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A nova Assembleia Parlamentar da OEA: desafios para a autonomia brasileira frente à influência dos EUA

A Organização dos Estados Americanos (OEA) tem desempenhado um papel significativo na política hemisférica desde sua fundação em 1948. A organização, que visa promover a democracia, os direitos humanos, a segurança e o desenvolvimento na região, frequentemente se vê sob a influência dominante dos Estados Unidos. Este artigo examina a resolução GRS 3004 de 2023, que propõe a criação de uma estrutura legislativa semelhante à Assembleia Parlamentar da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), e como essa iniciativa pode impactar a autonomia dos países latino-americanos, com um foco especial no Brasil.

A resolução GRS 3004 de 2023 visa o fortalecimento da democracia na região, propondo a criação de uma assembleia parlamentar no âmbito da OEA. Essa estrutura legislativa teria como objetivo principal proporcionar uma plataforma para o debate e a formulação de políticas que promovam a democracia e os direitos humanos nos Estados membros. A ideia é que essa assembleia funcione de maneira similar à OSCE, oferecendo um fórum para a cooperação multilateral e a resolução de conflitos.

Contudo, a criação desta estrutura pode aumentar significativamente a influência dos Estados Unidos na região. Historicamente, os Estados Unidos têm utilizado a OEA como uma ferramenta para promover seus interesses políticos e econômicos na América Latina. Por exemplo, durante a Guerra Fria, a OEA serviu como um veículo para conter a influência do comunismo na região, muitas vezes alinhando-se com as políticas externas dos Estados Unidos. Mais recentemente, a OEA tem sido criticada por alguns países membros por favorecer posições norte-americanas em crises políticas na Venezuela e na Nicarágua.

A nova assembleia parlamentar proposta pela GRS 3004 pode reforçar essa tendência. Primeiramente, os Estados Unidos, como maior contribuinte financeiro da OEA, têm uma capacidade significativa de influenciar a agenda e as prioridades da organização. A criação de uma assembleia parlamentar daria aos Estados Unidos mais um fórum para exercer essa influência, possivelmente moldando as discussões e decisões em conformidade com seus interesses.

Entretanto, o foco não deve ser apenas em evitar a influência dos Estados Unidos, mas sim em garantir a autonomia dos países latino-americanos, especialmente o Brasil. A estrutura e o funcionamento de uma assembleia parlamentar na OEA poderiam espelhar as práticas e normas legislativas dos Estados Unidos, reforçando ainda mais a hegemonia cultural e política norte-americana na região. A implementação de políticas e padrões influenciados por modelos norte-americanos pode levar a uma maior dependência dos países latino-americanos das instituições e do apoio dos Estados Unidos, tanto em termos políticos quanto econômicos.

Para o Brasil, a preservação da autonomia é fundamental. O país deve se esforçar para garantir que qualquer nova estrutura legislativa no âmbito da OEA permita uma participação equitativa e respeite a soberania dos Estados membros. A criação de uma assembleia parlamentar poderia ser uma oportunidade para o Brasil exercer uma liderança mais assertiva na região, promovendo uma agenda que reflita os interesses e valores latino-americanos.

Os defensores da resolução argumentam que a criação de uma assembleia parlamentar poderia proporcionar uma plataforma mais democrática e representativa para os países latino-americanos. Eles afirmam que um fórum legislativo permitiria uma maior participação e influência de todos os Estados membros, promovendo uma distribuição de poder mais equitativa dentro da OEA. No entanto, essa visão otimista precisa ser cuidadosamente analisada no contexto das dinâmicas de poder existentes.

A proposta de uma assembleia parlamentar no âmbito da OEA traz à tona questões complexas sobre soberania, influência e a verdadeira natureza da cooperação hemisférica. Embora a intenção declarada da resolução GRS 3004 de 2023 seja fortalecer a democracia, há uma preocupação legítima de que ela possa servir para consolidar ainda mais a influência dos Estados Unidos na América Latina. A história mostra que, apesar das intenções declaradas, a OEA muitas vezes reflete os interesses de Washington.

Portanto, enquanto a criação de uma assembleia parlamentar na OEA pode parecer um passo positivo em direção a uma maior cooperação e democracia, é crucial que os países latino-americanos, especialmente o Brasil, abordem essa iniciativa com cautela. Eles devem assegurar que qualquer nova estrutura legislativa seja verdadeiramente representativa e não se torne mais um instrumento de influência norte-americana. A implementação de salvaguardas e mecanismos de equilíbrio de poder será essencial para garantir que a assembleia parlamentar sirva aos interesses de todos os Estados membros de forma justa e equitativa, promovendo a verdadeira democracia e cooperação na região, ao mesmo tempo em que preserva a autonomia e a soberania do Brasil.

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X

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