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Educação globalizada e o desafio da preservação cultural

A educação globalizada, que hoje atravessa fronteiras e promove uma cultura de conhecimento compartilhado, tornou-se uma das ferramentas mais poderosas para a formação das gerações futuras. No entanto, essa mesma educação, que valoriza a padronização e a preparação para um mercado de trabalho global, impõe um desafio significativo às identidades culturais locais. Em muitos países, especialmente naqueles com tradições ricas e diversificadas, o sistema educacional globalizado ameaça a transmissão das práticas culturais e dos valores comunitários que são fundamentais para a construção da identidade.

Na África, onde a educação formal ainda é um campo de disputa entre a tradição e a modernidade, o sistema educacional ocidental muitas vezes é visto como uma herança colonial que não dialoga com as realidades locais. Em várias comunidades rurais, as práticas de ensino são centradas na transmissão oral e na participação ativa da comunidade, onde o conhecimento é transmitido de uma geração para outra em um processo que integra cultura, história e espiritualidade. No entanto, o currículo ocidentalizado que domina as escolas africanas tende a ignorar esses saberes tradicionais, promovendo um tipo de conhecimento que desvaloriza o local em favor do global. Esse descompasso cria uma identidade dividida entre o aprendizado escolar, que promove um ideal de sucesso baseado na cultura ocidental, e a cultura ancestral, que, apesar de rica, começa a ser vista como algo ultrapassado pelos jovens.

Na Ásia, onde culturas milenares como a chinesa, a indiana e a japonesa possuem tradições educativas próprias, o impacto da educação globalizada é igualmente desafiador. Na China, por exemplo, o sistema educacional valoriza tanto a formação para o mercado global quanto o reforço da identidade nacional, criando uma dualidade que pode ser vista na pressão sobre os estudantes para dominarem o inglês e, ao mesmo tempo, preservarem valores confucionistas. Em países como a Índia, o inglês é a língua de ensino em muitas escolas, mas essa escolha não vem sem consequências: para muitos estudantes, a língua nativa e a literatura local perdem espaço em um currículo voltado para a empregabilidade em empresas multinacionais. A educação globalizada, ao promover uma linguagem e um conjunto de valores universais, reduz o espaço para a diversidade cultural, resultando em uma perda de identidade que afeta não só a língua, mas também o senso de pertencimento e a continuidade das tradições locais.

No ocidente, onde a educação globalizada é o modelo padrão, vemos um fenômeno em que a diversidade cultural interna muitas vezes é sacrificada em prol de uma visão homogênea de conhecimento. Em países como os Estados Unidos, a educação valoriza a preparação para a competitividade internacional, o que deixa pouco espaço para o ensino das culturas locais e das tradições étnicas dos próprios estudantes. A uniformidade curricular, enquanto busca um ideal de igualdade, por vezes obscurece as particularidades culturais de comunidades afrodescendentes, indígenas ou imigrantes, que têm seus próprios saberes e modos de entender o mundo. O sistema escolar, ao promover a integração cultural, frequentemente ignora as identidades locais que compõem a nação, promovendo uma visão de cidadania que não necessariamente reflete a diversidade de experiências culturais.

A educação globalizada, enquanto ferramenta de oportunidades e de acesso ao conhecimento universal, coloca em xeque a preservação cultural e a construção de uma identidade enraizada. O desafio está em encontrar um equilíbrio onde o aprendizado global não sufoque os valores e as práticas locais, mas que permita a formação de indivíduos que possam compreender e valorizar sua cultura ao mesmo tempo que se conectam com o mundo. Para muitas culturas, essa conciliação é um ato de resistência e de afirmação, onde a educação se torna um espaço de diálogo e não de imposição. Afinal, o verdadeiro valor da educação está em formar cidadãos do mundo que conheçam e respeitem suas próprias raízes, reconhecendo que a diversidade cultural é um dos maiores patrimônios da humanidade.

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X

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