ISSN 2674-8053

Os chineses, o setor elétrico, a tecnologia… e o Brasil

O apetite dos chineses pelo setor elétrico brasileiro, e pelo Brasil, já não é nenhuma novidade. Com os trilhões de dólares de que dispõem para investir no exterior, já há algum tempo nos tornamos um dos pontos focais do interesse deles. Haja vista a que no período de 2014 a 2017 o Brasil tornou-se o segundo maior destino dos investimentos sínicos (com s…) em todo o mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

E o nosso setor de eletricidade é um dos que mais os tem atraído. Com grande ímpeto, acabaram por desbancar as companhias privadas tradicionais e se tornaram líderes neste setor em nosso país. Segundo a “Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China”, a “China Three Gorges Corporation”(CTG) já investiu US$ 12 bilhões nesta área aqui, muito no setor de energia limpa. A propósito, a CTG é a gestora da maior hidrelétrica do planeta, a represa de Três Gargantas/ Three Gorges, situada no Rio Yangtze, um megaprojeto que no seu início atiçou o interesse das construtoras brasileiras, as quais chegaram a criar um consórcio para abocanhar – sem sucesso – o empreendimento. É que jamais – como se comprovou depois… – os chineses entregariam a uma empresa estrangeira a construção de um projeto que eles qualificaram de “nacional”. Eu servia na nossa Embaixada em Pequim nesse momento, e testemunhei o ímpeto brasileiro, bem como a estratégia chinesa de tergiversar em nos incluir no processo ao tempo em que enviavam delegações mais delegações numerosíssimas a Itaipu para conhecer a nossa tecnologia…

Dentre as hidrelétricas brasileiras que hoje estão nas mãos dos chineses contam-se as de Ilha Solteira e Três Irmãos. A “Companhia Paulista de Força e Luz” (CPFL) é hoje propriedade da “State Grid Brazil Holding”, braço da estatal chinesa “State Grid Corporation of China”, que já arrematou em leilão as hidrelétricas de Ilha Solteira e Três Irmãos. E por aí vamos…

Isto é ruim…ou é bom, em última análise?

Aí é que está o dilema que ainda não soubemos equacionar…Com ou sem razão, a China está empenhada em tornar-se a grande potência econômica e tecnológica do século XXI. O seu plano “China 2025” é claro: já definiu até os cerca de dez setores de alta tecnologia que vão nortear o seu processo de desenvolvimento de agora em diante. A RPC está decidida a deixar para trás o esquema das manufaturas baratas e investir maciçamente na economia/indústria 4.0. Em resumo, “bye bye” 25 de março, chinesa…

Será isto uma “janela de oportunidades” para o Brasil, “parceiro estratégico global” (este é o status formal e diplomático do nosso relacionamento)?. Não seria mais inteligente se, em lugar de resistirmos, e “condenarmos” o apetite chinês, como propõem alguns, buscássemos “ways and means” de orientar esta parceria em nosso proveito? Nas relações internacionais, nada é preto e nada é branco, tudo é cinza: se eles estão nos buscando com tanta gana, por que não desenvolver uma parceria estratégica que seja realmente benéfica para nós? David contra Golias????? Será(ia)?

Estou convencido de que temos cacife para nos aliarmos – no que nos interessa – aos projetos deles; senão eles não nos procurariam com tanto empenho. Mas onde estariam as nossas contrapartidas? Já as mapeamos?

Audaz? Impossível? Ou simplesmente o reflexo do “complexo de vira-lata” que nos impede de ver o que até os chineses (ainda) vêem em nós: um parceiro????

Reflitamos…ainda é tempo.

Sugiro aos amigos que leiam a matéria do Estadão abaixo:


Chineses desbancaram empresas tradicionais na geração elétrica

Renée Pereira, O Estado de S.Paulo

17 Outubro 2018 | 04h00

Com muito dinheiro em caixa e forte apetite ao risco, os chineses conseguiram desbancar companhias tradicionais no setor elétrico e se tornaram líderes na geração privada de energia no Brasil. A posição é resultado de uma série de aquisições feitas nos últimos anos, especialmente durante o governo de Michel Temer.

