
O comércio global de armamentos não é apenas uma questão de segurança nacional ou defesa militar — é também um dos setores mais influentes da política internacional, capaz de moldar alianças, prolongar conflitos e redesenhar zonas de influência. Por trás de cada guerra, disputa territorial ou reconfiguração de poder, há contratos bilionários, pressões políticas e uma cadeia de interesses articulada por um dos lobbies mais poderosos do mundo: o lobby internacional das armas.
Esse lobby não opera apenas nos corredores dos parlamentos nacionais, mas em uma escala transnacional, conectando governos, empresas, intermediários e think tanks. O complexo industrial-militar é especialmente forte em países como Estados Unidos, Rússia, França, China, Reino Unido, Israel e Turquia — os maiores exportadores de armas do planeta. Mas sua influência se estende a dezenas de outros Estados que compram, produzem sob licença ou aspiram a entrar nesse mercado.
Nos Estados Unidos, o setor de defesa é um dos maiores financiadores de campanhas eleitorais e um dos que mais gasta com lobby formal. Empresas como Lockheed Martin, Raytheon, Boeing e Northrop Grumman exercem pressão direta sobre o Congresso, o Pentágono e órgãos reguladores. Muitas dessas companhias têm diretores que passaram por cargos públicos e vice-versa, numa circulação de elites conhecida como “porta giratória”. Além disso, financiam centros de pesquisa que moldam o discurso estratégico e justificam a necessidade de novos armamentos.
O caso americano é o mais emblemático, mas não é único. Na Rússia, a exportação de armas é um instrumento explícito de política externa, controlado diretamente pelo Kremlin. A estatal Rosoboronexport atua como braço estratégico do Estado, firmando contratos com países aliados e oferecendo condições de financiamento atrativas. A Rússia vende armas para regimes sancionados, como Síria, Venezuela e Irã, reforçando sua presença geopolítica em regiões-chave.
A França, por sua vez, é notória por manter uma diplomacia comercial agressiva no setor bélico. Seus contratos com Arábia Saudita, Egito e Emirados Árabes Unidos mostram como o governo francês prioriza interesses econômicos e industriais, mesmo diante de denúncias de violações de direitos humanos. A China, em expansão recente no mercado, foca em países africanos e asiáticos, oferecendo equipamentos a preços mais baixos e sem exigências políticas.
Israel, com seu setor de tecnologia militar altamente desenvolvido, vende sistemas de vigilância, drones e softwares de guerra cibernética. O país testa boa parte de seus produtos em operações reais e os promove como “combat proven”, o que eleva sua atratividade. Já a Turquia, que emergiu como novo ator no setor, exporta drones de baixo custo e equipamentos adaptados a guerras assimétricas, como visto na Líbia, Azerbaijão e Ucrânia.
O lobby das armas não atua apenas na venda de produtos, mas também na criação de ambientes propícios para seu consumo. O medo, o discurso de ameaça permanente e a instabilidade regional são utilizados para justificar gastos militares crescentes. Em muitos países, programas de compra de armas vêm acompanhados de cláusulas de transferência de tecnologia, treinamento de tropas e apoio político — criando laços duradouros entre fornecedor e comprador.
O impacto disso é amplo. Conflitos são prolongados porque há suprimento contínuo de armas; governos autoritários se mantêm no poder por meio de apoio bélico externo; e zonas instáveis tornam-se vitrines de teste para novas tecnologias letais. Além disso, a falta de transparência nos contratos e a presença de intermediários facilita corrupção e abusos.
Apesar de tratados internacionais como o Tratado de Comércio de Armas (TCA), aprovado em 2013, o setor continua operando com grande opacidade. Muitos dos maiores exportadores nunca ratificaram o tratado ou o interpretam de forma flexível. A competição por mercados supera frequentemente preocupações com direitos humanos ou estabilidade regional.
O lobby internacional das armas é, portanto, uma engrenagem poderosa e muitas vezes invisível. Entender sua lógica é fundamental para compreender por que tantos conflitos parecem sem fim, por que alianças geopolíticas se mantêm apesar de contradições morais e por que a paz, em muitos casos, se torna menos lucrativa do que a guerra.
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X
