afetar a campanha de imunização do Reino Unido, já que as doses que compraram da Pfizer vêm de fábricas na Bélgica. Além das medidas burocráticas, ameaças de interromper totalmente as exportações de vacinas foram feitas em um pronunciamento da Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no dia 23 de março. Em contrapartida, em uma entrevista ao jornal Italiano La Reppublica, o diretor executivo da empresa, Pascal Soriot, disse que nunca prometeu entregar as vacinas ao bloco europeu com a mesma rapidez que fez com o Reino Unido, já que o último assinou o contrato três meses antes.
Tal vantagem britânica na corrida pela imunização inclusive contribuiu no fortalecimento da opinião pública favorável ao Brexit e na forma com a qual o governo britânico conduziu a vacinação da população. Uma pesquisa da Ipsos MORI mostrou que dois terços (67 por cento) dos britânicos acreditam que o Reino Unido lidou com o programa de vacinação COVID-19 melhor do que os governos de países da UE. Dois quintos (40 por cento) dos britânicos acreditam que o Brexit melhorou a resposta da Grã-Bretanha à pandemia COVID-19.
Isso remete a um cenário no qual o sentimento de nacionalismo renasce com força na Europa, em que disputas ideológicas e políticas no cenário internacional se sobrepõem à saúde pública. Dessa forma, podendo gerar severas consequências, como atrasos na produção de vacinas e prejuízos às nações pobres, afetando toda uma cadeia de vacinação global.
Essa “guerra por vacinas” conseguiu expor um vácuo de poder e falta liderança na Europa. Por outro lado, essa situação serviu para o Reino Unido finalmente testar sua capacidade de se destacar internacionalmente no enfrentamento de desafios globais e de demonstrar a relevância e possível superioridade que terá na condução de agendas internacionais que necessitam de cooperação depois de estar de fora da União Europeia.
Referências:
MATTHEWS, Owen. Britain’s Been Hammered by Brexit, but It Got the Vaccine Right. Foreign Policy. Disponível em: <https://foreignpolicy.com/2021/02/01/britain-post-brexit-rocky-european-union-covid-vaccine/>. Acesso em: 10 Apr. 2021.
The Brexit vaccine war is a failure of empathy. LSE BREXIT. Disponível em: <https://blogs.lse.ac.uk/brexit/2021/03/24/the-brexit-vaccine-war-is-a-failure-of-empathy/>. Acesso em: 10 Apr. 2021.
UE e Reino Unido travam batalha por vacinas, aumentando tensões no pós-Brexit. O Globo. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/mundo/ue-reino-unido-travam-batalha-por-vacinas-aumentando-tensoes-no-pos-brexit-1-24857230>.
UK’s Remainers question love for EU amid vaccine row. POLITICO. Disponível em: <https://www.politico.eu/article/remainers-brexit-uk-eu-coronavirus-vaccine-row/>. Acesso em: 10 Apr. 2021
Autores: Ana Carolina Olmedo e Pedro Soares, pesquisadores do NENE/ESPM.