ISSN 2674-8053

O greenwashing europeu

Artigo elaborado por Isabela Paez Halak e Natália Yuri Kitayama

Greenwashing é um termo referente à prática de transmitir ideias errôneas relacionadas às questões de sustentabilidade. Essa operação é comum no âmbito empresarial, em que as organizações omitem informações sobre a sua atuação sustentável. Isso pode ser feito por meio de marketing que exalta o quão “verde” ou sustentável a empresa é, sem, de fato, transparecer as condutas e ações realizadas. Geralmente, ao analisar o modus operandi dessas empresas, pode-se compreender que muitas das atuações são contrárias ao princípio de sustentabilidade.

A sustentabilidade é um conceito que trata de três pilares: econômico, social e ambiental. Habitualmente, o pilar ambiental é o mais reconhecido, contudo, observa-se o crescimento de pautas relacionadas a questões sociais e econômicas. Tal movimento é visto, principalmente, com o aumento de exigências para que empresas se adequem aos padrões ESG (Environmental, Social and Governance principles)¹, usados para avaliar práticas corporativas relacionadas às três variáveis. A projeção é de que, até 2025, o valor de investimentos alocados para ESG alcance US$ 53 trilhões, um aumento de 135% comparado aos US$ 22,8 trilhões investidos em 2016 (Bloomberg Professional Services, 2021). Acerca da Europa, os ativos de fundos mútuos do continente relativos aos ESG devem representar 57% do total em 2025, o que equivale a US$ 8,9 trilhões (PwC, 2021). Segundo Marcus Björksten, gerente do Fondita Sustainable Europe, um fundo sustentável europeu, o greenwashing é um problema real, e pontua: “Muitos fundos que utilizam o rótulo ESG não são tão sustentáveis quanto parecem. Diversos fundos ESG populares, por exemplo, investem nos maiores emissores de carbono mundiais” (Financial Times, 2021).

A Europa possui um histórico quando se trata de sustentabilidade, com líderes europeus, muitas vezes, tomando as rédeas de decisões globais, como foi visto no Acordo de Paris, de 2015 — um tratado de escala global no âmbito das Nações Unidas — negociado na cidade de Paris durante a COP21. De forma análoga, a COP26, que ocorreu em 2021, foi sediada em Glasgow, na Escócia, o que demonstra um constante engajamento europeu em relação a essa pauta. Pode-se citar diversas outras ações de princípio sustentável que partiram da esfera europeia, como o Green Deal Europeu, apresentado pela Comissão Europeia em 2019, e o Selo Verde, originado no Parlamento Europeu em 2020. Ademais, existem iniciativas de domínio legislativo, como o Sustainable Finance Disclosure Regulation (SFDR) e a Taxonomy Law, as quais validam em maior grau o interesse europeu.

No caso do SFDR, a legislação desenvolvida pela União Europeia (UE) prospecta um impulso financeiro equivalente à EUR 1 trilhão para investimentos “verdes” em um período de uma década, além de dificultar que participantes realizem greenwashing — receber credenciamento sem nenhum tipo de ação efetiva. As empresas devem se prontificar a produzir relatórios que comprovem sua atuação sustentável. Já a Taxonomy Law, legislação também advinda da UE, determina quais investimentos financeiros podem receber esse credenciamento sustentável. A listagem das atividades consideradas sustentáveis foi desenhada pela Comissão Europeia e é baseada em recomendações de organizações não-governamentais (ONGs).

Contudo, as legislações apresentam brechas que possibilitam que empresas pratiquem o greenwashing, quando, teoricamente, ambas foram propostas para barrar o ato. Em relação ao SFDR, em um webinar realizado pelo Apex Group, uma empresa de manutenção de fundos, foi apurado que apenas 17% dos participantes estão preparados para seguir as regras da legislação. Além disso, reguladores da UE ainda não confirmaram quais dados deverão ser providenciados pelas empresas em seus relatórios de sustentabilidade, o que causa preocupação, já que esses dados podem não existir.

