ISSN 2674-8053 | Receba as atualizações dos artigos no Telegram: https://t.me/mapamundiorg

Oceano em disputa: a nova fronteira geopolítica e ambiental do século XXI

Durante décadas, os oceanos foram tratados como espaços marginais nos debates internacionais. Longe dos centros de poder, vistos como comuns e vastos demais para serem controlados, eram lembrados sobretudo em pautas ambientais ou econômicas pontuais. Em 2025, essa realidade mudou. Os oceanos tornaram-se um dos principais focos de tensão e cooperação geopolítica global. Em jogo estão rotas comerciais, mineração submarina, biodiversidade marinha, militarização de áreas estratégicas e o futuro da governança ambiental planetária.

A transformação dos oceanos em campo de disputa pode ser explicada por várias razões. Primeiro, mais de 90% do comércio global transita por via marítima. Em um mundo cada vez mais multipolar e competitivo, o controle sobre rotas marítimas passou a ser central para a segurança econômica dos países. Regiões como o mar do Sul da China, o estreito de Ormuz e o cabo da Boa Esperança tornaram-se pontos nevrálgicos, onde a presença naval e disputas territoriais se intensificaram.

Segundo, os oceanos concentram vastos recursos minerais ainda pouco explorados. A chamada mineração em alto-mar (deep sea mining), antes apenas uma possibilidade tecnológica, começou a se tornar realidade com o avanço de equipamentos de escavação robotizada. Países como China, Rússia e Noruega lideram as iniciativas de extração de metais raros — como cobalto, níquel e manganês — essenciais para baterias e tecnologias de energia limpa. Empresas privadas, em parceria com Estados, já operam testes em áreas remotas do Pacífico e do Atlântico.

Essa corrida mineral, no entanto, levanta sérias preocupações. Cientistas alertam que a perturbação dos ecossistemas marinhos profundos pode gerar impactos irreversíveis na biodiversidade e nas cadeias alimentares oceânicas. A ausência de um marco regulatório global eficaz — com regras claras sobre o que pode ou não ser explorado — expõe o oceano a uma nova forma de colonização econômica, onde países e corporações poderosas exploram recursos comuns em benefício próprio.

A crise climática também agravou a centralidade dos oceanos. Como reguladores térmicos e grandes sumidouros de carbono, eles absorvem parte significativa do excesso de gases de efeito estufa da atmosfera. Mas esse processo tem limite. O aumento da temperatura das águas e a acidificação oceânica colocam em risco recifes de corais, cadeias de pesca e populações costeiras inteiras. Além disso, o derretimento de calotas polares está abrindo novas rotas no Ártico, alterando a geopolítica da região e criando disputas por territórios navegáveis até então inacessíveis.

Em 2025, a Conferência da ONU sobre os Oceanos, realizada em Nice, expôs o impasse. Países desenvolvidos prometeram reforçar os compromissos de proteção marinha, mas ao mesmo tempo pressionaram para manter suas operações comerciais e industriais nos mares. O tratado internacional de alta-mar, assinado em 2023 e ainda em processo de ratificação, busca regular parte dessas atividades, mas encontra resistência de grandes potências econômicas e atores privados.

No Sul global, cresce a consciência de que os oceanos são também uma fronteira de soberania e sobrevivência. Pequenos Estados insulares do Pacífico e do Caribe, como Fiji e Tuvalu, alertam há anos para os impactos da elevação do nível do mar e a destruição de ecossistemas marinhos. Países africanos e latino-americanos, por sua vez, exigem maior acesso a tecnologias sustentáveis de pesca, monitoramento e defesa marinha, alertando para a desigualdade de capacidades entre países costeiros ricos e pobres.

O Brasil, com sua extensa costa atlântica, a Amazônia Azul e um dos maiores litorais do mundo, está diretamente inserido nesse debate. A exploração de petróleo em águas profundas, a proteção dos bancos de corais e a necessidade de garantir soberania em áreas estratégicas do Atlântico Sul colocam o país numa posição delicada: equilibrar interesses econômicos com compromissos ambientais e diplomáticos. Ainda que participe de fóruns multilaterais, o Brasil carece de uma estratégia de longo prazo para se posicionar de forma assertiva nessa nova geopolítica oceânica.

A governança dos oceanos, portanto, não é mais apenas um tema de especialistas ambientais. Trata-se de uma questão estratégica global que envolve segurança, economia, biodiversidade e justiça. Sem uma estrutura internacional sólida, com ampla participação dos países do Sul, os oceanos correm o risco de repetir a lógica predatória que já marcou tantos outros territórios: apropriação privada de bens comuns, marginalização dos mais vulneráveis e degradação ambiental irreversível.

Diante disso, torna-se urgente a construção de um pacto global para os oceanos, com base em três princípios: equidade entre países, responsabilidade ambiental e soberania dos povos costeiros. Essa é a única forma de garantir que o mar — que cobre 70% do planeta — não se transforme, mais uma vez, em território de conquista, mas sim em espaço de cooperação real para o futuro da humanidade.

Deixe um comentário