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A Huawei, a tecnologia 5G e a guerra comercial RPC x EUA

Em 1o. de dezembro passado, a Vice-Presidente do Conselho e Diretora Financeira da gigante de tecnologia chinesa Huawei, Meng Wanzhou, filha do fundador da empresa, Ren Zhengfei, foi detida no aeroporto de Vancouver, no Canadá, por solicitação das autoridades americanas, que pediam sua extradição para os Estados Unidos.

A acusação que recaia sobre Meng é que ela havia participado de uma conspiração para fraudar várias instituições financeiras, entre as quais a Skycom – empresa baseada em Hong Kong – em negócios com o Irã, entre 2009 e 2014. Segundo as acusações, Meng lançou mão de suas relações para apoiar a Skycom nas negociações para a venda – ou tentativa – de equipamentos da “Hewlett-Packard Company” (HP), a companhia multinacional americana de tecnologia da informação, para Teerã, fazendo com que instituições bancárias intermediárias dos EUA violassem de modo indireto as sanções que o governo americano mantém contra aquele país. Também passou a ser usada como justificativa a suspeita de que a atividade da Huawei acabe por facilitar práticas de espionagem tecnológica em outros países. Esta prisão, sem precedentes, extrapolou, segundo os críticos, o conceito de soberania dos Estados, ao “impor” a um terceiro país a observância de sanções de caráter interno de outro Estado.

Desde então o caso “Meng Wangzhou” tem canalizado uma onda de anti-americanismo – envolvendo igualmente o Canadá – de parte da mídia e população chinesas. Muitas pessoas entendem que os “evil Americans” tencionam conter a China através da destruição das suas companhias de tecnologia que competem com as empresas americanas.

A propósito desta prisão, o colunista Jeffery Sachs afirmou em matéria no site “Project Syndicate” que “the Trump administration’s conflict with China has little to do with US external imbalances, closed Chinese markets, or even China’s alleged theft of intellectual property. It has everything to do with containing China by limiting its access to foreign markets, advanced technologies, global banking services, and perhaps even US universities”. Para ele (que criou o conceito dos BRICS, aliás), a prisão da executiva chinesa faz parte dos planos de D.T. de subverter a economia chinesa e impor tarifas que fechem os mercados ocidentais às tecnologias de ponta “made in China”, tanto no que se refere à venda quanto à aquisição de “know how”.

Segundo Sachs, esta iniciativa significa quase uma “declaração de guerra contra a comunidade empresarial chinesa”. Para ele, e um crescente número dos analistas, o que está em jogo é muito maior: é a própria hegemonia tecnológica dos Estados Unidos. Em tom “catastrofista”, Sachs chega a comparar o clima atual ao das vésperas da I Guerra Mundial. Ele afirmou que “…as with Europe’s great powers back then, the United States, led by an administration intent on asserting America’s dominance over China, is pushing the world toward disaster…”

Talvez não devêssemos chegar a tanto, mas é indiscutível que o que está em jogo na “guerra comercial” RPC X EUA é o controle da tecnologia 5G (a da conectividade móvel de quinta geração), que deve começar a se tornar realidade a partir de 2020. Pelo que se antevê, ela irá alimentar, em tempo real, sem cabos e interrupções, em escala comercial, dispositivos móveis (celulares e tablets, etc.), casas inteligentes (com geladeira, fogão, alarmes de segurança e iluminação avançados), frotas de veículos autônomos, automação de fábricas inteiras, e até mesmo cidades inteligentes. Tudo isto interconectado em tempo real, sem cabos e interrupções.

Ao contrário das suas antecessoras – o 3G e o 4G -, “a nova versão da ferramenta promete fazer com que tudo que funciona hoje pareça ultrapassado, como inalar rapé, usar mata-borrão ou passar o escovão e encerar o chão da sala de jantar, tal qual se fazia antigamente”, afirmaram Celso Ming e Guilherme Guerra, em matéria publicada no Estadão, no dia 08/06. Este é o X da questão e o cerne da “guerra comercial EUA X RPC” : a disputa geopolítica pela hegemonia mundial no século XXI .