Quanto à Taxonomy Law, a Comissão Europeia possibilitou uma precarização desta, de forma que organizações que anteriormente haviam auxiliado no processo de diretrizes — como a Transport & Environment (T&E), WWF European Policy Office, BirdLife Europe, BEUC e ECOS — se afastaram e estão exigindo uma discussão para estabelecer maiores parâmetros científicos. De acordo com Luca Bonaccorsi, diretor de sustentabilidade financeira da T&E: “A Taxonomy Law deveria ser o modelo para a sustentabilidade financeira. Mas o resultado tem sido greenwashing de navios de carga e ônibus que utilizam combustíveis fósseis, desmatamento e queimadas. Ambientalistas não retornarão ao processo até que a Comissão retorne à ciência”. Por meio da legislação, a Comissão, movida por interesses cientificamente negacionistas, rotulou como sustentável as ações nomeadas por Bonaccorsi, em especial as relacionadas aos combustíveis.

A indústria de combustíveis fósseis é considerada um grande obstáculo para a sustentabilidade, já que seus processos estão pautados na queima destes para a produção de energia. Segundo o Departamento de Energia dos EUA, cerca de três quartos das emissões de carbono são originadas da queima de combustíveis fósseis. Todavia, analisando esses dados e a comunicação dessa indústria, há uma incongruência. As seis maiores empresas de combustíveis fósseis da Europa, — Preem, Fortum, Shell, Total, Eni e Repsol — partilham do uso do greenwashing como ferramenta de comunicação, observado em cerca de dois terços das postagens em redes sociais e publicidades (DeSmog, 2021). Isso pode ser demonstrado com a Royal Dutch Shell que, desde 2016, possui investimentos para energia renovável valorados a US$ 3,2 bilhões, enquanto seus investimentos para exploração de óleo e gás somam cerca de US$ 84 bilhões.

O acobertamento da Comissão da UE sobre a indústria de combustíveis fósseis no SFDR e na Taxonomy Law deu-se, possivelmente, pela dependência energética europeia da Rússia. Em relação ao gás natural, a Gazprom, empresa estatal russa, fornece de 35% a 40% do produto utilizado na Europa, o que resulta no controle da oferta e dos preços do gás no continente feito pela Rússia. Para a União Europeia, essa dependência e controle russo é um problema, como foi dito em plenária pelo eurodeputado Siegfried Mureșan: “Temos de garantir que nenhum Estado ou ator estatal, seja a Federação Russa, a Gazprom ou qualquer outra entidade, manipule e influencie os preços europeus da energia” (Euronews, 2021). A partir da pretensão de tornar-se mais independentes, as empresas europeias de energia, mesmo que não renováveis, conseguem influenciar, por meio do lobby, as decisões do bloco, o que acarreta no greenwashing.

Portanto, apesar do esforço e do interesse da Europa em liderar a discussão acerca da sustentabilidade, o continente é dependente dos combustíveis fósseis. Isso prejudica a pauta e as legislações, uma vez que há o interesse da UE em tornar-se independente da energia russa, resultando na grande influência das empresas europeias de combustíveis fósseis, as quais mascaram suas ações não sustentáveis por meio do greenwashing. Com isso, medidas e ações efetivas a favor do meio ambiente, da diversidade e da transparência são adiados, o que poderá resultar em eventos negativos ao mundo e à sociedade, como desastres naturais ou escassez de recursos.

Referências

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Núcleo de Estudos e Negócios Europeus
O Núcleo de Estudos e Negócios Europeus (NENE) está ligado ao Centro Brasileiro de Estudos de Negócios Internacionais & Diplomacia Corporativa (CBENI) da ESPM-SP. Foi criado considerando a necessidade de estimular a comunidade acadêmica brasileira e latino-americana a compreender melhor suas relações com os europeus, buscando compreender e aprofundar a Parceria Estratégica Brasil – União Europeia.