
A decisão da Chilli Beans de realizar transações internacionais com a China sem o uso do dólar norte-americano marca um passo ousado na estratégia da empresa e ilustra uma tendência cada vez mais evidente no comércio global. O CEO anunciou que a partir de agora os negócios bilaterais serão feitos diretamente em yuan e real, evitando a conversão intermediária para a moeda dos Estados Unidos. Essa mudança reduz a exposição às variações cambiais do dólar e coloca a marca brasileira na vanguarda de um movimento que já é percebido entre países e empresas de diferentes continentes.
A prática é viabilizada por mecanismos de compensação direta entre moedas nacionais, como acordos entre bancos centrais e a adesão a sistemas de pagamento internacionais alternativos ao SWIFT, como o CIPS, operado pela China. Assim, a liquidação das transações ocorre em yuan e real, sem a necessidade de comprar dólares no mercado. Além disso, contratos cambiais específicos e o uso de contas bancárias em moeda estrangeira em instituições chinesas e brasileiras garantem segurança e agilidade no processo.
Entre os impactos positivos para a Chilli Beans está a possibilidade de escapar das oscilações bruscas do dólar, que afetam a previsibilidade de custos e margens de lucro. Isso também pode reduzir taxas bancárias e custos de conversão, além de estreitar a relação com fornecedores chineses, que veem vantagem em negociar diretamente em sua própria moeda. Em termos de marketing, a medida ainda reforça a imagem da marca como inovadora e atenta às transformações do mercado internacional.
Por outro lado, a opção também traz riscos. A volatilidade do yuan frente ao real pode criar incertezas, especialmente se houver mudanças na política monetária chinesa. Além disso, o yuan ainda é menos líquido e menos aceito globalmente que o dólar, o que pode limitar a flexibilidade em negociações com parceiros de outros países. Questões regulatórias e a necessidade de adaptação de sistemas internos também representam desafios operacionais.
O caso da Chilli Beans, porém, vai além de uma simples decisão corporativa. Ele se insere em um cenário mais amplo de questionamento do papel do dólar como moeda dominante no comércio mundial. Empresas e governos têm demonstrado desconforto com a instabilidade causada por políticas econômicas e comerciais dos Estados Unidos, incluindo medidas abruptas adotadas em administrações como a de Donald Trump, que impactaram tarifas, cadeias de suprimento e o valor do dólar em prazos curtos.
A busca por alternativas à moeda norte-americana já é visível em acordos bilaterais entre China e Rússia, Índia e países africanos, bem como no fortalecimento de blocos como os BRICS. No Oriente Médio, exportadores de petróleo passaram a considerar contratos em moedas locais ou em yuan, enquanto na África países como a Nigéria testam sistemas de liquidação direta para reduzir a dependência de bancos norte-americanos.
Esse processo, chamado de desdolarização, é lento, mas ganha tração quando empresas de consumo e não apenas estatais ou gigantes de energia entram no jogo. A decisão da Chilli Beans, portanto, funciona como um símbolo dessa mudança cultural e estratégica no comércio exterior. Ainda que o dólar continue dominante por muitos anos, a multiplicação de iniciativas semelhantes pode redesenhar as engrenagens financeiras do mundo, tornando as relações comerciais mais diversificadas e menos sujeitas ao poder de um único país.
Pós-Doutor em Competitividade Territorial e Indústrias Criativas, pelo Dinâmia – Centro de Estudos da Mudança Socioeconómica, do Instituto Superior de Ciencias do Trabalho e da Empresa (ISCTE, Lisboa, Portugal). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2007). É Diretor Executivo do Mapa Mundi. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1484-395X
