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Envolvimento do Sul Global na guerra entre Rússia e Ucrânia: um desvio prejudicial

O envolvimento do Sul Global na guerra entre Rússia e Ucrânia traz à tona uma série de questões que vão além do mero posicionamento geopolítico. Esta participação, muitas vezes involuntária, acaba por afastar essas nações de seus objetivos primordiais de desenvolvimento, mergulhando-as em um mar de controvérsias e acusações que obscurecem as reais necessidades de suas populações.

O ataque ao avião militar russo Il-76, por exemplo, serve como uma metáfora para a complexidade e as sombras que envolvem o papel dos países do Sul Global neste conflito. Informações desencontradas e a falta de transparência dominam o cenário, onde a verdadeira história por trás de tais incidentes permanece velada, alimentando um jogo de acusações que só serve para intensificar tensões internacionais.

Ainda mais perturbadora é a acusação de violação dos direitos das crianças, um tema que, embora universalmente condenável, é frequentemente instrumentalizado como uma ferramenta de retórica política. Países do Sul Global, buscando manter relações diplomáticas equilibradas, encontram-se em uma posição delicada, onde tomam partido ou expressam censuras pode resultar em consequências econômicas e políticas adversas.

Este cenário geopolítico conturbado desvia a atenção dos verdadeiros desafios enfrentados pelo Sul Global. Em vez de concentrar esforços no combate à pobreza, na melhoria da educação e saúde ou na luta contra as mudanças climáticas, esses países são arrastados para um conflito que transcende suas fronteiras e prioridades. A guerra entre Rússia e Ucrânia, embora tenha suas raízes e razões específicas, torna-se assim um símbolo de como disputas distantes podem ter um impacto profundo e desproporcional em nações que buscam apenas o progresso e a estabilidade.

Além disso, o jogo de acusações entre as nações envolvidas no conflito coloca o Sul Global em uma posição ingrata. Ao se alinhar com um lado ou outro, países podem se ver em meio a represálias econômicas ou políticas, comprometendo não apenas suas relações internacionais, mas também o bem-estar de suas próprias populações. A neutralidade, embora ideal, é muitas vezes inviável, pressionada pela necessidade de apoio financeiro ou político dos grandes poderes envolvidos.

É fundamental, portanto, que o Sul Global procure maneiras de se desvencilhar deste ciclo vicioso de envolvimento em conflitos que estão além de seus interesses imediatos. Isso não significa ignorar as questões de direitos humanos ou violações internacionais; pelo contrário, significa reafirmar a importância de se concentrar nas prioridades que são cruciais para o seu próprio desenvolvimento e estabilidade.

A busca por soluções diplomáticas e o fortalecimento de instituições multilaterais podem oferecer caminhos para que esses países defendam seus interesses sem serem arrastados para o turbilhão de disputas que definem atualmente o cenário global. A cooperação Sul-Sul, juntamente com uma abordagem pragmática e equilibrada nas relações internacionais, pode ajudar a proteger os países do Sul Global das correntes turbulentas da geopolítica global.

Nesse contexto, a guerra entre Rússia e Ucrânia não é apenas um lembrete das fragilidades do sistema internacional, mas também um chamado para que os países do Sul Global reavaliem suas prioridades e estratégias. A verdadeira força reside na capacidade de permanecer focado nos objetivos de longo prazo, resistindo às pressões e manipulações que buscam desviar essas nações de seu caminho de progresso e autodeterminação.

Rodrigo Cintra
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X