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O preço dos alimentos, para além da guerra entre Rússia e Ucrânia

O preço dos alimentos está cada vez mais alto, e isso não apenas no Brasil, mas no mundo como um todo. As razões para isso são diversas e levam à necessidade de repensarmos a chamada “segurança alimentar”.

A guerra entre Rússia e Ucrânia tem sido apontada como a grande culpada pelo aumento dos preços dos alimentos. Certamente ela tem um papel muito importante nisso, mas é apenas parte da história. No começo de 2020, com o avanço da pandemia do Covid-19 houve uma desestruturação das cadeias de suprimento internacionais, o que pressionou os custos. Na sequência os governos implementaram políticas fiscais e monetárias para diminuir as consequências da pandemia sobre suas populações, o que levou ao aumento dos preços de comodities, especialmente grãos e alimentos. Para se ter uma ideia, antes de a guerra começar, o preço do trigo e do milho estavam mais de 40% mais caros do que aqueles praticados 10 anos antes.

Com a guerra o que ocorreu foi a tentativa de os países produtores buscarem restringir as exportações dos alimentos que produzem, o que levou ao aumento ainda maior dos preços internacionais.

Eventos climáticos extremos (como a grande onda de calor na Índia e o verão extremamente seco na Europa) estão resultando numa diminuição significativa na quantidade de grãos produzidos.

O atual cenário que vivemos é resultado de uma série de fatores e, tudo indica, o preço alto dos alimentos ainda continuará por um tempo. Não é a primeira vez que o mundo enfrenta uma crise desta natureza. Na safra de 2007-2008 e de 2010-2011 também passamos por pressões sobre os custos dos alimentos.

Enquanto algumas das razões não são controláveis (ao menos no curto-prazo), como as climáticas, outras são possivelmente alteradas a fim de diminuir o impacto. Talvez a mais alterável de todas seja a produção ucraniana. Estimativas da Mckinsey dizem que a produção agrícola ucraniana deverá cair entre 35%v e 45% na próxima safra.

Para que tenhamos uma ideia do que isso significa, Rússia e Ucrânia produzem aproximadamente 28% do trigo e 15% do milho exportado anualmente. Isso significa que qualquer mudança de comportamento desses países tanto na produção, quanto na disposição de exportação têm um gigantesco impacto nos preços internacionais destes grãos.

O cenário atual é de redução na capacidade produtiva como resultado direto da guerra entre os dois países. Mas também existe um outro problema que é a capacidade/disponibilidade para que o que for produzido seja efetivamente exportado. Os portos ucranianos estão operando com muita limitação em função dos esforços de guerra, com especial destaque para a instalação de diversas minas que levam à limitação da circulação de navios na região (para mais sobre o tema, ver os artigos do The Wall Street Journal https://www.wsj.com/articles/mines-port-damage-threaten-revival-of-sea-route-for-ukraine-grain-11656754200 ou do Euronews https://www.euronews.com/next/2022/06/11/how-floating-sea-mines-are-stopping-grain-leaving-ukraine-s-ports-and-making-the-food-cris).

Toda essa questão leva à necessidade de entendermos que é necessário o mundo entender melhor as condições de garantia da segurança alimentar global. E isso exige concertação por parte dos Estados e das organizações internacionais. Tanto o encaminhamento de políticas para reduzir o aquecimento global, quanto de maior discussão sobre sanções no caso da guerra entre Rússia e Ucrânia precisam ser melhor debatidas nos fóruns multilaterais. Ao abordarmos essas questões como algo fechadas em si mesmas, não conseguiremos entender seus impactos maiores e mais duradouros.

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X