ISSN 2674-8053 | Receba as atualizações dos artigos no Telegram: https://t.me/mapamundiorg

Ocx como alternativa que desafia o equilíbrio internacional

A Organização para Cooperação de Xangai (OCX) nasceu em 2001 como um arranjo regional entre China, Rússia e quatro países da Ásia Central. Naquele momento, seu objetivo era apenas administrar fronteiras e fortalecer a segurança diante de ameaças como terrorismo e separatismo. No entanto, ao longo de pouco mais de duas décadas, a OCX transformou-se em algo maior: um projeto que contesta o modelo de governança internacional centrado no Ocidente. Ao reunir hoje potências como China, Rússia, Índia, Paquistão e Irã, além de uma série de observadores e parceiros, o bloco passou a representar não só um fórum de diálogo, mas também um símbolo da busca por uma ordem multipolar.

Essa transformação, porém, não se deu sem erros e contradições. Desde sua fundação, a OCX enfrenta o desafio de conciliar interesses divergentes entre seus membros. O caso mais visível é o da rivalidade histórica entre Índia e Paquistão, que ameaça paralisar consensos internos. Outro ponto de fragilidade está na dificuldade em avançar com projetos econômicos concretos. Muitos dos programas anunciados ao longo dos anos, como fundos de desenvolvimento e iniciativas de integração energética, acabaram ficando no papel ou evoluíram lentamente, muito aquém das expectativas iniciais. Esses impasses expõem um erro de origem: a crença de que bastava reunir potências regionais para rapidamente consolidar uma alternativa estável e eficiente ao status quo.

Apesar desses limites, o papel da OCX não pode ser medido apenas por sua capacidade de execução. O bloco tem valor político por oferecer um espaço de articulação que foge à lógica ocidental. Enquanto instituições como a OTAN ou a União Europeia possuem modelos rígidos e estruturados, a OCX adota flexibilidade, permitindo que países com agendas divergentes encontrem pontos de convergência em áreas específicas. Essa abertura cria margem para cooperação em segurança, comércio e energia, sem a exigência de alinhamentos ideológicos. Para China e Rússia, por exemplo, a OCX é uma forma de reduzir a influência norte-americana em seu entorno imediato, enquanto para países da Ásia Central ela garante uma plataforma para resistir à pressão simultânea de seus vizinhos mais poderosos.

Esse caráter alternativo aparece também em sua agenda econômica. Nos últimos anos, discussões sobre diminuir a dependência do dólar em transações comerciais se tornaram centrais. Em paralelo, surgiram propostas para criar mecanismos financeiros próprios e até um possível cartel de gás natural que reuniria grandes produtores da região. A ideia é simples: construir instrumentos que escapem ao controle de Washington e Bruxelas. Ainda que muitos desses planos não tenham se concretizado, a mera existência do debate mostra a OCX como um polo de resistência ao domínio das instituições ocidentais de Bretton Woods, como o FMI e o Banco Mundial.

Exemplos concretos ajudam a visualizar essa função. Em 2023, o Irã tornou-se membro pleno, ampliando a abrangência do bloco para o Oriente Médio. Para Teerã, historicamente isolado por sanções, a entrada na OCX significou legitimação e acesso a uma rede de aliados estratégicos. No mesmo sentido, o Afeganistão, ainda em situação instável, é tratado como parceiro de diálogo, algo que contrasta com a postura de exclusão adotada pelas potências ocidentais após a saída dos EUA em 2021. Essas escolhas revelam um traço central: a OCX prefere integrar, ainda que de forma pragmática, em vez de isolar.

Na África e na América Latina, observadores acompanham esse movimento com interesse. Países africanos buscam na OCX inspiração para criar arranjos regionais mais autônomos, reduzindo a dependência da ajuda externa tradicional. Já na América Latina, governos que defendem maior independência em relação a Washington veem no bloco eurasiático um espelho de alternativas possíveis, mesmo reconhecendo as dificuldades de coordenação que ele enfrenta. Assim, a experiência da OCX transcende sua própria região ao fornecer um modelo, ainda incipiente, de contestação ao monopólio ocidental.

Se a OCX não conseguiu se consolidar plenamente como bloco econômico, sua contribuição é outra: introduzir a ideia de que o mundo pode ser organizado por diferentes centros de poder. É nesse ponto que seu erro inicial, a incapacidade de alinhar objetivos imediatos entre seus membros, se transforma em força. Ao não ser uma instituição rígida, o bloco dá margem a experimentações e acomoda tensões, abrindo espaço para arranjos que escapam ao padrão homogêneo das estruturas ocidentais. O resultado é uma organização que, mesmo imperfeita, simboliza a busca por uma ordem internacional menos centralizada, onde múltiplos polos coexistem e disputam legitimidade.

Deixe um comentário