No dia 20 de março, o Primeiro-Ministro do Japão, Fumio Kisihida, realizou uma visita oficial à Índia. Em Nova Delhi ele fez uma palestra no influente “Indian Council for World Affairs”, intitulado “O Futuro do Indo-Pacífico – Novo Plano do Japão para um Indo-Pacífico Livre e Aberto” junto com a Índia: uma Parceira Indispensável”. Foi quando anunciou um plano abrangente para a região intitulado “Indo-Pacífico Livre e Aberto” /FOIP.
Ele relembrou que este projeto, que visa interligar política e economicamente os oceanos Pacífico e Índico, havia sido proposto por ele, em 2015, perante a mesma audiência, seguindo a visão do então Primeiro-Ministro Shinzo Abe, de quem era Ministro das Relações Exteriores. Para este último, o Japão e a Índia deveriam liderar conjuntamente a região, e o mundo, na “Era do Indo-Pacífico”. Kishida afirmou que nos sete anos que se passaram desde então, a comunidade internacional viveu eventos definitórios, que podem ser qualificados como uma mudança de paradigma; entre eles, a pandemia da COVID-19 e a agressão da Rússia à Ucrânia.. Contextualizando, ele afirmou que “esta agressão nos obriga a enfrentar o desafio mais fundamental: a defesa da paz”, aos quais agregou os que chamou de desafios relacionados aos “bens comuns globais”, como clima e meio ambiente, saúde e ciberespaço, que se tornaram muito mais iminentes e sérios. Segundo Kishida, “a comunidade internacional está num ponto de inflexão da História: o equilíbrio de poder está mudando drasticamente no seio da comunidade internacional. A notável ascensão da Índia é um desses exemplos”.
Ele afirmou, também, que à medida que o chamado “Sul Global” cresce e o mundo se torna mais diverso, é necessário se ter uma boa compreensão dessa formação histórica e cultural, uma vez que o compartilhamento da governança global tornou-se cada vez mais complexo: uma característica desse ponto de inflexão é a falta de perspectiva orientadora que seja aceitável para todos sobre o que deve ser a ordem internacional, contemporânea e futura. Segundo ele, isto teria ficado claramente demonstrado pelas notórias discrepâncias de atitude de vários países com relação à agressão da Rússia à Ucrânia. Ele considera isto como a evidência de que uma forte força centrífuga está operando no seio da comunidade internacional. Para enfrentar este novo cenário, o Japão expandirá sua presença e cooperação com a região, enfatizou…
Em que termos? Segundo suas próprias palavras: “é simples. Vamos melhorar a conectividade da região do Indo-Pacífico, alavancar a região a um patamar que valoriza a liberdade, o Estado de Direito, livre de força ou coerção e torná-la próspera. Com este pano de fundo, devemos reafirmar e compartilhar o entendimento de que na raiz do plano “Indo-Pacífico Livre e Aberto”/FOIP está a defesa da liberdade e do Estado de Direito. Em outras palavras, os países vulneráveis são os que mais precisam de um Estado em que os princípios da Carta das Nações Unidas, como o respeito à soberania e à integridade territorial, a solução pacífica de litígios e o não uso da força sejam respeitados… Outro princípio igualmente importante para o FOIP é o respeito à “diversidade”, “inclusão” e “abertura”. Ou seja, não excluímos ninguém, e não impomos valores” (sic).
Para o Primeiro-Ministro japonês “…este plano necessita ser implementado em conjunto com vários países e partes interessadas. O Japão reforçará a coordenação com os Estados Unidos, a Austrália, o Reino Unido, o Canadá, a Europa e outros países. Claro que a Índia é indispensável. Expandiremos as redes entre os países que compartilham esta visão, incluindo a ASEAN e os países insulares do Pacífico, o Oriente Médio, a África, a América Latina e o Caribe, e direcionaremos esforços no espírito de “co-criação”…”também cooperaremos na materialização de cidades inteligentes, utilizando tecnologia digital; a este respeito, acreditamos que há um grande potencial para a utilização da tecnologia japonesa e a força da Índia no campo de TI”.
Discurso à parte, o que motivou o governo japonês, tão “tímido” em sua política externa, a querer agora tomar uma atitude tão pró-ativa no cenário internacional… e voltar-se para o “sul global”?Não é nada difícil responder: é a República Popular da China de Xi Jinping, é claro, que para os japoneses (e não somente eles) constitui uma ameaça – histórica -, e que já “aliciou” a Rússia e criou um macrocosmo de poder respeitável na região (e mais além). Tanto é assim que neste mesmo discurso Kishida afirmou peremptoriamente que o “Japão condena com veemência (‘strongly”) a agressão da Rússia contra a Ucrânia e nunca a reconhecerá” (“will never recognize it”).
A pergunta seguinte que não quer igualmente se calar é…interessaria à Índia de Narendra Modi, que também tem veleidades expansionistas com a política do “Act East”, pela qual deseja ampliar e diversificar sua influência na região vizinha? Neste contexto, no caso específico do universo asiático, aceitaria ela uma aliança que crie qualquer compartilhamento de protagonismo com outra potência regional, sobretudo sabendo-se que os japoneses se comprometeram a disponibilizar recursos técnicos, humanos e -sobretudo -financeiros da “Official Development Assistance”/”Assistência Oficial para o Desenvolvimento”/ ODA, o órgão governamental que se encarrega da política de cooperação com o exterior, que é poderoso – e influente – em razão do volume de recursos de que dispõe para suas atividades? Certamente a Índia não teria nem recursos e nem interesse maior em participar de um “sul global Japanese style”…mas posso estar equivocado…
E será que ela, assim como os outros países da região, compartilha(m) os mesmos conceitos e valores?
Entendo que não é o propósito dos japoneses criar “xerifes” do processo, mas esta é, parece-me, a realidade que o mundo “pós-westfaliano” está enfrentando…uma “dança das cadeiras” geopolítico/geoeconômica que ainda apresentará grandes surpresas… como a da “Índia superpotência”, como comentei anteriormente…
Enquanto isto, la nave va…
Sugiro aos amigos que leiam o texto da palestra do Primeiro-Ministro Kishida, abaixo: