ISSN 2674-8053

Nicarágua: o custo das sanções internacionais recai sobre a população

Foto de Amnesty International

Nicaragua é um país da América Central relativamente pouco conhecido pelos brasileiros. As poucas vezes que o país aparece na mídia brasileira é para falar (de forma superficial) de algum golpe ou desastre que ocorre no país. As últimas notícias mostram manifestações populares e a resposta repressiva do presidente nicaraguense Daniel Ortega. A visão apresentada é que se trata de um ditador autoritário num país instável. No entanto, mais do que uma conjuntura, existe ali uma questão mais estrutural: o país está pressionado economicamente em função das sanções e embargos que sofre.

Em 1985 o presidente estadunidense Ronald Reagan declarou a Nicarágua uma ameaça à segurança nacional. O resultado foi a imposição de sanções comerciais e o banimento de voos comerciais ao país. Além destas ações, também houve o financiamento dos movimentos contrários ao governo nicaraguense de então.

Desde então a Nicarágua vivencia as consequências destes embargos e sanções. O atual presidente dos EUA, Joe Biden, manteve o posicionamento. Interessante notar que o país tem aproximadamente 6 milhões de habitantes, é pequeno, com poucos recursos e muito pobre. Ainda assim, é tido como uma grande ameaça, que deve ser combatida por meio das sanções.

Atualmente os EUA impões sanções contra oficiais do governo nicaraguense bem como impede empréstimos em organismos internacionais ao país, a não ser que sejam direcionados para questões humanitárias ou promoção da democracia.

Ainda que o objetivo seja atingir os oficiais, especialmente ministros e outras figuras influentes sobre o governo, o resultado é bem diferente. Quem acaba sofrendo as consequências mais profundas é a parcela mais pobre de população. Para se ter uma ideia, o Banco Mundial costumava financiar importantes projetos no país, direcionados a essa parcela da população. Mas suspendeu os financiamentos em 2018, só voltando a liberar algum recurso no final de 2020 para ajudar o país a enfrentar a pandemia de covid-19 e dois furacões que devastaram o país.

No médio prazo, as sanções acabam afetando estruturalmente a Nicarágua. O serviço de saúde pública, por exemplo, começou a enfrentar dificuldades para a manutenção dos equipamentos, levando à uma sensível piora na qualidade dos atendimentos. Transporte, comunicação e educação são outras áreas que também sofrem ao não conseguirem acesso tanto a recursos financeiros quanto a equipamentos necessários. Assim, no final, quem efetivamente sofre as consequências das sanções internacionais são as pessoas mais pobres, que dependem do Estado para prove-las com as condições mínimas de vida.

Ao olhar o impacto das sanções sobre a população não estou fazendo uma defesa do governo Daniel Ortega. Há sérias (e provavelmente verdadeiras) acusações de fraudes eleitorais, há uma repressão violenta sobre a população que se manifesta contra o governo. Essas são questões sérias e que devem ser criticadas. Porém, isso não significa que as sanções devem ser consideradas como uma forma de ação.

Apenas para que tenhamos uma ideia do impacto das sanções, há uma discussão nos EUA sobre o possível boicote à importação de carne bovina nicaraguense. Se isso ocorrer, certamente o governo perderá dinheiro tanto em impostos quanto em acesso a divisas internacionais, os produtores perderão dinheiro com as limitações de exportação, mas, sobretudo, aproximadamente 600 mil trabalhadores nicaraguenses poderão perder seus empregos.

Indico o artigo “Are Nicaraguan Migrants Escaping ‘Repression’—or Economic Sanctions?” (John Perry) falando sobre as migrações de nicaraguenses, discutindo o quanto estes fogem da repressão do governo e o quanto fogem das condições econômicas.

https://fair.org/home/are-nicaraguan-migrants-escaping-repression-or-economic-sanctions/

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X