Segundo dados da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC), a CTG, hoje maior geradora privada do País, investiu R$ 23 bilhões; a SPIC, R$ 7 bilhões; e a State Grid, que comprou o grupo CPFL, R$ 52 bilhões (US$ 14 bilhões). Pelas contas do governo brasileiro, de 2009 para cá, quase metade do dinheiro chinês investido no Brasil foi para o setor elétrico.

Mas esse movimento parece não agradar muito ao candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro (PSL), líder nas pesquisas eleitorais. Ele já sinalizou para possíveis medidas de restrição ao capital chinês no setor de infraestrutura. “Acredito que economistas tão capazes como Paulo Guedes (assessor do candidato) vão entender que os US$ 120 bilhões que a China investiu no Brasil nos últimos anos ajudou a manter empregos e atenuar a crise econômica”, afirmou Charles Tang, presidente da CCIBC.

Segundo ele, atualmente seis gigantes chinesas estão olhando ativos no Brasil. Fontes ouvidas pelo Estado acreditam que os negócios podem entrar em stand by até que haja uma posição mais clara sobre o assunto. Especialistas, que preferem não se identificar, temem que as declarações atrapalhem negócios em andamento, como a venda da Hidrelétrica Santo Antônio para a SPIC. As negociações para comprar as participações da estatal Cemig e da Odebrecht estavam avançadas.

Depois do efeito Trump, contra capital estrangeiro, alguns executivos decidiram alertar os chineses de que o mesmo poderia ocorrer aqui durante a campanha eleitoral. Portanto, por ora, não há estresse nem preocupação em relação aos investimentos já realizados, afirmou um executivo do setor. Para ele, que também prefere não se identificar, o Brasil precisa do capital externo para ampliar a infraestrutura que está muito aquém das necessidades da população.

Além disso, completa o executivo, é preciso entender que numa concessão o investidor administra o ativo durante um determinado tempo e depois ele volta para o Estado.

A economista Elena Landau, presidente do movimento suprapartidário Livres, vai além: “Há um entendimento equivocado sobre o uso da água. É como se o dono de usina, seja ele estatal ou privado, tivesse autonomia sobre seu despacho hídrico (o que é definido pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico)”. A discussão em torno da segurança do setor elétrico sob o ponto de vista de quem controla as empresas de energia não é exatamente nova. Fontes afirmam que a ex-presidente Dilma Rousseff também tinha algumas restrições sobre a presença chinesa na geração elétrica – área considerada estratégica para o País. O Estado apurou que empresas da China tentaram comprar o grupo Rede e a Neoenergia no passado, mas foram barrados.

“Não faz sentido discriminar a origem de capital. Acho que ele está falando com o coração nacionalista militar que tem. No fundo, ele é contra a privatização de hidrelétricas porque tem cabeça de militar, ou ele está seguindo Trump sem saber exatamente por que”, afirma Elena Landau. No mercado, muitos analistas acreditam que o discurso de Bolsonaro seja mais uma estratégia para convencer eleitores indecisos a votar nele.

Originalmente publicado em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,chineses-desbancaram-empresas-tradicionais-na-geracao-eletrica,70002550400?fbclid=IwAR3eM628plwk4h-NaoPav92RyIk6xS1YxcIhVUmzxn5qWhc1TJ9yunCn_M4

Fausto Godoy
Doutor em Direito Internacional Público em Paris. Ingressou na carreira diplomática em 1976, serviu nas embaixadas de Bruxelas, Buenos Aires, Nova Déli, Washington, Pequim, Tóquio, Islamabade (onde foi Embaixador do Brasil, em 2004). Também cumpriu missões transitórias no Vietnã e Taiwan. Viveu 15 anos na Ásia, para onde orientou sua carreira por considerar que o continente seria o mais importante do século 21 – previsão que, agora, vê cada vez mais perto da realidade.