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O tabuleiro geopolítico: EUA x RPC < Oriente Médio

Presidente chinês Xi Jinping (direita) e Presidente iraniano Hassan Rouhani em 2016 (AP Photo/Ebrahim Noroozi).

A matéria que o Estadão publicou no dia 28/03 – “China investirá no Irã US$ 400 bi em troca de petróleo” – levanta mais um tema importante na disputa entre chineses e americanos pela hegemonia mundial. Desta feita é o Oriente Médio o foco, região particularmente sensível do planeta, como sabemos.

Segundo o artigo, o acordo que foi firmado pelo Chanceler chinês, Wang Yi, e seu contraparte iraniano, Javad Zarif, durante a recente visita que Wang fez a Teerã, prevê investimentos chineses em “uma dezena de setores, incluindo bancos, telecomunicações, portos, ferrovias, saúde e tecnologia da informação… A China concordou em investir US$ 400 bilhões (R$ 2,3 trilhões) no Irã durante 25 anos em troca de suprimento constante de petróleo a preço baixo para abastecer sua economia, em um amplo acordo econômico e de segurança” afirma o articulista.

A se concretizar, esta iniciativa poderá ter profundas implicações tanto geoeconômicas quanto geopolíticas. Tendo em vista a complexidade do que está em jogo, vamos tentar entender primeiramente as questões econômicas.

Como se sabe, o crescimento acelerado da economia chinesa tornou-a refém da importação de commodities. Neste contexto, a RPC tornou-se o principal consumidor de energia primária do planeta. E para a sua segurança energética, ela depende principalmente das exportações do Golfo Pérsico. Como o maior importador de petróleo do mundo, é fundamental para ela preservar um nível suficiente de reservas a fim de suprir eventuais choques, como no caso de uma guerra no Oriente Médio, exemplo nada impossível… A este propósito, a “Agência Internacional de Energia”/IEA, da qual a República Popular não faz parte, aliás, recomenda que os países mantenham reservas de petróleo bruto suficientes para cobrir pelo menos 90 dias de importações líquidas.

O aumento da dependência chinesa do petróleo do Golfo Pérsico deu origem, em contrapartida, a uma recíproca dependência dos seus parceiros árabes – entre eles, Irã, Iraque, Arábia Saudita e Omã -, que a têm como o principal mercado externo para o produto. Estabeleceu-se, assim, uma relação simbiótica que tem sido, por sua vez, motivo de crescente preocupação para os EUA: por exemplo, quando em 2004 o governo Bush desincentivou ativamente, por razões políticas, as companhias petrolíferas de investir no Irã, a empresa estatal chinesa Sinopec não atendeu ao apelo.

A “investida” de Pequim tem, aliás, uma cartografia abrangente: o Chanceler Wang já visitou a Arábia Saudita, a Turquia e deve ir, dentro em breve, aos Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Omã, segundo a matéria. Os especialistas afirmam que, em razão disto, a RPC está modulando sua posição de diplomacia defensiva para uma política externa mais global e eficiente, com ênfase na segurança energética e no suprimento de matérias-primas. Para o Professor visitante da Universidade de Oxford, Galip Dalay, “vários fatores atualmente fazem dos chineses parceiros atraentes para os governos do Oriente Médio. Para começar, a China tem uma economia dinâmica e de rápido crescimento, adequada para estes líderes que são altamente desconfiados de revoltas populares e democratização”. O foco seria, portanto, a conectividade econômica, o fluxo seguro de recursos energéticos e a proteção dos investimentos regionais. “A China quer exportar bens e commodities, não ideias políticas, para o Oriente Médio”, afirma ele.

E é neste contexto que se insere o litígio nuclear Irã/EUA/Ocidente…

Recordemos que foi assinado em 2015, durante a administração Barack Obama, pelo Irã e várias potências mundiais – inclusive a China -, o “Plano de Ação Conjunto Global”/ “Joint Comprehensive Plan of Action” (JCPOA), que definiu restrições significativas ao programa nuclear iraniano em troca do alívio das sanções econômicas que haviam sido impostas ao país. Entretanto, na presidência dos Estados Unidos, D.T. retirou, em 2018, seu país do acordo, alegando que o Irã não estava cumprindo o compromisso, espraiando sua zona de influência regional e ameaçando a vizinhança. Ao sucedê-lo na chefia da Casa Branca, Joe Biden manifestou o desejo de retomar as conversações com os ayatollahs. Transpirou na imprensa que os EUA planejam apresentar uma nova proposta para retomar as negociações, mas não é certo que o Irã aceitará os termos.

Ou seja, a pergunta que não quer se calar é se a questão EUA/RPC/Irã tem a ver com uma estratégia chinesa de ampliar sua presença econômico-comercial no Oriente Médio, apenas, ou haveria uma ambição maior de Pequim de sedimentar uma presença maior numa região (ainda) fundamental para o planeta, acirrando, uma vez mais, a competição com o hegemon de turno?

Acho que para tentarmos deslindar o atual “mindset” dos americanos seria interessante refletirmos um pouco sobre o que está ocorrendo com os EUA nestes primeiros tempos de Joe Biden. A meu ver, a disputa RPC X EUA está-se se deslocando, grosso modo, do foco “guerra comercial”, cara a D.T. e aos republicanos, para os direitos humanos, de Biden e dos democratas. Basta ver que as acusações, atualmente, dos americanos contra os chineses são: Hong Kong, os Uigures, Taiwan, o Mar do Sul da China…Questões, em última análise, “westfalianas”.

E qual seria o “mindset” dos chineses de Xi Jinping? A “Nova Rota da Seda”/”Belt and Road Initiative”, que ambiciona unir Ásia, Europa e África numa conurbação de três continentes –– questões “pós-westfalianas”, no sentido lato – sob o patrocínio de Pequim?

Briga de cachorro grande… “To be continued”.

Sugiro aos amigos que leiam a matéria do Estadão abaixo:

China investirá no Irã US$ 400 bi em troca de petróleo – Internacional – Estadão

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,china-investira-no-ira-us-400-bi-em-troca-de-petroleo,70003662813?utm_source=estadao%3Afacebook&utm_medium=link&fbclid=IwAR2YYGjVFuVoclK79T-GZXCtSZgeiBBhNXd7XomOXxhauoZntZQR_zTmOcY

Fausto Godoy
Doutor em Direito Internacional Público em Paris. Ingressou na carreira diplomática em 1976, serviu nas embaixadas de Bruxelas, Buenos Aires, Nova Déli, Washington, Pequim, Tóquio, Islamabade (onde foi Embaixador do Brasil, em 2004). Também cumpriu missões transitórias no Vietnã e Taiwan. Viveu 15 anos na Ásia, para onde orientou sua carreira por considerar que o continente seria o mais importante do século 21 – previsão que, agora, vê cada vez mais perto da realidade.