Neste cenário, o analista Pedro Doria, em matéria do Estadão, do dia 24/05, afirma que “bloquear a Huawei é um desastre para todo mundo”. Segundo ele, “ grande como é, obstinada como é, e com o apoio do governo chinês, a Huawei vai sobreviver e, após um ou dois anos, dará a volta por cima. Já agora mesmo, tomados por ímpeto nacionalista, chineses estão largando iPhones para comprar P30s. Trata-se de uma empresa com imensa penetração no mercado asiático. Com chips próprios e sistema próprio, terá poder de fogo para abrir um rombo nos espaços que Apple e Google têm no continente mais populoso, aquele onde o mercado mais cresce. Para os americanos, é péssimo”. Prova disto é que a Huawei está calmamente ampliando seu raio de ação para o sul da Ásia e já estabeleceu sucursais no Paquistão, Bangladesh e Sri Lanka. Só falta a Índia, mas aí “o buraco é mais embaixo”. Não nos esqueçamos de que a região representa um quarto da população mundial, com perspectivas de atingir a casa dos 61% em 2025.

Tudo isto parece óbvio…mas é bom refletirmos um pouco mais..
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Como recordaremos, em 2013 o governo chinês lançou o plano “Made in China 2025”, que elencou dez setores de tecnologia de ponta sobre os quais focará seu projeto de desenvolvimento, na busca de alcançar a hegemonia da sociedade pós(pós)-industrial. E a Huawei é uma das mais importantes – senão a mais importante- empresas chinesas na área de alta tecnologia. Ela é aliás, a líder nesse segmento, e a segunda maior fabricante de smartphones do mundo, a caminho de logo se tornar a primeira. As empresas europeias Ericsson e Nokia tentam uma corrida por fora pelo controle da tecnologia, mas ainda estão longe do nível já atingido pela concorrente asiática. Ademais, diferentemente das grandes companhias da RPC, que são quase todas estatais (as “state owned enterprises”), a Huawei é privada; escapa, assim -em teoria, ao menos-, do controle em “mãos de ferro” de Pequim.

Seria este o embrião de uma “nova” China, cada vez mais “privatizada”, não somente com o “beneplácito” senão também com a conivência – e a liderança – do próprio PCC no processo? Seria este o novo modelo que Xi Jinping pretende estabelecer para a China e sua economia: cada vez mais simbiótica, em que Estado e as empresas privadas se amalgamam para transformar a República Popular na nação hegemônica da geoeconomia por volta da metade deste século? 
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Plano certamente muito audacioso. É preciso muito empenho e audácia, que somente uma sociedade (ainda) confucionista consegue sustentar: “um por todos e todos por um”…

Factivel?

Os chineses são estrategistas “pela própria natureza”…Não fosse o maior de todos, Sun Tzu, autor da “Arte da Guerra”, um chinês! Eles já planejaram o século XXI, integralmente, este século em acelerada mutação, Só falta cumprir o roteiro.

Mas a Pangeia em constante reconstrução abriga outras civilizações, muitas emergentes, outras declinantes, que querem buscar, ou preservar, seus espaços, e seus “lugares ao sol”. O que acontecerá, só o deus Krónos saberá dizer…e assim, “la nave va”.

Fausto Godoy
Doutor em Direito Internacional Público em Paris. Ingressou na carreira diplomática em 1976, serviu nas embaixadas de Bruxelas, Buenos Aires, Nova Déli, Washington, Pequim, Tóquio, Islamabade (onde foi Embaixador do Brasil, em 2004). Também cumpriu missões transitórias no Vietnã e Taiwan. Viveu 15 anos na Ásia, para onde orientou sua carreira por considerar que o continente seria o mais importante do século 21 – previsão que, agora, vê cada vez mais perto da realidade.